Imagem inédita permaneceu guardada, ao longo do século, em um armário lacrado do CCLA
Reprodução da foto de Carlos Gomes no ataúde aberto, feita no momento em que uma equipe de legistas avaliava as condições do corpo, que tinha sido embalsamador quase um mês antes, no Pará (Acervo CCLA)
A fotografia é impressionante. O maestro Carlos Gomes aparece morto, dentro do ataúde. É como se fosse uma obra de arte, um quadro pintado. A imagem rara foi feita no momento em que uma equipe de legistas avaliava as condições do corpo, que tinha sido embalsamado quase um mês antes, no Pará. O exame era feito no Arsenal de Guerra da Marinha, no Rio de Janeiro, onde o caixão desembarcou para uma série de cerimônias fúnebres. O episódio aconteceu no dia 17 de outubro 1896, e foi documentado por jornalistas do Brasil inteiro. A Nação parou para acompanhar as homenagens ao mais importante compositor brasileiro de música clássica da história. O autor da fotografia é desconhecido. Mas se sabe que a imagem era guardada na coleção particular de um comerciante português chamado Augusto Gomes Pinto, apaixonado pela carreira do maestro, e que tinha negócios aqui pelo Interior. A foto e outros documentos alusivos a Carlos Gomes foram doados, em 1912 — há quase 106 anos — por descendentes do comerciante ao Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA), que na época era o mais importante centro cultural campineiro. A coleção foi acondicionada e guardada junto ao acervo do Museu Carlos Gomes, que existe até hoje na entidade. O detalhe é que o armário envidraçado, onde os documentos foram guardados, sempre permaneceu fechado. Não se tem notícia se, no passado, aqueles documentos foram analisados ou reproduzidos em algum trabalho acadêmico. De qualquer forma, o tesouro atravessou o século “escondido”. E é desconhecido dos pesquisadores das novas gerações. A fotografia rara foi encontrada, no começo de junho, pelo historiador Jorge Alves de Lima, que visitava o centro cultural à procura de material sobre o velório do maestro em Campinas. Ele buscava subsídio para escrever o seu livro Carlos Gomes - O sono eterno no seu berço natal, que será lançado no final de setembro. Trata-se do terceiro volume de uma coleção onde o autor vasculha a vida do maestro. E, para o escritor, a imagem veio a calhar. Ilustra o capítulo já escrito, onde são detalhados os procedimentos de análise técnica do corpo embalsamado. O navio Itaipu, vindo do Pará (onde o maestro morreu, em 16 de setembro), atracou no Rio só na madrugada do dia 17 de outubro de 1896. Os médicos queriam ter certeza — como tiveram — da qualidade dos serviços que embalsamaram o cadáver. O texto, feito a partir de reportagens — e no estilo “quase parnasiano” da imprensa da época — fala das manifestações apaixonadas do público durante o cortejo. Mas um episódio curioso — e até então inédito — também foi revelado pelo historiador Alves de Lima. Apesar do “perfeito estado de conservação”, segundo o laudo técnico, o cadáver não tinha os olhos “devido à circunstância de o terem colocado em posição vertical, por ocasião de ser retratado”. As cerimônias fúnebres, na Igreja São Francisco de Paula e no Instituto Nacional de Música foram acompanhadas por multidões, que disputavam espaço. No dia 20, três dias depois de aportar no Rio, o corpo foi transportado, no mesmo vapor, até Santos. E, no dia 24, o ataúde foi levado de trem para Campinas.