QUESTÃO SOCIAL

Imóvel sem uso provoca atuação do MP

Órgão instaurou procedimento preparatório para abertura de inquérito civil

Mariana Camba/ Correio Popular
15/04/2021 às 14:42.
Atualizado em 21/03/2022 às 22:26
Prédios descoupados há anos no Centro de Campinas: MP quer que imóveis cumpram função social (Ricardo Lima/ Correio Popular)

Prédios descoupados há anos no Centro de Campinas: MP quer que imóveis cumpram função social (Ricardo Lima/ Correio Popular)

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) instaurou procedimento preparatório de inquérito civil para apurar a omissão da Prefeitura de Campinas na identificação de imóveis privados subutilizados ou não utilizados. A falta de uso ou abandono da propriedade faz com que ela não cumpra a sua função social, conforme previsto no atual Plano Diretor Estratégico do Município. De acordo com o documento enviado pelo MP à Câmara e à Prefeitura, ações de reintegração de posse de glebas não ocupadas dentro do perímetro urbano, e até mesmo de edifícios acabados ou inacabados, confirmam a existência de propriedades que não atendem a sua função social no município, em desrespeito aos ditames da Constituição Federal.

No ofício encaminhado pelo Ministério Público, o órgão reitera que há em Campinas grande número de áreas ociosas, e que muitas delas não são ocupadas por motivos especulativos. "Isso pressiona a indevida e indesejada ampliação do perímetro urbano, que reduz a zona rural do município e contribui para a especulação imobiliária de imóveis rurais improdutivos. A ampliação injustificada do perímetro urbano é prejudicial ao sustentável desenvolvimento da cidade e provoca danos ambientais e urbanísticos, drenando ainda recursos públicos, já escassos, para a dotação da necessária infraestrutura urbana", sustenta o documento.

O vereador Gustavo Petta (PCdoB) informa que, desde 2018, tem registrado requerimentos solicitando que a Prefeitura solucione o problema dos vazios urbanos, mas recebeu apenas respostas vagas. Petta afirma que o poder público tem instrumentos para combater a especulação imobiliária, a desocupação ou subocupação de terrenos e imóveis vazios e de prédios abandonados, mas ainda assim nenhuma medida foi adotada pela Administração nos últimos anos.

"Esse é um problema sério. Se a cidade crescer e ampliar o seu perímetro urbano, teremos regiões ainda mais distantes. Isso torna o município mais caro, devido ao investimento necessário para levar estrutura básica até as regiões mais periféricas", explica o vereador. Petta ressalta que o problema fica ainda mais evidente em regiões de maior densidade demográfica.

Segundo o parlamentar, o déficit habitacional em Campinas é de 40 mil moradias. "Há regiões com demanda de moradias e com imóveis desocupados, como no Centro. A Prefeitura não utiliza os instrumentos que possibilitariam resolver esses dois problemas. Existem mecanismos para forçar o proprietário a tomar alguma providência, como o encarecimento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em caso de não cumprimento da função social do imóvel. A ação do MP representa uma oportunidade histórica de o município enfrentar interesses que não são legítimos e de desenvolver melhor a sociedade a partir do vazio urbano", ressalta o vereador.

Petta lembrou da antiga ocupação Mandela, que se instalou no Jardim Capivari e sofreu reintegração de posse em 2017. Segundo o vereador, a ação da Polícia foi hostil ao reaver o espaço privado. "Na época, o proprietário do terreno dizia que iria destinar a área para a habitação popular. As famílias foram retiradas e até hoje nada foi feito no espaço. Ele continua desocupado, sem uso e sem cumprir a sua função social. É um terreno imenso, que retrata o problema do vazio urbano.

Enquanto isso, há milhares de pessoas sem ter onde morar", afirma o vereador.

De acordo com o arquiteto e urbanista Ari Fernandes, faz parte da história de Campinas fazer "vista grossa" e ser omissa diante dos proprietários das áreas sem uso social. Segundo o especialista, há interesse do setor imobiliário em ampliar o máximo possível os limites urbanos do município e avançar sob a zona rural. "A Prefeitura, de certo modo, estimula a permanência do problema ao não fiscalizar o cumprimento do Estatuto da Cidade. Desta forma, a Administração permite a manutenção das áreas vazias e sem uso em meio às regiões consolidadas", pontua Fernandes.

O arquiteto lembra que o Jardim Satélite Íris começou a ser loteado em 1953. Até hoje, porém, há uma parte da gleba original que ainda não foi regularizada. Nos anos 50, acrescenta o especialista, Campinas aumentou duas vezes o seu tamanho em apenas uma década. "Para entender a proporção que os espaços ociosos tomaram no município, se fôssemos pensar em resolver o problema do déficit habitacional, não seria necessário aumentar a área urbana da cidade. Ainda sobraria espaço se utilizássemos os espaços não ocupados ou subocupados para atender às pessoas que não têm onde morar", assegura.

Fernandes esclarece que o Plano Diretor diz que o problema do déficit habitacional e da subutilização dos imóveis são questões sociais graves, e que a Prefeitura é obrigada a intervir, fiscalizar e buscar soluções para isso. "Essa determinação consta no atual Plano, assim como existia no Plano Diretor de 2006. Portanto, faz 15 anos que aguardamos o uso desses instrumentos, mas continuamos diante de uma Administração sem ação. Se algo tivesse sido feito a partir daquele momento, hoje teríamos cerca de 10, 15 mil imóveis a mais na cidade, que poderiam ter sido destinados para reduzir o déficit", concluiu o urbanista.

O Ministério Público afirmou que ainda aguarda algumas respostas da Prefeitura, diante do ofício encaminhado, que solicitou esclarecimentos iniciais. Em nota, a Prefeitura de Campinas informou que foi notificada da representação do MP, e que "o parecer" do município, após manifestação das secretarias envolvidas, será enviado diretamente ao órgão.

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