Nelly Oliva é poetisa; entre seus versos, homenagens ao Lar São Vicente de Paulo, onde mora
“Em uma tão rica mansão, ao lado de uma igrejinha, um lindo cenário se destaca, a natureza que brilha. Árvores gigantescas, lindo quadro que nos seduz. São tantas riquezas naturais que nos falam de Jesus... Nestes jardins tão floridos, que não cansamos de olhar. São uma beleza divina, que tanto ouvimos falar.”Apenas com o ensino primário, Nelly Oliva, de 99 anos, escreveu esses versos para homenagear o Lar São Vicente de Paulo, onde mora com outras 25 idosas. Eles estão no livro de poesia Luz da Vida, lançado há um mês.A aposentada com a máquina de escrever que usa para elaborar seus versos: “A escola devia ter muito mais gente. Somos bem tratadas e assistidas. A professora é como se fosse uma irmã”, afirmaOs versinhos, entretanto, não ficam presos somente às páginas do livro ou do caderno que usa para escrever suas poesias nos momentos de inspiração. Esses e os outros que compõem Luz da Vida são declamados para as colegas de classe. Isso mesmo. Ao 99 anos, dona Nelly frequenta diariamente a sala de aula, das 8h às 10h30, no próprio espaço do Lar São Vicente de Paulo. A escola há dois anos já faz parte da rotina da aposentada. Faça sol ou chuva ela está lá. “Não falto nunca porque gosto e porque sei que a professora vai sentir a nossa falta se não viermos”, diz.Durante a infância ela cursou o ensino primário e apesar dos conselhos para que seguisse em frente, não teve oportunidade antes. “Todos me aconselharam a fazer o secundário porque tinha uma cabeça boa para aprender, mas nunca consegui”, afirma ela, que não precisa ser modesta. Poesias inteiras que declama na sala para as colegas estão guardadas na memória e dispensam a ajuda de qualquer tipo de cola. De uma família de oito irmãos, ela lembra que a prioridade de estudar era dos rapazes. “Éramos em cinco irmãos e três irmãs. A lei antes era que os homens estavam em primeiro lugar. As mulheres não”, conta.Mas como afirma a professora da Fundação Municipal para Educação Comunitária (Fumec) Yonara Santanna sempre é tempo de aprender. E é nessa máxima que Nelly e as outras dez alunas — a mais nova, Maria Pia Batista, tem 66 anos — se apegam. “A escola devia ter muito mais gente. Somos bem tratadas e bem assistidas. A professora é como se fosse uma irmã”, afirma Nelly. O desempenho e participação da turma é excelente, retribui a professora. “São interessadas em aprender, valorizam a escola e fazem questão de vir porque é um espaço que é direito delas”, diz Yonara.Nelly gosta de ler, escrever e na escola aprende um pouco de tudo. As lições, ou as atividades, são dadas de acordo com o desenvolvimento de cada aluna. “Vai desde o início da alfabetização até os ciclos mais avançados”, afirma Yonara. Maria Pia Batista, de 66 anos, frequenta a escola desde que entrou no Lar, há 3 meses, e está aprendendo a ler e escrever. “Já frequentei a escola antes até o 4 ano, mas só aqui estou aprendendo a ler melhor e fazer contas.” Durante toda a aula, Áurea Lourenço, de 80 anos, não desgrudou do livro de matemática.Egípcia, Victorine Ducrot, de 91 anos, veio em 1932 para o Brasil e trouxe na bagagem lembranças da guerra. Recorda-se de todos os detalhes, de sua chegada e dos anos que passou no Brasil. Na escola também é uma das alunas mais experientes. Ela conta que aprende um pouco de tudo e a sua memória continua a todo o vapor. O segredo para chegar aos 90 com tanta vitalidade ela conta. “Não ficar nervosa, não chorar, comer bem, dormir à tarde e se manter ativa”, conta. No Lar há oito anos, a professora Yonara conta que tem aprendido muito com a turma. “Além da troca de experiência, aqui tem a valorização da vivência e o respeito às diferenças”, completa.