Especialista chama a atenção para o impacto das motocicletas na segurança viária
Entre 1º de outubro de 2023 e 30 de setembro deste ano, 77 pedestres perderam a vida em atropelamentos na Região Metropolitana de Campinas (RMC) (Rodrigo Zanotto)
Um cenário preocupante se desenhou na Região Metropolitana de Campinas (RMC) entre 1º de outubro de 2023 e 30 de setembro deste ano, quando 410 vidas foram perdidas em acidentes de trânsito. O perfil das vítimas revela uma predominância masculina alarmante, com 352 homens (86%) entre os falecidos. As motocicletas estiveram envolvidas na maior parte das tragédias, respondendo por 177 óbitos (43%), enquanto acidentes com pedestres resultaram em 77 mortes (19%) e colisões com automóveis vitimaram 58 pessoas (14%).
A juventude foi especialmente impactada por essa realidade, com a faixa etária de 20 a 24 anos registrando o maior número de perdas: 55 vítimas (13%), distribuídas entre homens e mulheres. Entre as categorias de vítimas, destaca-se que mais de dois terços dos óbitos - precisamente 269 casos (65,6%) - eram condutores dos veículos envolvidos nos acidentes.
As rodovias estaduais emergiram como os locais mais letais, concentrando 214 ocorrências fatais (52,2%). Um padrão temporal também se evidenciou, com as noites de sexta-feira apresentando o maior índice de fatalidades: 35 mortes (8,5%). Esses dados, compilados pelo Infosiga, sistema do Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo (Detran-SP), permitem um mapeamento detalhado das ocorrências e suas características.
Na distribuição geográfica das fatalidades, Campinas, como principal cidade da RMC, concentrou 160 óbitos, representando mais de 39% do total. A seguir, completam o quadro das cidades mais afetadas: Indaiatuba com 29 mortes, Sumaré com 28, Americana registrando 25 óbitos e Hortolândia contabilizando 24 falecimentos.
MOTOCICLISTAS
Na avaliação do CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária, Paulo Guimarães, é necessário ressaltar a questão envolvendo os motociclistas. Segundo o especialista, sem detalhar os dados, houve um aumento muito maior na frota desse tipo de veículo nos últimos dez anos em todo o Brasil em relação à quantidade de novos carros. "Isso se deve por alguns motivos. O crescimento do serviço de entrega é um deles. É um componente a ser considerado, mas existem outros dois fatores. Principalmente no período pós-pandemia, houve uma migração da matriz modal do transporte público para a motocicleta. Então não foi só o serviço de entregas que cresceu, mas também o número de deslocamentos por motocicleta em detrimento ao deslocamento por transporte coletivo. Ou seja, existe mais incidência, com mais exposição, com mais viagens acontecendo com motos", comentou.
Paulo Guimarães opinou também que existe uma agressividade geral no trânsito brasileiro. De acordo com o CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária, os psicólogos apontam que as pessoas estão ficando mais ansiosas e agressivas, refletindo em suas atitudes nas ruas, avenidas e estradas em todo o território nacional. "E uma das formas que isso se traduz no trânsito é no formato de infrações gravíssimas, seja por excesso de velocidade, avanço no sinal vermelho, então você tem aquelas infrações que têm a agressividade como ponto principal. E o excesso de velocidade, eu acho que seria o principal desses fatores. Então o que a gente tem observado também é que em muitas mortes de motociclistas, a causa não foi o comportamento da vítima, mas pelo comportamento do outro condutor."
Por fim, o especialista discorreu da necessidade da sociedade de uma forma geral zelar mais pela segurança no trânsito, em especial dos mais vulneráveis. "As pessoas, independente do comportamento do motociclista, seja quem dirige um carro, quem dirige um ônibus, quem dirige os veículos maiores, têm a obrigação de cuidar e zelar pela segurança desses usuários mais vulneráveis. São os motociclistas e pedestres as principais vítimas apontadas na estatística", concluiu.
