PARQUE DAS FIGUEIRAS

Horta comunitária muda a vida de mulheres em Valinhos

Trinta mulheres são protagonistas do projeto de sustentabilidade ambiental que também combate a vulnerabilidade social e a insegurança alimentar

Cibele Buoro/ [email protected]
10/12/2023 às 17:59.
Atualizado em 10/12/2023 às 17:59
Inicialmente um clube de mães, o projeto ganhou nova dimensão e ajudou a conscientizar ambientalmente suas integrantes, que passaram a plantar mudas de árvores frutíferas; até hoje, todas as 30 que iniciaram a horta comunitária permanecem como participantes (Rodrigo Zanotto)

Inicialmente um clube de mães, o projeto ganhou nova dimensão e ajudou a conscientizar ambientalmente suas integrantes, que passaram a plantar mudas de árvores frutíferas; até hoje, todas as 30 que iniciaram a horta comunitária permanecem como participantes (Rodrigo Zanotto)

As mãos que preparam a terra e colhem os frutos da Horta Comunitária Praça do Parque das Figueiras, no município de Valinhos, são de mulheres que deixaram para trás um cotidiano de violência doméstica, depressão, dificuldades financeiras e solidão. A história da horta comunitária começou em março de 2022, quando a responsável pela Coordenadoria Especial de Políticas para Mulher (CEPM), Marilene Santos, precisou conhecer as necessidades e demandas da população feminina que habita os arredores da praça do Parque das Figueiras. 

Era sabido por Marilene que casos de agressões às mulheres daquela comunidade, como também a ausência de serviços públicos e de políticas de assistência social, afetavam a qualidade de vida e o bem-estar de todas, mas elas não se manifestavam, não denunciavam e, o mais difícil, desconheciam seus direitos como cidadãs. Foi então que um projeto de sustentabilidade ambiental que pudesse envolver a comunidade e, principalmente, as mulheres, foi a aposta da coordenadora da CEPM. Inicialmente, Marilene convidou as moradoras dos bairros Jardim Figueira, União, Palmares I e II, de Valinhos, para formarem um clube de mães. Compareceram 30. Desde aquele convite, até hoje, nenhuma declinou ou desistiu. 

Do clube de mães para a Horta Comunitária Praça do Parque das Figueiras, um episódio foi determinante para despertar a consciência ambiental das 30 mulheres: a denúncia para a Prefeitura de Valinhos a respeito do descarte irregular de entulho e lixo na praça que leva o nome do projeto. 

Diante de uma área com potencial para melhorar a qualidade de vida de todos os moradores dos bairros que compartilham a praça, as 30 mulheres decidiram resgatar o local. Começaram trazendo mudas de árvores frutíferas de suas casas, como também de leguminosas, hortaliças e frutas. 

Quando contam sobre o projeto, mencionam o pé de figo plantado na praça do Parque das Figueiras, tido por elas como o símbolo de um grupo de mulheres que tiveram a oportunidade de ressignificar suas vidas sendo protagonistas de projeto de sustentabilidade ambiental. 

Além da limpeza e revitalização da praça (que tem o tamanho de quase seis quarteirões, na Rua Tereza Pogetti, esquina com a Rua Alfredo Honório), local em que muitas árvores foram plantadas, e continuam sendo, a ideia de iniciar uma horta comunitária foi o passo seguinte. Em um terreno doado pela Prefeitura de Valinhos, as mulheres começaram com um modesto plantio de verduras. Com o tempo, elas buscaram capacitação, conhecimento e agora colhem alface, rúcula, almeirão, cheiro-verde, couve, abóbora, cenoura, beterraba, rabanete, salsinha, cebolinha, orégano, manjericão, quiabo, jiló, pimentão, cebola, tomate, abobrinha, espinafre e coentro. A Horta Comunitária Praça do Parque das Figueiras já rendeu duas colheitas e todos os alimentos foram divididos entre as 30 participantes do projeto. 

Dessa forma, entre uma e outra colheita, Marilene tem conseguido, aos poucos, conquistar a confiança de todas e alertá-las sobre como agir em casos de violência doméstica. Antes da formação do grupo, Marilene conta que não conseguia com que as mulheres falassem de seus problemas domésticos. Entretanto, trabalhando no projeto de sustentabilidade elas passaram a receber informações sobre como procurar ajuda no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Delegacia de Defesa da Mulher e Comissão de Combate à Violência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Foi pondo em prática uma horta que eu consegui multiplicar informações sobre os direitos das mulheres”, explica Marilene.

