São cerca de duas mil ações de desapropriação em andamento para garantir a ampliação do sítio aeroportuário, mas relicitação pode diminuir espaço previsto na proposta original
A redução do sítio aeroportuário previsto pegaria apenas uma área menor do Itaguaçu e do Jardim Santa Maria, onde existem, principalmente, propriedades rurais, como chácaras, sítios e fazendas (Alessandro Torres)
O impasse sobre o futuro do Aeroporto Internacional de Viracopos coloca em indefinição aproximadamente dois mil processos judiciais de desapropriação em andamento para garantir a ampliação do sítio aeroportuário. As incertezas envolvem o lançamento da relicitação para escolha da nova concessionária e a definição da gleba a ser expropriada, afetando diretamente a vida de cerca de 20 mil moradores da região, de acordo com a Associação dos Moradores do Jardim Itaguaçu. Essa população, maior do que a de três cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) – Engenheiro Coelho, Holambra e Morungaba –, mora em bairros englobados pela área patrimonial de 27 quilômetros quadrados (km²) prevista na concorrência de concessão lançada em setembro de 2011, vencida pela Aeroportos Brasil Viracopos (ABV).
Porém, esse sítio aeroportuário nunca foi entregue à empresa, um dos motivos que levou a concessionária a entrar, em março de 2020, com pedido de devolução amigável do aeroporto, alegando desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Em documento emitido em setembro passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) admitiu, com base em informação da Secretaria de Portos e Aeroportos, que “existe renegociação em curso na qual considera a repactuação do contrato de concessão do Aeroporto de Viracopos, sendo que deverá ser revista a poligonal do sítio aeroportuário, o que tornará necessária a reavaliação dos processos de desapropriação ora em curso em âmbito judicial”.
Em 2021, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) cogitou reduzir o sítio para 13 km², área com possibilidade de ser prevista na relicitação, segundo informações de bastidores. O prazo para lançamento da nova concorrência pública vencerá no próximo dia 2, conforme determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com a Casa Civil da Presidência da República, o governo trabalha para publicar o edital até o prazo final. Já a Anac, responsável pela concorrência, foi procurada desde a última segunda-feira (5), mas não se manifestou.
EXPECTATIVA
O presidente da Associação dos Moradores do Itaguaçu, Elzito Tolentino Silva, o “Peninha”, disse haver um compromisso do governo federal com a redução do sítio aeroportuário. Ele não acredita na manutenção da área original, abrangendo bairros como jardins São Domingos, Campo Belo, Marisa e Cidade Singer. “Já investiram muito nessa região, que hoje tem creche, posto de saúde, rede de água e asfalto em boa parte”, argumentou o líder de bairro. Essa área é densamente povoada, conta com casas de alvenaria e comerciado variado.
Para ele, a retirada dessa população criaria uma crise de grandes proporções. “Só por Deus. Seria uma questão social complicada”, afirmou. Peninha mora no Itaguaçu desde a ocupação do bairro em fevereiro de 1997, quando se instalou em uma cabana de lona plástica. Depois, ele passou para um barraco de madeira e hoje mora em uma casa. Ele é um dos moradores a conseguir a escritura do terreno através da lei de usucapião, mas muitos até hoje não conseguiram regularizar a documentação dos imóveis.
A redução do sítio aeroportuário previsto pegaria apenas uma área menor do Itaguaçu e do Jardim Santa Maria, onde existem principalmente propriedades rurais, como chácaras, sítios e fazendas. A indefinição em torno do sítio aeroportuário levou até um produtor rural a defender a suspensão das ações de desapropriação até a definição do futuro de Viracopos. Ele conseguiu, através de agravo de instrumento concedido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, a suspensão do processo por seis meses. “Congela tudo e faz a nova licitação. Vê a área que vai ser licitada e as áreas que não foram ocupar, que não vão ser mais necessárias. Se decidirem realmente pela redução, deveriam desistir dos processos (em andamento) para que as áreas continuem com os respectivos proprietários”, argumentou F.C., que pediu para ser identificado pelas iniciais.
PREJUÍZO
“Se tivessem juízo e responsabilidade com o dinheiro público, deveriam, pelo menos, suspender as ações em andamento”, argumentou. A ampliação original de Viracopos prevê a desapropriação de 40 mil metros quadrados (m²), o equivalente a um quinto do total de 200 mil m² de sua propriedade, mas pegaria a área mais nobre, onde estão as principais benfeitorias. Em caso de redução da área patrimonial do aeroporto, a expropriação pegaria uma faixa menor.
Os primeiros processos de desapropriação se arrastam na Justiça há 19 anos, com a indefinição da área a ser afetada acarretando prejuízos para os proprietários e até mesmo para os cofres públicos, na opinião do advogado Victor Rodrigues Nascimento Vieira. “A depender da demora, o processo judicial pode perder o seu objeto, a prestação jurisdicional pode ser ineficaz, a demora e o desgaste podem ser muito mais custosos, entre outros problemas”, analisou. De acordo com ele, não há como avaliar o custo dos processos envolvendo as desapropriações do aeroporto, pois varia significativamente dependendo do tempo de processo, do valor da causa e de outros fatores, como perícias realizadas.
Para Victor Vieira, “muitas das demandas ajuizadas poderiam ser resolvidas de forma extrajudicial, mas não são por conta da cultura litigante das partes e também dos advogados e da própria mentalidade de promotores e defensores”. Um estudo de 2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dá um indicador do custo de manutenção do Poder Judiciário. Segundo órgão, havia um acervo de 83,8 milhões de processos em tramitação no País no final do ano anterior. O custo pelo serviço da Justiça foi de R$ 653,70 por habitante, aumento de 11,5% em comparação com 2022.
OUTROS REFLEXOS
A morosidade na definição do futuro de Viracopos emperra melhorias na qualidade de vida da população dos bairros incluídos na área a ser desapropriada. “Viver aqui é muito difícil, Aqui não tem nada, só por Deus”, relatou o vaqueiro Sebastião dos Santos da Paixão, morador no Jardim Novo Itaguaçu. As ruas são de terra, o abastecimento de água é feito por caminhões-pipa da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A. (Sanasa) e a eletricidade é clandestina, os famosos “gatos”.
“Se alguém ficar doente, dependemos do socorro de algum vizinho com carros”, relatou o caminhoneiro Arnaldo Araújo. “Nós temos que andar uns cinco quilômetros até o ponto de ônibus mais próximo”, completou. De acordo com ele, o transporte para o Centro de Campinas só tem dois horários, de manhã e no final da tarde, e é mantido apenas de segunda a sexta-feira. “No final de semana, não tem ônibus”, reclamou o morador. Arnaldo Araújo também não tem a documentação da área onde reside, onde instalou um trailer. “Só tenho um contrato”, acrescentou.
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