código penal

Grupo defende inclusão de violência psicológica

Considerada grave por advogados, integrantes de movimentos feministas e delegados, a violência psicológica não entra nas estatísticas criminais

Alenita Ramirez
alenita.jesus@rac.com.br
26/11/2017 às 22:31.
Atualizado em 23/04/2022 às 00:39

Grupo defende inclusão de violência psicológica (Divulgação)

Vadia. Essa palavra foi o gatilho para que Mari se libertasse da vida de restrições que levava junto do marido, um técnico em telefonia com quem vivia há 24 anos. O homem passava a maior parte do ano viajando a trabalho, enquanto ela cuidava da casa e dos três filhos do casal. Para tanto, deixou a faculdade, o trabalho, os amigos. Tinha uma vida com certo luxo, mas não vivia. As agressões, diz, começaram quando passou a exigir os direitos de ser livre. “Meu marido era um agressor sutil, não era cruel. Demonstrava que gostava de mim, que tinha muito cuidado, mas me privava de tudo. Com jeitinho, não me deixava ir ao supermercado, ir lanchar até mesmo com ele. Chegou um momento em que eu já não podia comprar uma panela, uma louça, um pano de prato, coisas básicas de casa. Nossa relação não era prazerosa, mas mecânica. Fazíamos sexo para suprir as necessidades dele. Eu era a empregada doméstica, a escrava, a babá. Eu não tinha roupa, não tinha nada. Vivia uma prisão”, contou. Há dois anos, as discussões se transformaram em agressões físicas. E há dez meses Mari decidiu dar uma basta na situação. Cansada, um dia não lavou a louça. Foi o estopim. O marido não admitiu ver que a mulher não tinha feito o “dever de casa” e a ofendeu. “Foi um choque. Ele nunca tinha me xingado. Eu sempre me dediquei à casa, a ele, aos filhos e ouvir a palavra 'vadia' foi o fim. Me deixou boba, desnorteada. Quando me retomei, não tive dúvidas: pediria o divórcio. Busquei ajuda, saí para a rua e conheci pessoas engajadas que orientaram sobre a Lei Maria da Penha. Vi que estava cega”, lembra. O casal viveu separado de corpos mas debaixo do mesmo teto por um ano. O divórcio saiu no dia 9 do mês passado e agora a mulher tenta recomeçar a vida ao lado do filho caçula, de 11 anos. Mari é apenas uma entre as centenas de mulheres vítimas de violência psicológica, uma forma de violência doméstica e familiar que consta na Lei Maria da Penha mas ainda não é custodiada pelo Estado — ou seja, não há no Código Penal pena específica para uma ação correspondente a esse tipo de violência. Considerada grave por advogados, integrantes de movimentos feministas e delegados, a violência psicológica não entra nas estatísticas criminais. Juridicamente, é inserida na área civil. Uma mulher que é caluniada ou difamada pelo marido até pode registrar boletim de ocorrência para resguardo, mas se quiser processar ou afastar o agressor do lar tem de contratar um advogado particular e provar por meio de exames e laudos. “A calúnia, a difamação e a injúria são crimes pequenos, que ensejam medidas de indenização, mas não se referem a violência doméstica. A violência psicológica causa depressão, síndrome do pânico e pode levar ao suicídio, embora este último não seja crime. Os delegados ficam de mãos atadas ao se deparar com casos desse tipo de violência. Se colocar como lesão corporal por conta das consequências, tem que provar que a conduta do autor causou dano físico”, informou a primeira delegada da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Campinas, Teresinha de Carvalho, aposentada, hoje assessora técnica da Secretaria Municipal de Segurança Pública. Segundo ela, a violência psicológica é um crime que, se for recorrente por um período prolongado, pode provocar danos emocionais. Mesmo assim, poucas mulheres buscam ajuda. “É diferente uma pessoa na rua te chamar de gorda. Em casa, isso afeta. Há maridos que chamam suas mulheres de burra, feia, gorda, infeliz, vagabunda, bruxa, venenosa, louca, e eles sabem que nada vai acontecer. Eles sabem que se bater vai deixar marcas visíveis, ao compasso que a