SOCIEDADE

Idosos reforçam a aposentadoria com trabalho nas ruas

Muitos aposentados têm encontrado nos cruzamentos uma forma de complementar a renda

Rogério Verzignasse
rogerio@rac.com.br
21/09/2013 às 08:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 03:20

Izarino Francisco Dourado, de 76 anos, vende bala na Avenida Orosimbo Maia ( Gustavo Tilio/Especial para a AAN)

Morador de um bairro nas margens da estrada para Monte Mor, “seo” Izarino pula da cama quando nasce o sol. Toma o coletivo, desembarca em Campinas, passa o dia todo vendendo balas no Centro. Com o dinheirinho contado no fim do dia, ajuda a pagar as contas de casa. Ele seria apenas mais um entre tantos cidadãos que se viram nas ruas para ganhar a vida em uma cidade tomada por centenas de desempregados trabalhando nos semáforos não fosse um detalhe. Izarino Francisco Dourado, baiano de nascimento, tem 76 anos de idade. Aposentado, ganha um salário mínimo por mês. Para pagar as contas, precisa trabalhar, além de contar com a ajuda da esposa Floriza, que frita e vende salgadinhos pela vizinhança. Pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) revela que a Nação gasta nada menos que 12% de todo o seu Produto Interno Bruto (PIB) para fazer o pagamento de benefícios a mais de 20 milhões de aposentados. O Brasil está entre os 15 países do planeta que mais gastam com a Previdência Social, e as despesas crescem a cada dia. Mas um número muito pequeno de aposentados consegue viver dignamente com a renda. Quase sempre, o cidadão precisa da ajuda de parentes para pagar as próprias despesas e muitos procuram uma ocupação.Izarino é um exemplo clássico. Morador da roça na infância, ele veio até São Paulo para tentar uma vida melhor. Quando chegou, achou trabalho nos cafezais. Mas sofreu uma contusão grave na coluna, que o fez abandonar a enxada. Aposentado por invalidez, passou a contar com a pensão minguada da Previdência Social e nunca teve o luxo de abandonar o trabalho. “Ah, tenho uma dorzinha aqui, uma ali, mas a gente vai levando a vida. Estou vivo, animado para a luta”, fala.A reportagem o encontrou vendendo balas na esquina da Avenida Orosimbo Maia com a Rua Visconde de Taunay. Cada pacotinho custa R$ 1,00. Ele volta para casa no fim do dia, ou quando as balas acabam. “O povo me respeita muito. Os motoristas param, abaixam o vidro, fazem questão de me ajudar. Eu só tenho a agradecer”, diz. Longa esperaTambém estão nos semáforos senhores de cabelos brancos que trabalharam a vida toda, mas não conseguiram se aposentar. Caso de Ricardo Custódio, paulista de Tupã, que na mocidade cortava cana e colhia algodão. Ele se mudou para Hortolândia à procura por remuneração maior. Virou pedreiro e começou a amassar barro e assentar tijolos em obras tocadas pelo irmão, mestre de obras.Custódio se casou, descasou e nunca conseguiu se aposentar. “Entrei com os papéis, mas não andou”, diz. O drama é que ele, beirando os 60 anos, sempre trabalhou sem registro em carteira. Não tem tempo mínimo de contribuição para ter o benefício. Ele não teve filhos e hoje vive só a mãe, dona Alcina, de 80 anos. Mora em uma edícula no fundo da casa do próprio irmão e pelo menos não tem despesa com aluguel. Levanta um dinheirinho para pagar as contas vendendo gomas açucaradas, sempre na esquina da Rua Irmã Serafina com a Rua General Osório, no Centro.Do comecinho da manhã até o final da tarde, ele caminha por entre os carros e ônibus, e conhece todo mundo que circula por ali. A blusa é opaca, a calça é surrada. Mas Custódio não se abate. Volta para casa todo dia com a certeza de que trabalhou duro, e não precisou pedir esmola. “Isso não é vergonha para mim. É orgulho. Acho que eu nunca vou me aposentar. Mas eu tenho saúde para trabalhar e e isso me basta.”OrgulhoMarina Freitas Barbosa é simpática, saudável, extrovertida. Não aparenta a idade. Quem circula pela Avenida Francisco Glicério fica impressionado de saber que ela já tem 66 anos. A touca na cabeça a protege do sol. E ela passa o dia oferendo panfletos a motoristas. Tem o maior orgulho disso. Ganha R$ 40,00 por dia, e usa a renda para bancar os caprichos femininos: roupinha nova, um sapato.Ela não conta com aposentadoria. Até teve registro em carteira, quando foi faxineira em uma fábrica de fogões. Mas passou a maior parte da vida trabalhando como diarista. Nunca esperou ajuda do governo. E nem precisa disso. Mora em casa própria, com a filha casada e os três netos. Mas faz questão de ter seu próprio quarto e preparar a própria comida. É “independente” no piso inferior do sobradinho, na região do Parque Brasília.Marina só sai de casa para ir ao culto religioso, duas vezes por semana, e para distribuir panfletos no Centro. Leva, de casa, a marmitinha térmica com o almoço. “A gente vive para trabalhar e dar glória a Deus. Eu tenho saúde, disposição e não tinha motivo para ficar em casa. Às vezes, encontro motorista emburrado, que nem abaixa o vidro para pegar o panfleto. Mas nada tira minha alegria. Não vou parar tão cedo”, diz.Saiba maisA venda de produtos, a mendicância e as apresentações de artistas de rua nos semáforos são proibidas por lei em Campinas. A legislação foi aprovada em março do ano passado pela Câmara e sancionada no mês seguinte pelo então prefeito Pedro Serafim (PDT). O projeto que tramitou no Legislativo previa também o fim da distribuição de panfletos nos cruzamentos, mas esse item foi vetado. O veto foi derrubado pelos vereadores, mas um decreto publicado pelo Executivo em junho daquele ano liberou novamente a atividade.

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