EDUCAÇÃO

Governo amplia restrição de acesso a aplicativos e redes sociais em escolas estaduais

Além dos ambientes pedagógicos, o bloqueio a sites não educativos inclui as áreas administrativas

Isabella Macinatore/ [email protected]
13/02/2024 às 10:02.
Atualizado em 13/02/2024 às 10:02
Áreas comuns, como os pátios, não estão incluídas na decisão; pesquisa aponta que mais de 45% dos estudantes se distraem com dispositivos digitais em aulas de matemática (Alessandro Torres)

Áreas comuns, como os pátios, não estão incluídas na decisão; pesquisa aponta que mais de 45% dos estudantes se distraem com dispositivos digitais em aulas de matemática (Alessandro Torres)

Praticamente um ano após o governo estadual restringir o acesso por redes cabeadas e Wi-Fi a aplicativos e plataformas não educativas em sala de aula, a medida se estende agora para a área administrativa dessas instituições. Segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), o objetivo da medida é otimizar o uso de infraestrutura tecnológica para o desenvolvimento pedagógico dos estudantes. A Pasta reiterou que o uso de redes 3G e 4G não é bloqueado nas escolas estaduais. Além disso, em áreas comuns, como os pátios, não há qualquer restrição de acesso.

Algumas plataformas, como o YouTube, não estão bloqueadas, pois podem ser utilizadas como ferramentas de ensino. Entre os aplicativos e plataformas que o governo optou por restringir estão o TikTok, Kwai, Facebook, Instagram, GloboPlay, Roblox, Netflix, Amazon Prime Vídeo, X (antigo Twitter), Twitch, HBO Max, Disney+ e Steam.

A Secretaria ressaltou que mantém restrito, desde 13 de fevereiro de 2023, o acesso a aplicativos e plataformas sem fins educativos em salas de aula por meio da infraestrutura de rede disponível. O acesso já era restrito através do Wi-Fi. Consequentemente, toda a rede da escola bloqueia automaticamente o acesso a plataformas e aplicativos não educativos. A inclusão dos ambientes administrativos passou a valer na segunda-feira da semana passada, dia 5.

A decisão de restringir o acesso a aplicativos e plataformas não educativas nas escolas recebeu opiniões diversas da comunidade escolar e dos pais. Débora Pinheiro, técnica de farmácia e mãe de três filhos, reconheceu a importância da medida, mas destacou o valor das redes sociais como uma forma de manter contato com seus filhos, especialmente com aqueles que estudam em período integral.

"Eu vejo que existe uma parte prejudicial associada ao uso de celulares dentro das escolas, mas vejo que as minhas filhas têm grupos de estudo dentro dessas plataformas e acho que a internet também pode ser um meio usado para auxiliar nos estudos. É uma medida bem-vinda, mas o uso de redes com cautela também pode ser bem-vindo, além de também ser uma forma de manter contato com os filhos. Costumo entrar em contato com elas nos intervalos, pois as duas estudam em período integral."

Suelen Veridiana Franco, mãe de dois filhos que estudam em rede estadual, apoia a extensão da medida para o corpo administrativo por acreditar que a restrição garante que a atenção dos educadores permaneça no desenvolvimento acadêmico dos estudantes. "Eu já trabalhei em escolas e concordo que essa medida se estenda para os professores, porque quero que a atenção fique focada no meu filho", enfatizou.

Os estudantes também têm opiniões únicas sobre o assunto. Breno, aluno do nono ano, observa que muitos colegas jogam durante as aulas, o que pode prejudicar o ambiente de aprendizado. Ele disse acreditar que a restrição pode contribuir para melhorar a concentração em sala de aula. "Muita gente joga 'free fire' (jogo disponível para celulares), vejo muitos jogando durante a aula", relatou.

Já Camille, de 15 anos, destacou que nota o uso excessivo do celular durante as aulas. "Quando estamos na sala, muita gente fica mexendo no Instagram durante a aula. Inclusive, percebo que o uso do celular durante a aula é ruim até mesmo sem internet. Por exemplo, nas aulas de matemática as pessoas usam calculadoras. Por isso, acabam não aprendendo como deveriam”, analisou.

Talita Martins Moreira e Cauã Guilherme Campos de Andrade, ambos estudantes do ensino médio, disseram que a transição do uso do celular durante a pandemia para a volta às salas de aula, onde encontraram restrições, foi sentida de forma negativa por eles. Os estudantes defenderam a necessidade de um diálogo contínuo entre alunos e escola para que um equilíbrio seja encontrado. "Como usamos muito o telefone na pandemia para estudar, e quando voltamos para a escola não podíamos usar mais, essa transição deu um impacto negativo. Nós estávamos acostumados com recursos visuais, então (a medida) acabou nos atrapalhando", contou Talita.

Cauã complementou que "a restrição de acesso à internet não impede os acessos. Ela diminui, mas muitos usam o 3G. Até mesmo na questão de proteção de imagem dos estudantes, não acho que seja algo que vá melhorar com a restrição, porque nada impede que gravem outros estudantes e subam o vídeo depois quando saem da escola". Os dois concordam que a integração do celular na cultura escolar, com os devidos limites e orientações, poderia ser uma solução mais eficaz. "Achamos que deveria ter essa integração, tanto que não uso caderno no meu curso, porque tenho acesso a recursos visuais e já uso o próprio dispositivo para anotações", concluiu Cauã.

ESPECIALISTAS OPINAM

Dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que mais de 45% dos estudantes brasileiros se distraem com dispositivos digitais durante as aulas de matemática e cerca de 40% se dispersam ao ver outros colegas usando aparelhos. No entanto, os alunos tendem a se distrair menos durante as aulas em escolas onde o uso de dispositivos é proibido. A extensão da restrição do acesso para o corpo administrativo, entretanto, divide opiniões. 

Suely Fátima de Oliveira, diretora estadual do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), expressou preocupações em relação à restrição de acesso nas escolas, destacando a necessidade de investimentos em tecnologia educacional para melhorar o trabalho pedagógico. “Ao tomar essa decisão, o governo não reconhece que estamos em outro momento e que em todos os setores há a necessidade de uso de todas as plataformas, principalmente do Wi-Fi, para que as pessoas possam desenvolver um excelente trabalho, para que possam realizar pesquisas.” 

Para a diretora, investimentos são necessários antes que cortes aconteçam. “O governo não investe em tecnologia avançada para as escolas públicas, então, antes de restringir, deveria considerar investimentos. E isso também prejudica o trabalho do professor e o aluno. O uso dos computadores, apenas, não sustenta a demanda como deveria, porque a estrutura e a falta de técnicos também implicam em necessidades que acabam não sendo supridas, prejudicando o trabalho pedagógico. Lamento e sou contra a decisão, pois o trabalho pedagógico perpassa por essas pesquisas em plataformas.", enfatizou Suely.

Já pedagoga e psicopedagoga Lívia Mariane Barbuti expressou sua preocupação em relação ao livre acesso nas escolas e concordou com a medida. "O livre acesso (às redes), preocupa em todo o contexto. A medida é necessária, pois, partindo do ponto de vista ético, estamos em ambiente escolar."

Em relação ao uso do telefone para outros momentos, como emergências, Lívia defendeu que as escolas já contam medidas que podem suprir essa demanda. "O contato com os pais não deve ser um problema mesmo com as restrições, porque quando um aluno passa mal e precisa de socorro a própria escola entra em contato com o pai. O uso do celular pode ir além das questões de distrações. Pode ser uma forma de usar o horário e ambiente escolar para compartilhar conteúdos inadequados e que excluam outros estudantes", concluiu.

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