EM INDAIATUBA

Homens recebiam R$ 0,50 por caixa de bebida adulterada

MPT instaurou inquérito para investigar possível caso de condição análoga à escravidão e tráfico de pessoas

Isadora Stentzler
31/03/2022 às 13:29.
Atualizado em 31/03/2022 às 13:29
Galpão com as caixas de bebidas falsificadas para a venda: ao menos dois suspeitos vão responder pelo crime (Diogo Zacarias)

Galpão com as caixas de bebidas falsificadas para a venda: ao menos dois suspeitos vão responder pelo crime (Diogo Zacarias)

A Polícia Militar (PM) resgatou 17 homens em condições análoga à escravidão na noite de anteontem (29), em Indaiatuba. Os trabalhadores estavam em um galpão, usado para adulteração de rótulos de cerveja, e recebiam R$ 0,50 por caixa concluída. O Ministério Público do Trabalho (MPT) já instaurou procedimento e investiga possibilidade de tráfico de pessoas.

A PM chegou até o local por meio de uma denúncia. O barracão, onde foram encontrados os trabalhadores, fica às margens da Rodovia José Boldrini, em um local rodeado por plantações de cana e poucas residências. Moradores de uma dessas casas teria denunciado o barulho vindo do espaço. Até então, se imaginava que o local estava abandonado.

Quando os policiais chegaram, encontraram o galpão fechado e entraram por uma abertura lateral, deparando com uma pessoa. O boletim de ocorrências não apontou o que foi conversado, mas, a partir disso, os agentes chegaram ao barracão, onde encontraram pilhas de caixas de cerveja de diversas marcas, adesivos adulterados e 17 homens em atividade.

Os policiais constataram que o local funcionava como um ponto de falsificação de bebidas. O esquema funcionava da seguinte forma: eram adquiridas bebidas de marcas mais baratas e trocado seus rótulos e tampas por outros de marcas de bebidas mais caras. Vários adesivos foram encontrados espalhados no espaço com os emblemas das marcas falsificadas.

Ao abordar os trabalhadores, descobriu-se que as condições de serviço também eram precárias. Segundo o boletim de ocorrências, eles recebiam R$ 0,50 por caixa de cerveja concluída e trabalham desde a manhã até à noite, muitas vezes sem intervalo. Eles ainda viviam em um alojamento e disseram que não tinham direito de sair, a não ser para o trabalho ou no caso de ocorrências médicas. Os colchões também ficavam no chão e os banheiros estavam em situação precária.

Nenhum dos trabalhadores era de São Paulo. Eles vieram das cidades de Gurupi, no Tocantins, a 1,4 mil quilômetros de Indaiatuba, Aragarças, em Goiás, a 1,1 mil quilômetros de distância, Umarizal, no Rio Grande do Norte, a 2,5 mil quilômetros do local onde foram resgatados, e de Goiânia, em Goiás, a 850 quilômetros.

Todos eles foram encaminhados ao Distrito Policial de Indaiatuba, ouvidos e liberados. Um deles permaneceu preso, porque respondia por tráfico de drogas, crime cometido em outro estado.

Além dele, dois homens que estavam no galpão prestaram depoimento na Delegacia de Indaiatuba e vão responder por crimes contra a saúde pública. Um deles era o responsável pelo transporte dos trabalhadores e o outro, fazia a entrega de bebidas.

Os veículos do local foram apreendidos e galpão lacrado pela fiscalização. A polícia investiga o caso, tanto pela falsificação dos rótulos das bebidas quanto pelas condições de trabalho em que foi encontrado o grupo, com fortes características de trabalho análogo à escravidão.

O MPT também instaurou procedimento e apura os fatos, junto à suspeita de tráfico de pessoas, já que nenhum dos trabalhadores era da região e eles teriam vindo para cá apenas para a atividade de falsificação de bebidas.

“Tem um crime que anda casado com o crime de trabalho análogo à escravidão que é o tráfico de pessoas. Ou seja: se você traz essa pessoa prevendo que fará o uso dela como mão de obra análoga à escravidão, se você já sabe que não pagará, que não irá registrar, que a alojará em qualquer lugar, você já tem outro delito. E isso é para quem traz a mão de obra e para quem a aloja. A pena, nesses casos, vai de quatro a oito anos. É uma situação bem grave”, aponta o procurador do Trabalho Marcus Vinicius Gonçalves, que também é coordenador regional da Coordenadoria de Erradicação ao Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT.

Cresce o número de casos

Segundo o Ministério Público do Trabalho, na área que compreende a Região Metropolitana de Campinas (RMC), mais as regiões de Piracicaba e Jundiaí, foram recebidas 27 denúncias sobre trabalho escravo em 2019.

Em 2020, o número subiu para 41, e, no ano passado, foi para 45. Já em toda a 15ª Região, que abrange 599 municípios do interior de São Paulo e do litoral Norte, foram 95 denúncias em 2019, 83 em 2020 e 129 em 2021.

Em procedimentos na 15ª Região do Tribunal Regional do Trabalho, o número de ocorrências também subiu: foram 118 processos em 2019, 113 em 2020 e 164 em 2021. Só no município de Campinas houve seis processos ajuizados. Cada caso representando uma única pessoa.

O desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, que é presidente do Comitê Regional para Erradicação do Trabalho Escravo Contemporâneo, do Tráfico de Pessoas, da Discriminação de Gênero, Raça, Etnia e Promoção de Igualdade, avalia com preocupação esses números.

“O ideal seria que não tivéssemos nenhum. Então, considero que são números altos, visto que é muito grave essa condição de trabalho análogo à escravidão. Se você tem 164 processos, você tem 164 problemas, são 164 pessoas exploradas. Dentro desses processos está descrita a questão da jornada extenuante, muitas vezes com apenas intervalo de uma hora entre 6h e 22h. Então... é complicado...”, pontuou.

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