Ouro Verde busca solução para pacientes que permanecem internados por não ter para onde ir
Maurício Valente colou reportagem do Correio que retrata sua história na parede do leito do hospital Ouro Verde, onde vive há 6 meses (Elcio Alves/AAN )
A direção do Complexo Hospitalar Ouro Verde, em Campinas, acionou o Ministério Público (MP) Estadual para dar um destino ao morador de rua Maurício Valente, de 68 anos, internado no local há seis meses. Com alta médica, apresentando problemas mentais e histórico de alcoolismo, ele não tem para onde ir. Único vínculo familiar do paciente, as duas irmãs que moram na cidade afirmaram não ter condições de cuidar dele. Uma esteve no hospital alegando que vive com outras 13 pessoas em uma mesma casa. A outra, localizada no distrito de Sousas por uma equipe da Prefeitura, não mostrou interesse em recebê-lo. O hospital tem outros cinco casos semelhantes de adultos que são obrigados a ficar no complexo — por abandono ou por serem sós — e todos foram denunciados na Justiça. De acordo com o Estatuto do Idoso, as famílias ou os governos omissos a esse tipo de problema podem ser processados criminalmente.
O artigo 98 do documento determina detenção de seis meses a três anos, além de multa, em caso de condenação do responsável. Valente foi um dos personagens da série Identidade Perdida, publicada no mês passado pelo Correio. Sem opção, ele passa os dias em sua cama, circulando pelos corredores ou chorando. Não há informações sobre qualquer outro parente que possa socorrê-lo.
O diretor-técnico do Ouro Verde, Gustavo Guth, confirma a busca de medidas judiciais para que o morador de rua tenha um local definitivo para ser encaminhado. “Ele não tem condições de viver sozinho, de se cuidar; não sabe nem onde está. Mas também não tem o que justifique o fato de ele ficar internado aqui. Vamos esperar uma resposta da Justiça para ver o encaminhamento que deve ser dado, mas sabemos que isso é demorado”, diz o diretor.
Ele lembra de outro idoso, identificado como João Duarte de Lima, que está há cinco meses no hospital, também com um futuro incerto. A direção aguarda a chegada de uma segunda via de seu documento de identidade, vinda de Goiás. Isso lhe dará condições de receber benefícios do governo federal e o dinheiro servirá para bancar a sua estadia em alguma casa de repouso. Enquanto isso, ele fica no hospital.
O Estatuto do Idoso diz que é dever da família, da comunidade e do Estado zelar pelo cumprimento dos direitos dessas pessoas. “Primeiramente é a família que deve ser responsabilizada, portanto, em todos esses casos (de denúncias de abandono) é preciso apurar se a família tem condições de cuidar, se há uma relação com o idoso”, afirma a promotora Cláudia Maria Beré, da Promotoria de Direitos Humanos da cidade de São Paulo, que atua há quatro anos na área do idoso. “Cada caso é um caso. Há uma série de circunstâncias. Se a família que tem condições de cuidar deixa um idoso no hospital, isso se configura um crime que está previsto no artigo 98 do Estatuto”, afirma.
Apuração
Quando não há família, o responsabilizado é o Estado. “Existem casos que você percebe que a família não tem condições. Muitas vezes, as pessoas são muito simples e o idoso precisa de cuidados muito específicos. Em outras situações, os parentes também são idosos e não conseguem cuidar do outro. É preciso fazer uma apuração e, por isso, o trâmite do processo não costuma ser rápido. Esse tempo varia de acordo com a estrutura que cada município tem para atender os casos”, diz a promotora. Ela informa que, na Capital, onde existem instituições de longa permanência conveniadas com a Prefeitura, o período médio de andamento do processo é de 90 dias. “O que já é muito. A pessoa fica em um hospital ocupando o leito”, critica Cláudia.
Questionada sobre a procura por ajuda, a promotora aponta que o abandono de idosos é comum, mas a reação a essa situação tem aparecido com mais frequência. “É difícil dizer se houve um aumento na questão do abandono do idoso ou se as pessoas descobriram a Promotoria para reclamar desse problema. É comum acontecer. Vemos que muitas dessas pessoas são absolutamente sós, não têm famílias”, diz.
Homem morre à espera de definição
Logo depois de dar entrada na internação do Complexo Hospitalar Ouro Verde em setembro do ano passado, um homem identificado como Gilmar César Moraes, de 49 anos, teve quase que imediatamente o seu caso relatado ao Ministério Público pela direção do hospital. Oito meses depois disso, ainda não há qualquer resposta oficial sobre o assunto. Moraes não precisa mais da atenção da Justiça. Ele morreu, no mesmo Ouro Verde, há 15 dias. As informações foram confirmadas pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Campinas.
Procurado pela reportagem, o promotor Valcir Kobori, apontado no MP como um dos responsáveis pelas questões envolvendo Direitos Humanos, apenas afirmou, por intermédio de uma funcionária, “não ter informações para repassar à reportagem” sobre os casos em que trabalha. Segundo ela, o promotor teria dito que estava com alguns casos em mãos, mas não detalhou quais seriam. “Ele disse que os casos chegaram recentemente, por isso, não há informações”, disse a funcionária.
O único caso confirmado por Kobori foi o de Elaine Cristina de Lima Arruda, justamente o mais antigo problema registrado no Ouro verde. Ela aguarda uma posição da Justiça sobre o seu destino desde junho de 2009. Enquanto isso, continua internada no hospital. Lá, ocupa um leito que poderia ser de outra pessoa em situação mais urgente. O caso mais recente é o de Maurício Valente, apresentado — pela segunda vez — na semana passada. Além deles, há outros quatro adultos na mesma situação. Edson Brás dos Santos já completou um ano de espera por uma resposta.
No papel
Uma parceria entre as secretarias de Cidadania, Assistência e Inclusão Social e de Saúde de Campinas pretende tirar do papel uma casa de apoio para esses “moradores” de hospitais. O projeto existe desde 2006, está orçado em R$ 3,5 milhões e deve ser instalado em um bairro da região Leste. Por questões internas, a Administração não divulga o local exato. Apesar disso, ainda não há um prazo para que as obras comecem e muito menos informações sobre quando as pessoas serão beneficiadas.
O problema envolvendo empreendimentos imobiliários embargados durante quase um ano no Parque Jambeiro pode ser, ironicamente, a solução para o assunto. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o MP, na pessoa do próprio promotor Kobori, e a construtora MRV determina que a empresa construa a casa como forma de acertar questões que ficaram pendentes com o Município no caso do Jambeiro e outros pontos da cidade.
Questionada recentemente sobre o compromisso com a Justiça, a empresa encaminhou uma nota oficial. “A MRV Engenharia irá cumprir, como sempre o fez, com as obrigações assumidas na assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público e a Prefeitura de Campinas em janeiro de 2012 e aguarda que as condições para a construção da casa-abrigo sejam disponibilizadas”, informa. A Prefeitura não informou qual é a atual situação desse projeto.