Além da horta, que garante alimentos para as famílias das 30 mulheres, elas também ajudam umas às outras ensinando artesanato, como o fuxico (que são pequenos pedaços de tecidos coloridos costurados de modo que formem flores). O artesanato tem sido uma importante fonte de renda para as participantes do projeto de sustentabilidade Horta Comunitária Praça do Parque das Figueiras, segundo relata Marilene.

Ao participarem da plantação e da colheita da horta, além do cuidado com a praça, “as mulheres conseguem encontrar equilíbrio emocional, pois entre elas há também o cultivo de compreensão e ajuda mútua. Elas percebem que dentro do grupo há outras com problemas”, diz Marilene. 

SOMENTE O NECESSÁRIO

As noites na praça do Parque das Figueiras estão mais movimentadas desde que o entulho e o lixo foram recolhidos, há quase dois anos, e as famílias passaram a ocupar o local, conta uma das 30 mulheres participante do projeto de sustentabilidade, Roseli Mendes Pereira Caetano. 

Desde que se uniu às demais companheiras para reivindicar a limpeza da praça à Prefeitura, Roseli compartilha que sua autoestima se fortaleceu. O que ela mais aprecia na sustentabilidade de horta é a divisão da produção de acordo com a necessidade de cada uma, sem desperdício ou ganância. Segundo Marilene, a horta trouxe alívio a muitas pessoas que viviam em situação de vulnerabilidade alimentar. Na primeira colheita, um jantar para todas as participantes foi preparado somente com alimentos da horta. 

RENDA 

Desde que foi demitida do emprego de auxiliar de limpeza, Priscila Luciana Lima Cruz passou a integrar o grupo das 30. Ela conta que, além de manejar a horta, aprendeu crochê e outros artesanatos nos encontros que acontecem todas as quartas-feiras, a partir das 14h, na Igreja Nossa Senhora das Graças, localizada em frente à horta. Amamentando no peito seu filho de pouco mais de quatro meses, Priscila cita que se sentiu acolhida desde o primeiro encontro e hoje é conhecedora de seus direitos. 

A assessora da CEPM, Kleide Santos, avalia que o projeto de sustentabilidade que envolve a horta, a remoção do entulho e plantio de árvores da Praça Parque das Figueiras mobilizou as mulheres do local a ponto de se tornarem cidadãs conscientes. Em decorrência disso, hoje elas demandam mais políticas de assistência social.

RESGATE 

Um senhor prestativo e atencioso chama a atenção entre as mulheres que conversavam com a reportagem. Ele é Wilson Antonio Din, de 66 anos. Nascido no Paraná, trabalhou desde criança em cafezais e, por isso, acredita vir daí a sua habilidade no manejo de sementes e plantas. Sua história é de uma vida entregue ao álcool e às suas devastadoras consequências. Diagnosticado como alcoólatra, foi internado várias vezes em clínicas de recuperação. Há quatro anos resolveu abandonar de vez o vício quando soube que seu neto chorava e sentia sua falta em todas as vezes que era internado. 

Foi o projeto de sustentabilidade da Horta Comunitária Praça do Parque das Figueiras que resgatou Din do vício e promoveu sua ressocialização. Ele conta que se sente orgulhoso por contribuir com a sustentabilidade do bairro no qual mora, por plantar árvores e ser o braço direito das mulheres que comandam o projeto da horta. “Sou elogiado pelo que sei fazer e tenho orgulho de cuidar da horta.”

CONSCIÊNCIA

Antes, uma defensora do meio ambiente que cuidava dos netos. Agora, uma defensora ainda mais atuante e muito mais consciente. É dessa forma que se define Vanusa Martins da Silva Oliveira, moradora do bairro Jardim Figueira, em Valinhos, há mais de 30 anos. Ela conta que “evoluiu e aprendeu muito” desde que integrou o projeto da horta comunitária. Ela menciona que sempre teve preocupação com o meio ambiente, mas agora, com tudo o que aprendeu com o grupo, se sente mais encorajada a conscientizar outras pessoas e trazê-las para a causa ambiental. “Com a minha ajuda o bairro mudou, está melhor para se viver e por isso me sinto feliz”, conclui Vanusa.

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