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Idoso 'resgatado' reencontra amigos de condomínio

Grupo que conviveu com o ex-porteiro em condomínio levou presentes e carinho a seo Martini

Érica Araium
13/05/2013 às 05:30.
Atualizado em 25/04/2022 às 16:24
Martini recebe a visita dos amigos do condomínio onde trabalhou (Elcio Alves/AAN )

Martini recebe a visita dos amigos do condomínio onde trabalhou (Elcio Alves/AAN )

Ao acordar no último sábado (11), o porteiro aposentado Mário Martini, de 92 anos, declamou poesia, tal costumava fazer ao longo da vida e dos 24 anos em que atuou no Conjunto Residencial Jardim Europa, no Jardim São Bento, em Campinas, pouco antes do reecontro com amigos do antigo local de trabalho.

Devagarinho, o idoso que vivia em situação de abandono dentro da própria casa, na Vila Industrial, foi reconhecendo, ainda com dificuldade, um a um os parceiros de jornada que foram visitá-lo na Associação Franciscana de Assistência Social Coração de Maria (Afascom), entidade conveniada à Prefeitura, situada no Jardim Von Zuben. O local o acolhe desde a última quinta-feira.

Seo Mário ganhou “casa nova”, e por tempo indeterminado, depois de a situação em que vivia, isolado em um quintal, ter sido denunciada pelo Correio, ao longo da última semana.

O primeiro registro mostrava um homem sujo, debilitado, perambulando no quintal, sob o sol. No sábado (11), após ser “resgatado”, ele estava de roupas e sapatos novos, com cabelo e barba aparados e um sorriso no rosto.

Sob o mesmo Sol, mas aquecido também pelo calor humano. “É outra pessoa. Fico feliz de encontrá-lo animado e tranquilo. Muita gente quer visitá-lo, então vamos fazer um rodízio. Tenho certeza de que, aos poucos, ele vai se recuperar. Eu farei questão de vir ao menos uma vez por semana”, prometeu Eunice Ângela Sahyoun, síndica do condomínio em que Seo Mário trabalhou até se aposentar, em 2010.

Junto dela, foram ao abrigo o zelador Francisco Bento da Silva, o morador Emílio Piqueira e a filha, Camila, com quem seo Mário conviveu desde quando ela era um bebê.

“Quando você era criança eu tinha de mandar você ficar quieta, menina”, disse o idoso entre um abraço e um sorriso franco, imediatamente correspondido. O grupo levou roupas, aparelhos de barbear, frutas, as bolachas de que ele tanto gosta e ainda um chapéu, encomenda feita nos últimos dias. “Se não servisse eu daria um jeito de ajustar a cabeça no tamanho certo”, brincou ele.

“Eu li todas as reportagens e fiquei sensibilizado com a história dele, alguém invisível até então e que o Correio revelou. Logo pensei em quantos Mários devem haver por aí. Em quantos idosos estão esquecidos. O maior valor que alguém pode guardar consigo é o da solidariedade e a maior oferta, o carinho. Por isso quis muito conhecê-lo”, ponderou o engenheiro mecânico Ivo Ogata. Nas mãos, ele levava um jornal e o chapéu preto que fora do pai, falecido no ano passado, aos 93 anos, para doar ao novo amigo. “Que bom! Agora vou usar um chapéu de manhã e um à tarde”, disse seo Mário.

O tom sarrista permeoou as prosas longas daquele dia. Palmeirense, o ex-porteiro disse a Francisco que queria uma camisa do time, compromisso assumido pelo zelador, parceiro das antigas. “Sinto saudade da convivência dos últimos dez anos, das cantorias, de vê-lo tão cuidadoso com o bigode longo. Ele é muito querido.”

Amizade

O zelador contou que seo Mário tinha memória prodigiosa — agora exercitada com a leitura de jornais e as palavras cruzadas. Sabia os nomes e as placas dos carros de todos os moradores do prédio, gostava de ensinar matemática às crianças. Sempre foi solícito e afável.

Depois de se aposentar, ainda ia até o condomínio, sozinho, para rever as pessoas. “Ele saía sem documentos, o que acho absurdo, e escondido da esposa, que ele dizia ser brava. Quando ia à casa dele entregar a cesta básica, o via sempre dormindo no chão. Ele sempre foi muito reservado em relação à família. Mas, um dia, declarou que tinha de lavar as próprias roupas e que tinha uma irmã mais nova, que morava em Paulínia”, ponderou.

O morador Emílio também parecia aliviado. “Levei ele ao hospital várias vezes, são 18 anos de convivência e o tenho por amigo. Sete anos atrás, quando fui à casa dele, também para entregar a cesta básica, vi um colchão no chão entre duas camas, que soube serem do filho e da esposa, e não entendi o por que. Não pensei que a situação fosse chegar nesse ponto. Hoje sei que ele está amparado outra vez.”

Adaptação

Cacilda dos Santos, assistente social da Afascom e coordenadora do abrigo, revela que seo Mário chegou ao local bastante receoso e só aceitou tomar banho na sexta-feira, dia em se mostrou extremamente vaidoso. “Ele passou por exames, fará outros ao longo desta semana e parece bastante saudável. E, apesar de ter certa dificuldade para ouvir e falar, está absolutamente lúcido. É um homem bem humorado, apesar de todos os pesares da vida. Não se queixa, canta, adora ler e se alimenta muito bem. Foi um cuidador por excelência que agora merece ser cuidado.”

Além do porteiro aposentado, há outros dez homens, todos idosos, abrigados na entidade. Cacilda diz que fraldas geriátricas, roupas de inverno, alimentos, desodorantes e outros itens de higiene pessoal são sempre bem-vindos Mas ressalta que as visitas são mais importantes. “Uma dose de carinho, de atenção. É isso que essas pessoas precisam.”

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