O QUE VAI À MESA

Inflação alta faz aumentar a busca pelos ultraprocessados em Campinas

Consumo excessivo desse tipo de alimento está associado ao aparecimento de várias doenças

Isadora Stentzler/ [email protected]
14/07/2022 às 09:00.
Atualizado em 14/07/2022 às 09:29
Os carrinhos cheios já não são mais comuns nos supermercados e comércios em Campinas: diante dos preços proibitivos, alternativa é a de optar por produtos com valor mais barato (Ricardo Lima)

Os carrinhos cheios já não são mais comuns nos supermercados e comércios em Campinas: diante dos preços proibitivos, alternativa é a de optar por produtos com valor mais barato (Ricardo Lima)

A alta da inflação tem impactado a alimentação dos campineiros, que passaram a trocar alimentos com alto potencial nutritivo por produtos processados e ultraprocessados. A dificuldade no acesso e também no valorpara uma alimentação adequada são desafios para essas famílias, que acabam comprometendo a saúde para maquiar a fome.

Segundo o último Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no dia 8 deste mês, a inflação chegou a 0,67% em junho, após a variação de 0,47% registrada no mês anterior. 

A alta foi influenciada principalmente pelo aumento de 0,80% no grupo de alimentação e bebidas, que tem grande peso de participação no índice geral (21,26%). No ano, a inflação acumulada é de 5,49% e, nos últimos 12 meses, de 11,89%. 

Diante desses indicadores, que chegam aos produtos essenciais da mesa dos campineiros, a alternativa que famílias encontraram foi a de optar por produtos com valor mais acessível, porém, com menor potencial nutritivo. 

Em um mercado do bairro Ponte Preta, a aposentada Maria da Ajuda Kassiwagi, de 72 anos, comprava uma bandeja com um pedaço de lasanha de berinjela, dois pães, um pão doce, tomates e bananas, quarta-feira (13). Ela é uma das beneficiárias do Cartão Nutrir, programa criado em Campinas, que garante renda para aquisição de alimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade. 

Segundo ela, a alimentação, hoje, é baseada no que compra pronto no mercado, já que não consegue arcar com o preço do botijão de gás.

No mesmo comércio, a aposentada Maria Helena, de 72 anos, afirmou que o impacto dessa alta, para ela, deu-se na frequência das compras no mês, que diminuiu, e na troca da carne de gado pela de frango. Apesar disso, ela garantiu que se preocupa em manter um valor nutricional elevado, comprando as frutas e verduras que estão em promoção. 

A mesma preocupação é compartilhada pela analista fiscal Kayeni Maia, de 29 anos. Com uma bebê de dois anos, que precisa do leite, ela compreende que a alimentação, nessa fase, é crucial para o desenvolvimento da criança, ainda que isso possa comprometer o orçamento. 

“Vencidinhos”

Na outra ponta, mercados que comercializam produtos com datas próximas ao vencimento por valores mais em conta veem a explosão pela procura de produtos processados e ultraprocessados. A reportagem esteve em dois desses estabelecimentos quarta-feira (13) e encontrou promoções de pães fatiados, a três pacotes por R$ 10; iogurte, três bandejas a R$ 11; e pacotes de biscoito. 

Segundo a funcionária de um desses locais, Evelin Felix, de 34 anos, as opções de produtos que eram vendidos com datas próximas do vencimento foram reduzidas, na contramão da procura, que registrou alta. 

Entre as substituições que mais percebe, a partir da saída dos itens, estão linguiça, salsicha e calabresa, que tomaram o lugar de carnes de gado e de frango. Outra percepção da funcionária foi a troca de pacotes de cinco quilos de arroz por de apenas dois quilos. 

Dauzirene da Costa Silva, de 50 anos, que estava em um desses mercados, contou que precisou reduzir o consumo de leite devido ao alto valor. A caixa com 10 unidades, que antes custava R$ 32, hoje chega a R$ 80, e não ela não consegue mais garantir o produto todos os dias para a família, que consumia três caixas no mês. “É muito difícil. Levamos como podemos, sempre buscando um lugar onde os preços caibam no bolso da gente. Viemos aqui para comprar pão, porque dá para a semana. Sai muito mais barato que no mercado”. 

Janaína Roberta Fábio, de 42 anos, também faz pesquisa de um supermercado para o outro. Porém, garante que não abre mão da buscar opções nutritiva dos alimentos, ainda que inclua processados e ultraprocessados no consumo.

Pântanos alimentares 

Uma pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontou que, além do impacto do preço, a falta de acesso a alimentos in natura tem propiciado a busca pelos ultraprocessados. 

A pesquisa mapeou os chamados “pântanos alimentares”: regiões socioeconomicamente vulneráveis e que apresentam uma maior proporção de estabelecimentos que vendem alimentos ultraprocessados do que in natura. 

“O conceito de ‘pântano alimentar’ (junto com outros conceitos como deserto alimentar e apartheid alimentar), busca quantificar o acesso a alimentos in natura e minimamente processados em centros urbanos para ajudar no planejamento e formulação de medidas que visem ao combate das desigualdades de acesso a esses alimentos”, explica a mestre em Saúde Coletiva, Mariana Fagundes Grilo, que assina a pesquisa junto com a dra. Ana Clara Duran e Caroline de Menezes.

O estudo apontou que de 18 administrações regionais de Campinas, as regiões do Jardim Garcia, São Marcos, São Bernardo, Carlos Lourenço, Vila Lemos e dos DICs foram consideradas deficitárias no fornecimento de alimentos in natura. 

Hipertensão e obesidade

Sem acesso e condições para arcar com esses alimentos, o impacto acaba recaindo na saúde. De acordo com a pesquisadora, já existem evidências que associam o consumo de ultraprocessados com o desenvolvimento de obesidade, maior risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, de câncer de mama, além de depressão.

“As recomendações do ‘Guia Alimentar para a População Brasileira’ enfatizam uma alimentação baseada em alimentos in natura e minimamente processados, em que se evite os ultraprocessados, de todos os tipos”, pondera.

O mesmo é defendido pela nutricionista e diretora da Faculdade de Nutrição da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, Mara Lígia Bachelli, que acrescenta impactos ainda maiores em crianças, devido à fase de desenvolvimento.

Como não há uma métrica para o consumo desses itens, ela orienta para que a população esteja atenta aos rótulos dos produtos e, sempre que possível, produza a própria refeição. 

“Todos os alimentos que tiverem mais de quatro ingredientes são ultraprocessados e devem ser evitados ao máximo. Não é proibido, mas não pode ser a base da alimentação”, frisa.

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