LÍDER
No período entre outubro do ano passado e setembro de 2024, a situação em Campinas reflete a tendência observada na região como um todo. A maior parte das vítimas fatais em acidentes de trânsito na cidade é de homens, totalizando 138 pessoas (86%). Entre os tipos de acidentes, os envolvendo motocicletas foram os mais frequentes, com 70 casos (44%), seguidos por 37 pedestres (23%) e 23 automóveis (14%). A faixa etária de 20 a 24 anos apresentou a maior incidência de óbitos, com 23 registros (14%). Analisando os tipos de vítimas, os condutores de veículos foram os mais afetados, com 91 mortes (56,9%). Já a maior parte dos acidentes com mortes aconteceu nas rodovias sob jurisdição do Estado, com 82 registros (51,2%). E a maioria das ocorrências foi nas noites de sexta-feira, com 13 mortes (8%).
Douglas Tiago Pereira quase entrou nessa estatística. Ele trabalha como entregador em Campinas, utilizando motocicleta há 7 anos. O profissional contou que sofreu dois acidentes durante esse período, sendo que em um deles quebrou o punho direito em uma queda no Jardim Campos Elíseos. O outro ocorreu quando estava acessando a Avenida Prestes Maia, vindo da Rodovia Anhanguera. Na ocasião ele foi fechado por outro veículo, caindo na sequência e fraturando uma clavícula. "Na época eu ainda era registrado em uma vaga como CLT, em paralelo com o serviço de moto. Daí fiquei afastado pelo INSS, mas se fosse agora que eu só trabalho como motociclista, eu teria um prejuízo muito além do financeiro com o veículo quebrado. Teria de ficar parado um tempo e teria perdas com as entregas que eu não poderia fazer", contou.
Colega de profissão de Douglas Tiago Pereira, o também entregador Nicolas Matarazzo contou que a falta de educação no trânsito causa acidentes como os sofridos por ele e por tantos outros profissionais que utilizam motocicletas no dia a dia. Integrantes da categoria costumam se encontrar perto do Balão do Castelo, onde Pereira e Matarazzo conversaram com a reportagem. "Os motoristas dos veículos maiores deveriam ter mais atenção com os menores e com os pedestres. Hoje poucos se respeitam no trânsito."
Crítico da displicência no trânsito por parte de alguns motoristas, o taxista Luís da Silva, que possui um ponto próximo ao Largo do Rosário e trabalhador do setor desde 1996, afirmou que é necessária uma cobrança maior das autoridades para que as leis de trânsito no Brasil sejam mais respeitadas. "O curso de direção defensiva deveria ser obrigatório para todos os motoristas, inclusive para aqueles que não dirigem profissionalmente", sugeriu.
RESPOSTAS
Segundo a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec), as ações preventivas realizadas por ela vêm se concentrando nos motociclistas e pedestres, com quedas nos índices de mortes. "Entre janeiro e agosto deste ano, houve queda de 21% nos óbitos, comparando com o mesmo período de 2023 (15 neste ano contra 19 no ano passado). Importante destacar que a velocidade excessiva ou inadequada e a combinação entre álcool e direção permanecem entre os principais fatores de risco identificados entre os casos fatais analisados", informou, via nota.
A Emdec também contou que desde o lançamento do Plano de Segurança Viária (PSV), no início deste ano, as seguintes ações preventivas estabelecidas foram realizadas: obras de geometria em vias urbanas e locais identificados como mais perigosos, sinalização e priorização da circulação de pedestres nos corredores John Boyd Dunlop e Ruy Rodriguez; inspeções no corredor Amoreiras; ampliação da malha cicloviária (que alcançou quase 116 km); o lançamento da campanha Desacelera, que alerta para as consequências do excesso de velocidade, entre outras ações.
Já o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo divulgou que trabalha para aumentar a segurança viária no Estado, por meio da educação da população, fiscalização e criação de políticas públicas. Ainda segundo o Detran-SP, para a efetiva redução de sinistros e óbitos no trânsito, é fundamental a participação de cada cidadão - seja ele pedestre, ciclista, motociclista ou motorista - na observação à legislação e priorização da vida nas vias paulistas. "Além disso, desde o início de 2023, foram realizadas 15 campanhas educativas pelo Detran-SP. Uma das mais recentes é sobre o respeito à faixa de pedestres e à maior civilidade na convivência nas ruas. Outro ponto importante é o desenvolvimento do Sistran - Sistema Estadual de Trânsito, para fomentar a organização do trânsito e as iniciativas de segurança viária nos municípios", finalizou.