Crescimento do número de devedores foi inferior a 1%, mas fez com que a região atingisse um patamar inédito: 1.193.978 pessoas no cadastro da Serasa
Um dos principais motivos para o aumento da inadimplência, a taxa Selic teve alta de 0,5 ponto percentual no dia 7 de maio e chegou a 14,75% ao ano, a maior dos últimos 19 anos (Alessandro Torres)
A Região Metropolitana de Campinas (RMC) registrou em março o terceiro mês seguido de recorde de inadimplência ao atingir 1.193.978 de consumidores com contas em atraso. De acordo com os dados da Serasa, o aumento foi de 0,89% em comparação aos 1.183.481 de fevereiro, com a Grande Campinas ganhando 10.497 cadastros negativados em um mês, média 14 novos por hora. A elevação foi acompanhada também de novo recorde no total das dívidas acumuladas, que chegou a R$ 8,34 bilhões, alta de 1,09% em comparação aos R$ 8,25 bilhões do mês anterior.
O montante é equivalente ao que gastam quatro cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) com as despesas previstas no orçamento: Paulínia, Americana, Sumaré e Indaiatuba, que totalizam juntas R$ 8,3 bilhões e estão entre os municípios com as maiores receitas.
“A inadimplência deve seguir em alta, pressionada por juros mais elevados e menor acesso ao crédito”, avaliou o economista João Marcelo Costa, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). No dia 7 passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou a taxa Selic, juros básicos da economia, em 0,5 ponto percentual, chegando a 14,75% ao ano. Essa foi a sexta alta seguida da Selic, que passou a ser a maior dos últimos 19 anos, desde agosto de 2006.
“A persistente concentração da inadimplência entre as famílias de menor renda reflete uma combinação de fatores estruturais, como a informalidade e o alto custo do crédito para esse público”, afirmou Marcelo Costa. A CNC vê como “preocupante” o aumento do número de famílias que dizem não ter condições de pagar suas dívidas, taxa que chegou a 12,4% entre inadimplentes. Em abril de 2024, era 12,1%. “A análise histórica ainda mostra que, apesar de o percentual de endividados oscilar dentro de uma margem estreita nos últimos meses, a capacidade de pagamento das famílias tem se deteriorado”, explicou o economista da entidade.
REFLEXOS
Pelo segundo mês seguido, o número de devedores cadastrados na Serasa e o valor da dívida subiram em todos os 20 municípios da RMC. Campinas chegou a 470,3 mil inadimplentes em março, aumento de 0,77% em relação aos 466,7 mil do mês anterior. A cidade teve 3,6 mil consumidores negativados, média de um novo a cada 5 minutos. O município chegou ao total de R$ 3,33 bilhões em contas atrasadas, elevação de 1,22% em comparação aos R$ 3,29 bilhões de fevereiro. Os R$ 400 milhões adicionados no montante da dívida são equivalentes a 263.504 salários mínimos – R$ 1.518.
“Muitas vezes temos que pagar uma conta e deixar outra para depois”, resumiu o ajudante de pedreiro Armando José Azoca, venezuelano há cinco anos em Campinas. Ele trabalhava como açougueiro, mas agora faz diversos serviços em uma obra localizada na região do Castelo. De acordo com o trabalhador, o que ele ganha é insuficiente para cobrir todas as despesas, sendo constantemente assombrado pelo fantasma da inadimplência. Com isso, os juros das dívidas acabam diminuindo o poder de compra, criando um círculo vicioso.
O pedreiro João Francisco Silva contou que consegue manter as contas em dia, mas a renda cobre basicamente as despesas essenciais. “É razoável, mas não dá para ter gastos extras.” O autônomo Fábio da Silva Godoy está há 13 anos sem registro em carteira de trabalho. Ele já enfrentou situações difíceis, apertos financeiros, dívidas, mas hoje conseguiu equilibrar a vida financeira. Para isso, encara uma jornada de trabalho de 11 horas diárias. Começa às 9h e vai até as 20h.
“Durante o dia eu comercializo panos. À noite, rosas”, relatou Flávio Godoy. Ele sonha em voltar a trabalhar com registro na carteira, mas há uma barreira. “Eu trabalhei como operador de retroescavadeira e motorista de caminhão. Nessas profissões, ganharia uns R$ 2 mil por mês, mas hoje ganho mais vendendo na rua.”
PERFIL
De acordo com o Mapa da Inadimplência e Renegociações de Dívidas, os bancos e cartões de crédito são as principais causas de inadimplência. O segmento tem uma participação de 28,46% do total de contas em atraso e também cobra os maiores juros de mercado. No início deste mês, a taxa do cartão variou de 48,1% a 994,47% ao ano, dependendo da operadora, segundo relatório divulgado pelo Banco Central. A empresa com a maior taxa cobra 22,07% ao mês no crédito rotativo. Em janeiro, ela trabalhava com uma taxa mensal de 20,01%.
No caso do cheque especial para pessoas físicas, segundo o Banco Central, os juros anuais vão de 24,43% a 297,38%. A segunda principal causa de dívidas envolve as utilities, as contas de básicas como água, luz e água, com participação de 20,58%. As financeiras a aparecem em terceiro lugar, com 19,08%, vindo depois o segmento de serviços, 11,23%.
O número de inadimplentes na Região Metropolitana de Campinas teve aumento de 5,31% no acumulado de 2025, começando janeiro com 1,13 milhão de devedores. Os 60 mil novos negativados no acumulado até março são proporcionais à população inteira de uma cidade do porte de Cosmópolis. Já o total da dívida sofreu uma elevação de 11,8% (antes eram R$ 7,46 bilhões). No acumulado de 12 meses, a alta foi de 7,21% entre as pessoas com contas em atraso e de 18,97% nos débitos. Em fevereiro de 2024, os 1,11 milhão de inadimplentes deviam R$ 7,01 bilhões.
CRÍTICAS
As dificuldades enfrentadas pelos consumidores e a alta de juros também preocupam entidades empresariais. “O Banco Central opta por manter uma política de juros elevados, o que funciona, na prática, como um freio à atividade econômica. A continuidade desse ciclo é, em nossa avaliação, equivocada, sobretudo diante do contexto internacional e dos desafios envolvendo a economia brasileira”, analisou o economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Felipe Queiroz, setor que trabalha com itens básicos para a sobrevivência da população, os alimentos.
Para ele, “é necessário abrir um debate urgente sobre a revisão do modelo de metas de inflação. A adoção do índice cheio, que inclui componentes como alimentação e energia elétrica, estimula uma política monetária excessivamente conservadora e juros estruturalmente elevados. Esses itens, em especial os alimentos, têm baixa sensibilidade aos juros e, portanto, geram efeitos defasados e ineficazes”, justificou o economista.
A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) divulgou ver “com preocupação a decisão anunciada pelo Comitê de Política Monetária (Copom)” que elevou a taxa básica de juros. “É fundamental que o ciclo de altas na Selic tenha um fim o quanto antes, para não comprometer o crescimento econômico e a geração de empregos”, defendeu a entidade em nota oficial. Estudos do próprio Banco Central, acrescentou, indicam que uma elevação de 1 ponto percentual na Selic pode aumentar a dívida pública bruta em mais de R$ 50 bilhões por ano.
“A alta dos juros tem efeito em cascata: encarece o crédito, desestimula o consumo, reduz a competitividade do setor produtivo e contribui para o fechamento de empresas e postos de trabalho. Ao tornar o crédito imobiliário mais caro, também compromete o acesso à moradia para milhares de famílias brasileiras”, criticou a Abrainc.
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