humilhação não”, disse. De acordo com especialistas em Direito, o termo “vadia” é considerado ofensa à honra de uma pessoa, e na elaboração do boletim de ocorrência ele pode ser tipificado como calúnia, difamação, injúria, ameaça ou constrangimento ilegal. Do ponto de vista criminal, essas referências são consideradas de menor gravidade, sem tanta importância como o caso da violência física, que se enquadra em lesão corporal, crime que vai de leve a gravíssimo, chegando ao homicídio, vigentes no Código Penal. Para a advogada criminalista e professora de Direito Penal da Universidade São Francisco (USF) de Campinas, Adelaide Albergaria, para que seja dada eficácia à violência psicológica é preciso que a sociedade se conscientize de sua gravidade e pressione os legisladores. “A Lei Maria da Penha (11.340/06) faz parte das leis especiais que foram incluídas em nosso Código Penal, elaborado em 1940. Para que a violência psicológica tenha punição e seja vista como violência mesmo, é necessário que a sociedade primeiro a veja como crime e depois organize movimentos que lutem pela mudança. A mulher se acostumou a ser humilhada, mas não pode aceitar isso. Maria da Penha fez um abaixo-assinado e lutou para que a violência doméstica fosse vista como crime”, disse. Dados do Sistema de Notificação de Violência em Campinas (Sisnov) referente ao primeiro semestre de 2017 mostram que as notificações de agressões contra mulheres adultas subiram 23,7% em relação ao mesmo período do ano passado – passaram de 329 para 407. A violência física ocupa o primeiro lugar, seguida de suicídio, violência sexual, psicológica, negligência e outros. “O suicídio apareceu pela primeira vez nas nossas estatísticas e isso nos preocupou pois é o reflexo da violência psicológica. Para chegar a esse ponto, a mulher se vê sem saída, sem forças para romper o ciclo de violência e acredita que o suicídio é uma alternativa para fugir da dor”, analisou a coordenadora do Centro de Referência e Apoio à Mulher de Campinas (Ceamo), Elza Montali. Ação oferece atendimento e orientação jurídica Para marcar o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher, lembrado em 25 de novembro, a Coordenadoria da Mulher e do Centro de Referência e Apoio à Mulher (Ceamo) de Campinas, pela Rede da Mulher, promove desde sexta-feira a campanha 16 Dias de Ativismo Pelo Fim da Violência Contra a Mulher. Na abertura, na Praça Rui Barbosa, no Centro, houve atendimentos psicossociais e orientações jurídicas. A ação organizada pela Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Cidadania tinha como objetivo promover o debate e denunciar as muitas formas de violência contra a mulher. “Diante dos casos crescentes de violência contra as mulheres, é preciso dar visibilidade aos nossos serviços e à rede de proteção para que elas possam se prevenir e romper o ciclo de violência doméstica, por mais difícil que seja”, disse a secretária municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Cidadania, Eliane Jocelaine Pereira. Para ela, é essencial vencer as desigualdades de gênero, uma vez que isso fomenta a violência praticada contra as mulheres. “Temos que refletir sobre as formas de se alcançar a igualdade entre homens e mulheres na sociedade. Esses dias de ativismo trazem a possibilidade de despertar as pessoas para a mudança e transformar padrões”, afirmou. A ação teve apoio da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Campinas, que deram orientações jurídicas às participantes. Também houve atrações musicais como a banda da Polícia Militar, o coral do Tênis Clube e o grupo de hip hop Fierce Dance, além de peça sobre o tema do evento encenada pelo grupo de teatro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O mutirão da Ceamo integra uma campanha mundial criada em 1991 por mulheres de vários países reunidas pelo Centro de Liderança Global de Mulheres (Center for Women’s Global Leadership – CWGL).

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por