entre versos e revolução

Historiador resgata saga de Guilherme de Almeida

Jornalista, advogado, crítico de cinema, heraldista, tradutor. Mas foi como escritor que o campineiro Guilherme de Almeida fez história

Rogério Verzignasse
20/05/2018 às 14:36.
Atualizado em 22/04/2022 às 03:27
O bebê Guilherme aparece no colo da avó, dona Guilhermina de Andrade Monteiro, em foto histórica de 1890 doada ao historiador (Leandro Torres)

O bebê Guilherme aparece no colo da avó, dona Guilhermina de Andrade Monteiro, em foto histórica de 1890 doada ao historiador (Leandro Torres)

Jornalista, advogado, crítico de cinema, heraldista, tradutor. Mas foi como escritor que o campineiro Guilherme de Almeida fez história: prosas, poesias, roteiros teatrais, literatura infantil. Ele foi um dos organizadores da revolucionária Semana de Arte Moderna de 1922, e produziu textos que encantavam por seus processos rímicos, rítmicos e verbais. No verso livre, ele explorou os todos os recursos da língua portuguesa e se tornou uma referência. Pouca gente sabe, no entanto, que o cidadão — artista reconhecido — precisou receber ajuda para viver com dignidade no fim da vida. O historiador Jorge Alves de Lima — conhecido pelas obras que resgatam a trajetória do maestro Carlos Gomes — agora também se debruça na saga do poeta, ícone da cultura nacional. E a garimpagem de informações começou a todo vapor. Vasculhando bibliotecas públicas e arquivos particulares, Jorge descobriu documentos e fotografias que remetem a um episódio tão inusitado quanto desconhecido. As imagens mostram o prefeito Ruy Novaes assinando em 1968 um termo administrativo que garantiu, ao poeta, o pagamento de uma pensão simbólica. Na ocasião, enfrentando uma situação financeira bem difícil, a ajuda serviu como uma espécie de agradecimento dos campineiros à carreira brilhante daquele mestre. Foi uma homenagem sugerida, na época, pelo oficial do Exército Rodolpho Pettená, que ficou muito conhecido na cidade como dirigente da Ponte Preta e do Círculo Militar de Campinas. Além de estar pessoalmente envolvido na promoção de eventos culturais, o coronel era casado com a poetiza Arita (ex-vereadora), fã ardorosa de Guilherme. E o evento, apurou Jorge, teve todo apoio do Correio Popular. O dono do jornal na época, Sylvino de Godoy, e sua mulher, Carmela de Vita Godoy (avós do atual diretor-presidente do Grupo RAC), aparecem ao lado do poeta e do prefeito, no evento de assinatura do termo. Guilherme de Almeida morreria oito meses depois, aos 78 anos, o que hoje torna o acervo de fotos ainda mais precioso. “Eu faço questão de celebrar a memória do poeta porque os campineiros das novas gerações não têm noção de como ele foi importante, emblemático”, afirma o historiador. No sangue Para Jorge Alves de Lima, a admiração por Guilherme de Almeida também tem razões genéticas. Ele conseguiu, por exemplo, a doação de um retrato histórico, de 1890, onde o bebê Guilherme aparece no colo da avó, dona Guilhermina de Andrade Monteiro. O detalhe é que aquela senhora também era a avó de Escolástica de Andrade Lima (prima-irmã do poeta), que por sua vez foi a avó do historiador. Jorge se diverte — e se orgulha — olhando os ramos da própria árvore genealógica. Mas a relação de Escolástica e Guilherme não se limitava ao parentesco. Nas primeiras décadas do século 20, na adolescência e na mocidade, os dois foram muito ligados, quase confidentes. “O poeta reclama com ela de ter de obedecer normas e métricas literárias, e confessava ter inspiração para rimas livres, que tinham como única regra o coração”, diz Jorge. Arma em punho Uma particularidade histórica sobre o poeta é que, apesar de sensível, ele também tinha hora para ser carrancudo e empunhar armas. Ele foi combatente na Revolução Constitucionalista de 1932, e acabou exilado em Portugal após o fim do conflito. Sua obra maior de amor a São Paulo foi o poema Nossa Bandeira, além do Hino dos Bandeirantes, oficializado mais tarde como Hino do Estado de São Paulo. Também de autoria de Guilherme de Almeida a letra da Canção do Expedicionário, que se refere à participação dos pracinhas brasileiros na 2ª Guerra Mundial. Música que todo soldado do quartel sabe de cor e salteada: “Você sabe de onde eu venho/ Venho do morro do engenho/ das selvas, dos cafezais…/ Por mais terras que eu percorra; Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá…” Pesquisa inclui crime cometido no século 19 A pesquisa do historiador Jorge Alves de Lima sobre a carreira de Guilherme de Almeida já coletou, em detalhes, os capítulos de um episódio horrendo que marcou a Campinas do século 19, e que teve entre seus protagonistas o promotor público Estevam de Araújo Almeida, pai do poeta. Foi ele quem desvendou um caso policial comentado no País todo: o assassinato de um comerciante de escravos, na década de 1880. A vítima, Manuel Antônio Vitorino de Menezes, estava em Campinas para receber uma dívida vultuosa, milionária, e acabou desaparecendo no dia em que embarcaria de volta para Santos. As buscas policiais encontraram o cadáver enterrado na latrina do quintal onde morava e trabalhava um gerente de banco, José Almeida Pinto Júnior, que cometera o crime para ficar com o dinheiro do correntista. O imóvel ficava bem ali, na atual esquina das avenidas Dr. Campos Sales e Fancisco Glicério.       VOCÊ SABIA? Guilherme de Almeida foi o primeiro modernista a entrar para a Academia Brasileira de Letras, em 1930. Em 1958, ele ganhou o título de “Principe dos Poetas Brasileiros”. O próprio Manoel Bandeira, ícone do movimento modernista, se referia a Guilherme como um “artista do verso”, e o maior do gênero na língua portuguesa. O envolvimento apaixonado do escritor com a causa constitucionalista lhe rendeu outra grande homenagem. Depois da sua morte, em 1969, seu corpo foi sepultado no Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no Parque do Ibirapuera.

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