Categoria cruzou os braços cobrando o pagamento integral do piso nacional
Luzia Delvas, 53 anos, acompanhava a mãe Celci Aguiar, de 83 anos, que utiliza cadeira de rodas, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Campo Grande; Delvas confirmou a legitimidade da greve e expressou apoio à causa dos profissionais de enfermagem, apesar da espera de 40 minutos pelo atendimento (Kamá Ribeiro)
Os profissionais de Enfermagem da rede municipal de Campinas iniciaram na terça-feira (17) uma greve em busca do pagamento integral do Piso Nacional da Enfermagem. De acordo com a Prefeitura, a transferência dos recursos às empresas terceirizadas será concluída até sexta-feira, dia 20, e a demora foi justificada com base na "necessidade de cumprir exigências de ordem jurídica". A categoria afirma que a greve persistirá até que a diferença seja completamente quitada.
A paralisação envolveu servidores das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) São José, Campo Grande, Anchieta, Carlos Lourenço, além dos hospitais Mario Gatti, Mario Gattinho e Ouro Verde. Em cada um desses locais, 30% do quadro de funcionários continuou trabalhando para mitigar impactos nos atendimentos aos pacientes.
A equipe de reportagem visitou três dessas unidades, e apenas duas pessoas entrevistadas manifestaram insatisfação com a demora no atendimento decorrente da paralisação.
Luzia Delvas, 53 anos, acompanhava a mãe Celci Aguiar, de 83 anos, que utiliza cadeira de rodas. Ela relatou uma espera de 40 minutos pelo atendimento, considerando isso incompatível com a prioridade que a mãe deveria receber devido à idade avançada. No entanto, Delvas confirmou a legitimidade da greve e expressou apoio à causa.
A mesma situação foi observada na UPA São José. Tainá Lima da Silva, residente no Campo Belo, enfrentou um mal-estar na terça-feira. Ao ser abordada pela reportagem, ela relatou que aguardava há uma hora com a senha, esperando passar pela recepção para, então, seguir para a triagem e receber atendimento médico. Em relação à paralisação, afirmou: "Apoiar a gente apoia, mas causa alguns transtornos para nós".
Os profissionais se reuniram ao longo do dia em frente às unidades de saúde para protestar contra o atraso no cumprimento da Lei 14.434/2022, que estabeleceu o piso. Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), esse pagamento deveria ter sido efetuado em 6 de outubro.
O diretor jurídico do Sinsaúde, sindicato da categoria, Paulo Gonçalves, ressalta que o governo federal destinou recursos para as empresas que atendem ao Sistema Único de Saúde (SUS) pagarem o piso. Para a presidente do sindicato, Sofia Rodrigues do Nascimento, a situação é "inadmissível".
"O Piso é uma conquista dos trabalhadores. Conquistamos a lei, enfrentamos a disputa judicial no STF e agora é preciso que os patrões comecem a cumprir a sua parte, respeitando a decisão do STF e pagando os direitos dos profissionais da Enfermagem", avalia.
Os profissionais de enfermagem que aderiram à paralisação justificam que o piso é resultado de uma luta histórica e visa aprimorar as condições da categoria.
Isso se deve ao fato de que a maioria dos enfermeiros acaba se desdobrando em jornadas duplas ou até triplas para garantir o mínimo necessário à sobrevivência. O direito ao piso é uma medida legal pela qual buscam superar esse desafio.
Nilson Donizete de Souza, técnico em enfermagem de 47 anos, trabalha no Mario Gattinho desde a abertura da unidade no início do ano. Seu salário é aproximadamente R$ 2,3 mil. Para complementar a renda, ele realiza um turno das 7h às 13h na unidade e outro das 18h às 6h em outra empresa, totalizando uma jornada de 18 horas por dia.
"A notícia sobre o Piso Nacional da Enfermagem trouxe uma alegria generalizada pela perspectiva de um orçamento mais robusto. No entanto, agora foi a gota d'água, pois descobrimos que essa verba foi repassada há dois meses, e tanto a Prefeitura quanto a terceirizada não a repassam para nós", lamenta.
Neuza Maria da Silva Moura, outra técnica em enfermagem que atua na UPA São José, complementa sua renda trabalhando na unidade e realizando atendimentos particulares como cuidadora.
"Quando anunciaram o Piso Nacional da Enfermagem, sentimos que havíamos vencido uma batalha de 29 anos. Ficamos felizes, realizados, mas infelizmente não cumpriram o combinado. Nos deixaram a ver navios, sem receber nosso piso. Nossa greve é movida pelo desespero e pela busca do nosso direito. Lutamos por esse piso por muito tempo, pois com ele, seria possível viver sem precisar de dois ou três empregos", declarou em frente à unidade, ao lado de outros profissionais da enfermagem que seguravam bandeiras e cartazes.
Na UPA Campo Grande, a diretora sindical Alzeni dos Santos Camargo reiterou que a paralisação persistirá até que o pagamento integral do Piso Nacional seja efetuado.
"Os trabalhadores decidiram só retornar às atividades quando receberem. Eles (patrões) estão protelando, o que configura um completo descaso com a categoria. Dado o tempo decorrido, o dinheiro já deveria estar na conta do trabalhador. Para aqueles que efetuam o pagamento, pode não parecer nada, mas para o trabalhador, qualquer quantia é importante, uma vez que o salário na enfermagem já é defasado. Então, esse dinheiro sempre agrega mais", destacou Alzeni.
Em nota, a Rede Mário Gatti de Urgência, Emergência e Hospitalar informou que realizará, até sexta-feira, 20 de outubro, a transferência de recursos para as empresas que prestam serviços nas unidades de pronto atendimento e prontos-socorros na área de enfermagem. A nota destaca que essa data foi previamente comunicada ao sindicato da categoria, e a Administração municipal está empenhada em antecipar esse prazo.
O comunicado esclarece que a transferência de recursos ocorrerá agora devido à necessidade de cumprir exigências de ordem jurídica. Como autarquia, a Rede Mário Gatti não pode receber recursos diretamente da União. Portanto, o Fundo Nacional de Saúde repassou os recursos ao Fundo Municipal de Saúde em outubro, referentes ao período de cinco meses, de maio a setembro. Por meio de um convênio em elaboração, o Fundo Municipal repassará os recursos à Rede Mário Gatti. Outra exigência jurídica para os municípios foi a atualização do cadastro de profissionais na plataforma InvestSUS, permitindo que recebam os valores retroativos para complementar o piso da enfermagem. Com essa listagem, a Rede Mário Gatti identificou os profissionais por empresa prestadora de serviço, possibilitando a transferência de recursos a elas.
Com esse repasse, as empresas poderão cobrir a diferença salarial em relação ao piso nacional de seus profissionais na área de enfermagem. O piso salarial é de R$ 4.750,00 para enfermeiros, R$ 3.325,00 para técnicos de enfermagem, e R$ 2.375,00 para auxiliares de enfermagem e parteiras. O montante a ser pago às empresas em 30 de outubro refere-se ao período de cinco meses, de maio a setembro, totalizando R$ 1,84 milhão.
No Brasil, conforme dados do Conselho Federal de Enfermagem, o contingente de profissionais na área supera 2,8 milhões, incluindo 693,4 mil enfermeiros, 450 mil auxiliares de enfermagem, 1,66 milhão de técnicos de enfermagem, além de aproximadamente 60 mil parteiras.
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