COMPLEXO FERROVIÁRIO

Impasse sobre shopping popular em Campinas provoca tensão entre camelôs

Início das obras do novo camelódromo atrasa devido a tombamento de galpão

Eliane Santos/ [email protected] e Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
15/06/2022 às 08:46.
Atualizado em 15/06/2022 às 08:46
Por determinação do Condepacc, estrutura metálica do barracão que integra o complexo ferroviário deve ser incorporada ao projeto arquitetônico do Shopping Popular (Gustavo Tilio)

Por determinação do Condepacc, estrutura metálica do barracão que integra o complexo ferroviário deve ser incorporada ao projeto arquitetônico do Shopping Popular (Gustavo Tilio)

Em meio ao clima tenso e de descontentamento pelo impasse em torno da construção do shopping popular, a direção do Sindicato dos Empreendedores Individuais de Ponto Fixo Público e Móvel de Campinas (Sindipeic), que representa os camelôs, se reuniu terça-feira (14) de manhã com o vice-prefeito Wanderley de Almeida e a secretária municipal de Cultura e presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), Alexandra Caprioli, para pedir “esclarecimentos e entendimento” sobre o que é necessário para viabilizar definitivamente o projeto.

As obras estavam previstas para começar em janeiro passado, mas não há prazo para início após o Condepacc requerer a incorporação de dois prédios tombados ao empreendimento.

O mais recente capítulo em torno do projeto surgiu na sexta-feira passada quando o Conselho vetou o pedido do Sindipeic para demolição da chamada nova garagem de carros. O galpão foi tombado pelo órgão municipal em 2014, por meio da resolução nº 129, que inclui o tombamento de mais 33 itens do complexo, sendo 31 prédios, os pátios das antigas Companhias Paulista a Mogiana de Estradas de Ferro e os trilhos das linhas mortas. 

A construção do shopping, previsto para ser erguido na área do complexo ferroviário, é considerado um ponto-chave para destravar a revitalização do Centro planejada pela Prefeitura. A mais recente versão do novo camelódromo prevê um prédio de três andares, 42 mil metros de área construída e disponibilização de 1.688 boxes. Se fosse efetivado nesses moldes, seria o maior centro de compras da área central, com investimento previsto de R$ 115 milhões. Porém, um novo projeto precisará ser realizado.

Crítica

“Temos uma área, temos um sonho e parece que quando demos um passo para frente, na verdade voltamos dez”, criticou o vereador e vice-presidente do Sindipeic, José Carlos dos Santos, o Carlinhos Camelô (PSB), após a reunião com o vice-prefeito e a secretária de Cultura. O encontro teve ainda a participação da presidente do Sindipeic, Maria José Massioli Salles, além de outros oito representantes da categoria. O vereador admitiu que o impasse em torno do shopping popular acirrou os ânimos entre os camelôs e já há quem defenda a realização de protestos de rua para reivindicar uma solução para a situação.

O Sindipeic tem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público que prevê a retirada de 1.380 camelôs espalhados por seis pontos do Centro. O prazo para a remoção terminará no próximo ano, mas Carlinhos Camelô afirma que o acordo não será cumprido diante do atraso na construção do centro de compras. 

Em entrevista ao Correio Popular, o vereador adiantou que uma nova reunião foi solicitada pela categoria, com urgência, para que se faça, finalmente, um novo esboço do projeto. “A reunião de hoje (terça-feira) foi apenas para entendermos o que realmente precisa ser preservado. Nos disseram que não há necessidade de serem mantidos telhados, trilho e paredes”, acrescentou. 

A ideia é que a próxima reunião tenha a participação do arquiteto responsável pelo projeto do shopping, do representante da Prefeitura, Condepacc e até mesmo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que segundo ele, pode auxiliar a “destravar” o projeto. A presidente do Condepacc, Alexandra Caprioli, já havia manifestado o interesse de arquitetos que integram o conselho em auxiliar o Sindipeic a definir o projeto do shopping.

Após a reunião, ela respondeu, via nota oficial, que “a Secretaria de Cultura e Turismo de Campinas informa que a decisão do Condepacc é soberana. A Administração reitera a importância do shopping popular e, informa que assim que o projeto for enviado, será devidamente apreciado e discutido dada a sua importância para a cidade".

Outro capítulo

Porém, a aprovação pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas é apenas mais um capítulo do impasse em torno do shopping dos camelôs. O próximo será submeter o projeto à avaliação do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), subordinado à Secretaria Estadual da Cultura. Esse órgão tombou a Estação Ferroviária, que hoje abriga a Estação Cultura, em 1982.

A garagem está dentro da área envoltória de 300 metros da estação, que é delimitada com o objetivo de proteger sua visibilidade, harmonia e ambiência do bem tombado.

O arquiteto Fábio Muzetti, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC) e ex-membro do Condepacc, defendeu que a entidade dos camelôs deveria ter discutido previamente o projeto arquitetônico com os órgãos envolvidos para cumprir as políticas contemporâneas de restauro. Para ele, o cumprimento desse rito permitiria achar o ponto de consenso entre o Sindipeic, Condepacc e o Condephaat.

Muzetti lembra que esse foi o caminho seguido para aprovação, pelos dois órgãos, da construção de uma torre de 20 andares próxima ao Pátio dos Leões, no Centro, que também é tombado. Esse projeto, do qual fez parte, explica o professor, permitirá a restauração do pátio, que já abrigou faculdades da PUC. 

Ele observa que a proposta aprovada cumpre as normas de não comprometimento da visibilidade do bem tombado; que a edificação vise finalidades sociais, além daquelas de interesse do requerente; e de contribuição para o aperfeiçoamento da qualidade arquitetônica, bem como da paisagem urbana. 

A arquiteta Ana Villanueva, que também já foi membro do Condepacc, afirma que falta clareza na resolução de 2014 sobre o que pode ser feito no complexo ferroviário. Para ela, isso prejudica o desenvolvimento de projetos na área.

Em tombamento

A Secretaria Estadual de Cultura informou que os galpões do complexo das oficinas ferroviárias da antiga Companhia Mogiana encontram-se, desde 2018, em estudo de tombamento pelo Condephaat. De acordo com ela, “atualmente não há pedido de análise de intervenção para esse bem", mas ressalta que "qualquer intervenção em área protegida pela legislação de tombamento deve ser comunicada ao órgão para análise do Conselho".

A área que abrange os galpões em estudo de tombamento pelo órgão estadual são as oficinas situadas na Rua Luiz Donizetti Rovaris, que ficam em frente ao Terminal Metropolitano Prefeito Magalhães Teixeira. Na sexta-feira, a secretária municipal de Cultura, Alexandra Caprioli, disse desconhecer o estudo de tombamento em análise pelo Condephaat.

De acordo com ela, o município é normalmente informado quando o órgão estadual tem algum tombamento em estudo. O historiador Henrique Anunziata, da Coordenadoria Departamental de Patrimônio Cultural (CDPC), órgão da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, destaca a importância histórica do galpão da garagem de carros (vagões para transporte de passageiros). O prédio, construído entre 1954 e 1955, usou técnicas de construção consideradas inovadoras para a época. 

Além disso, “nesse galpão, foram construídos os carros usados na única linha férrea que se dirigia a Brasília em sua inauguração e que partia de Campinas. Abrir mão dele é jogar a história no lixo”, afirmou o historiador Henrique Anunziata.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por