Prefeitura cumpre decreto que requisita o Metropolitano e atuais donos devem contestar na Justiça
Funcionários do Hospital Metropolitano se concentram na entrada do prédio, após serem impedidos por guardas municipais de entrar no local para trabalhar na manhã de ontem (Kamá Ribeiro/ Correio Popular )
Com o aumento dos casos de contaminação e mortes por coronavírus, a Prefeitura de Campinas decidiu ontem retomar o uso do Hospital Metropolitano, localizado na Avenida das Amoreiras, próximo ao Hospital Mário Gatti. Um decreto publicado no Diário Oficial do Município determinou a requisição administrativa da unidade hospitalar privada. A medida é um procedimento rigoroso permitido em lei e adotado em casos de iminente perigo público. Com a elevação da taxa de ocupação de leitos de UTI na cidade que chegou a 90,69% nas redes pública e particular, a Prefeitura considerou estado de emergência e calamidade pública na última segunda-feira.
Por volta das 7h da manhã de ontem, representantes da Rede Mário Gatti, responsável pela administração dos hospitais municipais, chegaram ao Hospital Metropolitano com o decreto publicado no Diário Oficial para tomar posse da unidade. Embora autorizada em lei, o grupo Wakanda que assumiu o controle do hospital, repudiou a ação e classificou a atitude como uma "invasão" e informou que entrará com mandado de segurança, seguido de reintegração de posse. A direção do hospital alegou não ter sido avisada sobre a retomada.
A Prefeitura afirmou que tinha um laudo de vistoria que apontava que a unidade estava vazia, sem ninguém trabalhando, porém ao chegarem ao local para assumir o hospital, encontraram profissionais de manutenção realizando reparos dentro do prédio. Além desses, outros 40 funcionários, entre enfermeiros, técnicos de enfermagem, limpeza e segurança, que chegavam para trabalhar, também foram pegos de surpresa pela ação da Prefeitura.
A Guarda Municipal se posicionou na frente do prédio e impediu o acesso de funcionários do hospital que chegavam para trabalhar. "Bloquearam a entrada não conseguimos entrar, nem mesmo para pegar nossos pertences pessoais, usarmos o banheiro ou tomarmos água. Trabalho aqui há dois anos e há dois meses estou aqui todos os dias para ajudar a montar os leitos e a separar os medicamentos para reabrir o hospital. Chegar num ponto desse de nos proibirem de entrar no nosso local de trabalho é complicado", relatou o coordenador de enfermagem, Bruno Lino.
O Hospital Metropolitano enfrentava problemas com dívidas trabalhistas e sofreu intervenção da Prefeitura em março de 2020. Houve promessa de abertura de leitos, mas sem sucesso. Após uma decisão judicial que garantiu a destinação de verbas do Município para custeio de leitos covid, a unidade voltou a funcionar, respeitando o contrato firmado com a Secretaria de Saúde, para atender pacientes com covid-19 de 23 junho a 20 de novembro.
O custo da Prefeitura com o contrato com o Hospital Metropolitano, em 2020, foi de R$ 5,3 milhões, segundo dados da Pasta. No entanto, em janeiro de 2021, um novo grupo gestor comprou o hospital, assumiu a administração e a previsão era de voltar a funcionar na primeira quinzena de fevereiro.
O diretor clínico do grupo Wakanda, que assumiu o passivo do antigo Hospital Metropolitano, José Lucio de Souza, confirmou que a unidade enfrenta problemas jurídicos por conta das administrações anteriores e que apresentaram um plano de recuperação de investimentos. "Já foi feito um aporte dentro do hospital. Você não coloca 15 leitos de UTI do dia para a noite. Nós somos donos de fato e de direito do hospital e ele é particular. Desde quando assumimos, por muitas vezes tentamos contato com a Prefeitura para podermos abri-lo, mas nunca fomos atendidos".
José Lucio contou que ontem foi à Prefeitura para tentar conversar com o prefeito Dário Saad (Republicanos), mas que não foi atendido. Ele diz que a Vigilância Sanitária de Campinas esteve no hospital e que o órgão municipal autorizou a realização de atendimentos médicos. "A Vigilância Sanitária esteve aqui observando tudo e nos autorizou a realizarmos a parte de atendimento. Só falta a parte dos gases, que era a etapa final que nós estaríamos solucionando até quinta-feira, mas com essa invasão isso vai demorar pelo menos mais sete dias".
O diretor explicou o sentido do novo nome dado ao Hospital Metropolitano. "Denominamos o hospital de Wakanda pois ele tem um viés de atendimento à população afrodescendente, porque é inegável que essa etnia foi a mais atingida pela pandemia. Os negros são os que mais estão morrendo pela covid. Isso não quer dizer que não atenderemos o restante da população, apenas é um hospital voltado a esse público, com tratamento mais humanizado".
O engenheiro de produção mecânica do grupo Wakanda, especializado em engenharia clínica, Rodolfo More, também esteve no local e alertou que existem falhas estruturais que podem colocar os pacientes e profissionais do local em risco. "O hospital possui um vazamento grande na rede de oxigênio que nós estamos tentando sanar. Além de não permitir o tratamento adequado aos pacientes, principalmente os de covid, já que o próprio oxigênio é necessário para o atendimento, esse vazamento pode causar uma explosão. Qualquer ativação do hospital sem a finalização das obras é muito perigosa, por isso ainda não estava funcionando".