PREOCUPAÇÃO

Índice de mortalidade materna está acima do considerado ideal pela ONU

Nos últimos dez anos, Campinas acumulou uma média de 35,5 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos

Luis Eduardo de Sousa/luis.reis@rac.com.br
23/06/2024 às 09:24.
Atualizado em 23/06/2024 às 09:24

Em sua primeira gestação, Marília Figueiredo mantém uma rotina disciplinada de alimentação e exercícios para controlar a pressão arterial (Alessandro Torres)

Campinas teve uma média de 35,5 mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos nos últimos 10 anos, revelam dados obtidos pelo Correio Popular junto à Secretaria Municipal da Saúde. O índice está acima do que estabelece a Organização das Nações Unidas (ONU) em sua agenda “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” (ODS), que define como ideal um índice inferior a 30 óbitos por 100 mil nascimentos. 

A mortalidade materna é uma das principais preocupações da saúde em todo o mundo, uma vez que serve de parâmetro para aferir condições de saúde durante a gestação em diferentes regiões. Geralmente, altos índices são associados a regiões com maior vulnerabilidade social e piores condições sanitárias. No Brasil, patologias associadas à hipertensão arterial constituem a principal causa de morte materna.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define como óbito materno quando ele ocorre durante a gestação ou até 42 dias após o parto, por causas estritamente ligadas à gravidez. Mortes no mesmo período causadas por outros fatores não são consideradas. 

Em Campinas, a Secretaria Municipal de Saúde avalia que o índice, apesar de não ser positivo, está próximo ao que estabelece a ONU, com tendência de queda, ressaltando que a Pasta atua para combater as patologias que podem incorrer nos falecimentos maternos. 

Os índices de mortalidade materna, a partir de 2014 – ano inicial do levantamento-, seguiram tendência de queda na cidade, mas voltaram a crescer em 2019. Em 2021, o número atingiu patamar recorde, chegando a 62,51 casos a cada 100 mil nascidos vivos.

Em números aproximados, os dados revelam que oito mães morreram em 2014 em um universo de 15,9 mil nascimentos. No ano seguinte, foram seis óbitos em 16,1 mil nascimentos. Em 2016, cinco mortes maternas foram registrados e 15 mil partos. Em 2017, quatro óbitos em 15,4 mil nascimentos. Um ano depois, foram 15 mil nascidos e cinco mortes. Em 2019, seis óbitos e 14,5 mil nascidos vivos. Em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, duas mortes maternas e 13,6 mil nascimentos. 2021 registrou oito óbitos em um universo de 12,8 mil nascimentos. Há dois anos, Campinas contabilizou apenas um óbito materno e 12,6 mil nascimentos. Por fim, no ano passado, foram cinco mortes e 12,2 mil nascimentos – menor natalidade no período de 2014 a 2023. 

Os dados de 2024 ainda não foram divulgados, uma vez que a Saúde trabalha com os números fechados anualmente. O dado da quantidade de nascidos vivos é do governo estadual.

CAUSAS

A médica ginecologista obstetra Daniela Castanho, especialista em reprodução humana, explica que entre as principais causas de mortalidade materna estão as patologias ligadas ao aumento da pressão arterial durante a gestação. Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indica que a pré-eclâmpsia é a causa que mais mata gestantes no Brasil. 

“Durante a gestação, a paciente tem uma mudança nos hormônios, incorrendo em um maior fluxo sanguíneo para abastecer o bebê. Ela fica mais suscetível a desenvolver essas patologias, que podem culminar, por exemplo, em uma convulsão (eclâmpsia), ou na pré-eclâmpsia, patologia ainda mais grave, rápida e sigilosa, também alinhada ao aumento da pressão arterial.” 

Outra causa apontada pela especialista, de igual gravidade, é a síndrome HELLP, condição causada por lesões em diferentes órgãos, devido ao aumento rápido da pressão arterial. “Na síndrome HELLP, as plaquetas baixam muito, as enzimas do fígado sobem e pode haver um risco de hemólise e sangramento, uma vez que o sangue não coagula”, diz Castanho.

Como forma de evitar as patologias, a especialista indica o básico, como fazer as consultas de pré-natal regularmente, praticar exercícios físicos, se hidratar, ingerir pouco sal e dormir bem. Adicionalmente, é recomendável aferir a pressão arterial regularmente e se atentar a sintomas. 

Biomédica e acupunturista, Marília Granzo Figueiredo, 36 anos, está em sua primeira gestação, recém-chegada no oitavo mês. Preocupada com controle da pressão arterial, mantém uma rotina disciplinada de alimentação e exercícios físicos. 

“Eu mudei meu estilo de vida como um todo. Tento fazer uma atividade física todo dia, uma caminhada de 20 a 30 minutos pelo menos, justamente para lidar com a pressão arterial. A alimentação também é muito importante, então evito comer ultraprocessados e vou buscar os alimentos na feira: legumes, verduras e frutas. Como poucas porções com maior frequência, porque o corpo perde muito carboidrato. Por fim, como chocolate amargo, porque o cacau ajuda a equilibrar a glicemia, e aumentei a ingestão de fibras”, conta a jovem. Ela acrescenta que ainda pratica musculação e pilates. Por fim, Figueiredo vai, religiosamente, aos pré natais quinzenalmente para acompanhar também o desenvolvimento da pequena Alice. 

À reportagem, a Secretaria Municipal da Saúde ressaltou que os casos estavam em queda e destacou que a pandemia de covid-19 pode ter contribuído para um leve aumento dos casos.

“A razão de mortalidade materna (RMM número de mortes maternas em determinado período por 100 mil nascidos vivos durante o mesmo período) em Campinas, de 2014 até 2020, estava se aproximando da meta estabelecida pela ODS. Entretanto, em 2021, com a pandemia de covid-19 e a associação da gravidade da doença com a gestação e puerpério, em Campinas e em todo mundo houve um aumento das mortes no ciclo gravídico puerperal e chegou a 62,51. Em 2022 houve apenas uma morte materna, mas em 2023 ocorreu um aumento deste número chegando a quatro mortes com RMM de 40,48”, informou a Pasta.

“Pelo SUS”, continuou a nota enviada pela Secretaria, “as unidades de saúde trabalham com captação precoce das gestantes por meio da identificação dessas pessoas pelos Agentes Comunitários de Saúde que atuam no território. Há também a vigilância das gestantes vulneráveis e faltosas do pré-natal nas unidades de saúde”. 

A ginecologista e obstetra Isabela Simionatto explica que a mortalidade materna ainda é um desafio, mas que não precisa de grandes tecnologias para ser superado. 

“Na maioria das vezes, as complicações no ciclo gestação, parto e pós-parto, poderiam ser, no mínimo, reduzidas se o pré-natal fosse realizado adequadamente.

A médica avalia que os sistemas de saúde devem oferecer profissionais especializados para atender as gestantes e identificar de maneira correta cada patologia, resolvendo assertivamente, além de uma frequência mínima de visitas ao médico. “O Ministério da Saúde recomenda, em pré-natais de baixo risco, a realização de no mínimo 6 consultas médicas (uma no primeiro trimestre da gravidez, duas no segundo e três no terceiro). É na consulta de rotina do prénatal que diagnosticamos o ganho excessivo de peso da gestante – fator importante que pode aumentar o risco de alterações pressóricas e complicações pela diabetes”, conclui.

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