RELIGIÃO

Igreja prega inclusão e aceita homossexuais

Homossexuais e heterossexuais dividem o mesmo salão para ouvir as palavras das pastoras que são consideradas hoje as principais vozes em Campinas quando se trata de teologia de inclusão

Gustavo Abdel
05/07/2015 às 08:44.
Atualizado em 23/04/2022 às 08:50
As pastoras Aline Leão (ao fundo) e Paloma Sene (à direita), que são casadas, durante ritual de queima de cartas escritas pelos fiéis (Elcio Alves/ AAN)

As pastoras Aline Leão (ao fundo) e Paloma Sene (à direita), que são casadas, durante ritual de queima de cartas escritas pelos fiéis (Elcio Alves/ AAN)

“Seja diferente, seja exemplo de amor. Te acusaram? Te apedrejaram? Ame!” Gritou com tanta vontade de cima do palco a pastora Aline Leão, de 30 anos, que o grupo de 25 fiéis não desviava a atenção de suas palavras e murmurava exaltações a Deus. Era terça-feira, dia de estudo bíblico na igreja comunidade Cidade de Refúgio, no bairro Ponte Preta, e Aline já estava há quase 50 minutos discorrendo sobre as cartas que Paulo escreveu a Timóteo, sendo este com a missão de espalhar as normas cristãs por onde passava. Antes de Aline, sua esposa — isso mesmo, esposa — e também pastora Paloma Sene, de 34, conduziu a primeira parte do culto, que começa às 20h, com cânticos e também pregação. Homossexuais e heterossexuais dividem o mesmo salão, que fica no número 1.037 da Rua da Abolição. Vão até lá para ouvir as palavras das pastoras que são consideradas hoje as principais vozes em Campinas quando se trata de teologia de inclusão — termo que nasceu na década de 1960 nos Estados Unidos e chegou ao Brasil há pouco mais de dez anos. A igreja, que vai completar dois anos na cidade, agregou 60 membros e é considerada, depois da sede na Capital (com 600 fiéis), uma das maiores das sete que já existem no Brasil. A homoafetividade encontra naquele espaço, colorido com luzes azul e vermelha e um logotipo em formato de coração, um refúgio de oração e também de debates sobre homossexualidade. E até mesmo na missão de Timóteo à cidade de Éfeso, conforme ensinava naquela noite, a pastora Aline conseguiu encontrar na passagem relatos de preconceito, e trazê-los à realidade atual. “Precisamos de maturidade espiritual”, ensinava. “Temos uns três ou quatro versículos na Bíblia (Levíticos, Romanos e I Coríntios) que trazem alusão à questão da homoafetividade, mas que quando nós pegamos a Bíblia no original, no hebraico do Antigo Testamento e no grego do Novo Testamento, nós conseguimos entender e compreender o contexto da Bíblia. Ela tem que ser contextualizada e não lida literalmente, pois esse é o maior problema de hoje em dia”, disse Aline. Os cultos ocorrem às terças, quintas, sábados e domingos — quando geralmente mais de 80 pessoas comparecem. Sem preconceitoOs fiéis chegam de todas as partes da região, como Jaguariúna, Hortolândia, Paulínia, Santa Bárbara d’Oeste, Valinhos e até Capivari. A igreja chegou a Campinas inicialmente como uma “célula” de São Paulo. A diaconisa Tatiana Lisboa, de 29 anos, lembra que viajava para a Capital para assistir aos cultos. “Ia a todos os cultos, e como tinha um público de Campinas que frequentava decidiram abrir uma célula aqui”, conta Tatiana, casada com a diaconisa Leda, também de 29 anos. “Nos conhecemos na igreja”, diz. Inicialmente, a Cidade de Refúgio fazia seus cultos em salões de hotéis. E quando a gerência percebia que ali se pregava a teologia inclusiva, pedia para que os fiéis se retirassem. Isso ocorreu em três hotéis, até que conseguiram se instalar na sede na Ponte Preta. “Assim como a Bíblia foi citada para incitar o preconceito contras os negros, sendo que eles não podiam entrar nas igrejas, assim como foi incitado o preconceito contra as mulheres por elas serem consideradas seres sem almas, dizemos hoje que somos a bola da vez, aqueles que não podem servir a Deus por conta de nossa orientação sexual. Só que tudo o que Deus criou é bom, e Ele não faz acepção de pessoas”, acredita Aline. RespeitoA pastora Paloma Sene diz que os adeptos da teologia inclusiva respeitam a visão das igrejas tradicionais, porque teologias sempre “vão se bater”. “O que nós buscamos hoje é o respeito. A gente poder adorar e servir a Deus em santidade. Por que nós cremos e acreditamos que o pecado não está em nossa orientação sexual”, disse. “Jesus morreu por todos nós. Entendemos que a teologia inclusiva veio para mudar uma visão de algo que se criou pelos erros de interpretação e tradução de Bíblia”, concluiu Paloma. Casadas desde 2011, as pastoras acreditam que no Brasil a discussão sobre o enlace homossexual já está com uma visão consolidada, mas que com a recente decisão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos, de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o País, vai ajudar ainda mais a fortalecer a questão. A igreja em Campinas possui dez casais. Segundo as pastoras, foram “liberados” dois namoros após passar pelo menos três meses de oração. “Primeiro ora, para depois namorar, casar e fazer sexo. A Bíblia do hétero é igualzinha a nossa”, sorri a pastora Aline. De todos os membros, são três heterossexuais presentes.Para ficarJéssica Ribeiro dos Santos, de 24 anos, chegou na Cidade de Refúgio em janeiro, pela indicação de amigas. A bela voz serve para entoar os cânticos, ao lado de mais dois fiéis. Porém, seu dom estava apagado, segundo ela, porque sofria preconceito em uma igreja evangélica tradicional, que frequentava em Vinhedo. “É uma experiência incrível que estou vivendo. Eu tive uma vida cristã antes de conhecer a Cidade Refúgio e outra agora. Eu vivia de uma forma que me apontavam, excluíam. Eu tenho motivo de alegria, pois me sinto acolhida em uma família de verdade”, expôs Jéssica. “Infelizmente as pessoas misturam essa questão da nossa sexualidade com baixaria, o que não é verdade, pois trata-se de uma questão de caráter. Geralmente quem vem (para a igreja) fica”, diz.

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