Estelionatários usam falsos valores retidos com governo ou bancos como isca para atrair vítimas
A pessoa recebe a notícia de que há uma boa quantia em dinheiro em um fundo de previdência qualquer disponível para ela a qualquer momento. Mas, para ter acesso, é preciso que ela faça um depósito em uma conta bancária para garantir as “custas processuais”. O pagamento é efetuado e quem fez o contato passa a dizer que ainda não conseguiu completar o procedimento ou simplesmente desaparece.
Este é mais um entre tantos golpes sofridos por milhares de pessoas todos os anos no País, principalmente idosos. Recentemente, em Campinas, uma advogada perdeu R$ 20 mil em uma situação parecida e só percebeu onde havia se metido quando a quadrilha pediu mais R$ 5 mil para concluir a suposta transação. Tanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Campinas) quanto a Polícia Civil alertam que, caso um documento desses apareça, o melhor é procurar um advogado de confiança e consultá-lo ou ir pessoalmente ao órgão mencionado no papel para verificar a veracidade da informação. Nada de depósitos ou transferências de dinheiro. O problema chegou a tal ponto que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) veicula em seu site um guia para orientar as pessoas a evitarem ser vítimas de golpes.
O Correio teve acesso a uma dessas correspondências, enviada para um senhor aposentado, com mais de 80 anos de idade. Para simular um caráter oficial, o documento tem estampado o brasão do Estado de São Paulo, apresenta uma série de colocações jurídicas, destaca os valores que a pessoa poderá receber —até mesmo com os centavos— e, ao final, aponta o quanto o cliente/vítima terá de desembolsar para colocar as mãos na bolada fantasiosa. No caso do documento obtido pela reportagem, foi informado que a quantia a ser recebida era de R$ 59.785,33 em dezembro de 2006, mas que havia pulado para R$ 62.998,10 em abril deste ano. A informação está ali justamente para aguçar o interesse da vítima. As custas estavam estipuladas em R$ 6.682,81.
A “execução judicial” veio em nome da JuntaPrev. A suposta sede da consultoria — na Rua Gersoni Napoli, nº 68, no Centro de Registro (SP) — não existe. O documento é assinado por um “diretor de divisão” identificado como Dirceu Appoloni Filho. A reportagem apurou que Appoloni é advogado e está estabelecido em Maceió (AL). Procurada, a OAB do Estado de Alagoas localizou o registro do profissional, mas não conseguiu repassar um endereço ou contato telefônico dele. Não se sabe se o próprio advogado participa da ação irregular ou se seu nome foi usado por desconhecidos e assinatura inventada.
No mesmo documento também consta o nome de uma mulher, identificada como Dra Rosa Alvez da Silva. Seu nome não aparece no Cadastro Nacional da OAB. Dois telefones de contato, com o DDD 13, ainda são indicados para que a pessoa tenha mais informações sobre como deve proceder com o pagamento. O primeiro número, um fixo, esteve desligado a semana passada toda. O segundo, um celular, cai direto na caixa postal. Um recado foi deixado, mas não houve retorno. Como forma de driblar as autoridades, os golpistas costumam mudar seus contatos com frequência.
“A maneira de aplicar o golpe tem algumas variações, mas o mecanismo é o mesmo. Geralmente, os aposentados recebem carta ou uma ligação dizendo que houve um erro no reajuste e que o segurado tem direito a receber uma grande diferença. Mas que, para isso, tem que depositar um valor antecipado numa conta corrente, referente a despesas de contador, cartório, advogado, etc. Muitas pessoas caem no golpe e nem registram o Boletim de Ocorrência porque ficam com vergonha”, afirma o delegado José Carlos Fernandes da Silva, titular do 1º Distrito Policial de Campinas.
“Os aposentados são as vítimas mais comuns porque, durante um tempo, foi muito comum em razão dos diversos planos econômicos que tivemos no Brasil, os índices serem aplicados de forma incorreta pelo INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Então, os golpistas aproveitaram o momento e os segurados acabam acreditando quando recebem uma carta, geralmente timbrada, com ares de legalidade” , comenta o delegado.
O presidente da OAB-Campinas, Daniel Blikstein, também alerta que, mesmo que a pessoa tenha alguma questão previdenciária para resolver, a solução do caso nunca depende de qualquer depósito em dinheiro em contas bancárias. “Qualquer depósito em processo judicial é feito em guias específicas, com códigos específicos do depósito. Mesmo que essa comunicação judicial seja feita por carta porque a pessoa não tem advogado, ela nunca pede que as pessoas façam qualquer depósito em qualquer conta bancária. Nenhum órgão público tem uma conta bancária para receber. Nenhum valor a ser pago à pessoa também nunca ficará condicionado ao depósito de custas judiciais. Essas são coisas distintas. Além disso, nenhum tribunal faz contato com as partes por ligação telefônica ou e-mail. O contato é feito sempre dentro do processo” , explica o advogado.
Cadastros
Muitas vezes, comenta Blikstein, as pessoas realmente têm ações tramitando relacionadas a questões previdenciárias. Os golpistas descobrem isso tendo contato com os cadastros de fóruns e órgãos públicos. “Eles puxam as informações sobre os processos e isso faz com que a pessoa ache que o contato possa ser real”, diz ele. O próprio presidente da OAB-Campinas quase teve o pai vitimado por um desses golpes. “Ele recebeu uma carta dessas, mas não pagou. Era algo em nome do Tribunal de Justiça. Ele recebeu uma intimação, idêntica à original que se vê no fórum, pedindo para ele ligar para tal lugar. Mas, volto a afirmar, o TJ não faz contato dessa forma com ninguém” , reforça Blikstein.