Evento abordou as tecnologias para a produção de novas fontes alimentares, como insetos e osso animal, algo benéfico para a sustentabilidade ambiental
Maior evento da área da América Latina foi encerrado ontem no auditório do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas; “A definição de alimentos do futuro está intrinsecamente ligada com a mudança de clima e sustentabilidade”, destacou Paulo Silveira (à esquerda), idealizador do 5° Fórum Internacional de Foodtech (Rodrigo Zanotto)
A foodtech, união de duas palavras em inglês que podem ser traduzidas como alimentos e tecnologia, é um dos meios que a cadeia da indústria alimentar está recorrendo para fornecer produtos mais saudáveis e reduzir os impactos ao meio ambiente, que hoje se traduzem em eventos extremos em todo o mundo, como chuvas em excesso e aumento da temperatura. O uso de novas fontes alimentares, como insetos, frutas, raízes e osso animal, que muitas vezes hoje são descartados ou subutilizados, acarreta em uma maior sustentabilidade, inovação e resiliência industrial, temas que foram debatidos no 5º Fórum Internacional de Foodtech. É o maior evento da área da América Latina, e foi encerrado ontem no auditório do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas.
“A definição de alimentos do futuro está intrinsecamente ligada com a mudança de clima e sustentabilidade. Não se pode falar em alimentos do futuro sem considerar essas duas premissas, que não estavam sendo consideradas há dez anos”, disse o idealizador do evento, Paulo Silveira. “No alimento do futuro você traz tecnologias para que você possa atuar e produzir industrialmente sem impactar o meio ambiente”, completou. As foodtechs já começam a fazer parte da vida das pessoas, mesmo sem elas perceberem. Na Europa, já estão à venda macarrão e snacks (salgadinhos) com adição de proteína produzida a partir de grilos. Hoje, 35% das barrinhas de cereais comercializadas na Alemanha têm o inseto em sua composição.
Ele não aparece em sua forma natural, que pode gerar preconceito e aversão por parte de muitas pessoas, mas é transformado em farinha para ser usada como matéria- prima. Na embalagem, ele aparece como proteína. No fórum em Campinas, alimentos feitos utilizando grilos foram mostrados, como saborosos brigadeiros e bolos, ao lado de bebida produzida com colágeno de origem animal, hambúrguer de tucumã e linguiça de açaí.
A aplicação e o avanço da tecnologia em busca de novas fontes alimentares foram debatidos por indústrias, pesquisadores, nutricionistas e outros especialistas durante o fórum, que reuniu participantes do Brasil e de outros países, como Suíça, França e Chile.
USO AUTORIZADO
“Quando você tem novas formas de proteínas, que não seja apenas a carne do boi ou da vaca, que consome muita água, muito espaço e produz mais metano do que outras formas, que vão se coexistir no futuro, você está atuando na questão climática”, explicou Paulo Silveira. A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) reconhece os insetos como “fonte alimentar saudável e altamente nutritiva”. Desde 2021, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) deu sinal verde para a comercialização de alimentos à base de insetos para humanos, com o uso de grilos domésticos, larvas-da-farinha e gafanhotos, que podem ser vendidos congelados, desidratados e em pó.
Na realidade, o consumo de insetos, assim como qualquer outro alimento, faz parte da história da civilização. Até hoje, a prática é comum em países asiáticos, africanos e latino-americanos, com os mais consumidos sendo formigas, besouros, lagartas e mariposas. De acordo com a estimativa da FAO, órgão das Nações Unidas, cerca de 2 bilhões de pessoas incluem insetos em suas dietas. “A proteína é fundamental para a manutenção das funções vitais do corpo. Sem proteína, nosso sistema imunológico fica debilitado, por exemplo. Temos que obter a proteína de algum lugar ou isso começa a ser tirado do corpo”, explicou a nutricionista Priscilla Prismi.
Além de reduzir os impactos ambientais, as foodtechs também têm um aspecto social, podendo ser usadas para aumentar a renda ao mesmo tempo em que preservam e não agridem a natureza. Uma das foodetechs presentes no evento em Campinas apresentou o projeto de desenvolvimento regional para ampliar a utilização de frutas locais e gerar recursos para a comunidade ribeirinha, com o tucumã sendo o mais avançado. “A gente trabalha da árvore até a gôndola”, disse a CEO da foodtech, Pricila Almeida. O projeto fornece mudas micropropagadas, que aceleram a colheita do tucumã em até dois anos, e incentiva o processamento nas comunidades para aproveitar os resíduos e produzir a polpa que precisa. "São módulos de matériaprima rurais inteligentes, minifábricas para que processem a fruta e forneçam uma polpa que chega a R$ 140, R$ 160 o quilo. Eles entregam a fruta a R$ 10", explicou a CEO.
De acordo com ela, apenas uma indústria de cosméticos que usa a manteiga da fruta descarta cerca de 400 toneladas por ano de resíduos, que vão para o lixo. A foodtech desenvolveu tecnologia para transformar esse material descartado em alimento, que pode ser, por exemplo, em forma de hambúrguer e em pó.
"Nós conseguimos fazer com que isso vire alimento saudável, nutritivo e proteico, tirando esse lixo da natureza e entregando um produto de alta qualidade”, afirmou Pricila Almeida. Segundo ela, o projeto já conseguiu um produto com 20% de proteína e 93% da necessidade diária humana de triptofano, aminoácido essencial para a formação e manutenção dos músculos e para a produção de serotonina e melatonina.
OUTROS PRODUTOS
A foodtech também desenvolve pesquisas com o açaí, que já foi transformado em hambúrguer, linguiça e almôndega. “A ideia é que isso (o processo feito com o tucumã) seja replicado para qualquer cadeia produtiva, qualquer empresa que queira trabalhar com a sociobioeconomia da Amazônia”, disse Pricila Almeida. Os produtos apresentados no fórum internacional são isentos de lactose, glúten, transgênico e outros aditivos. Outro diferencial é não tentar imitar o sabor carne, mantendo o paladar das frutas amazônicas.
Em outubro passado, uma indústria de São Paulo lançou uma bebida produzida a partir do colágeno encontrado no osso bovino. Em abril, chegou ao mercado uma nova versão gaseificada nos sabores abacaxi e frutas vermelhas. “A bebida tem 12% de proteína e 2,5% de peptídeos de colágeno verisol, agindo de dentro para fora para manter a saúde da pele, aumentando sua elasticidade e firmeza”, disse Milena Morandi Vuolo, nutricionista da empresa.
Uma fábrica de climatizadores de Campinas apresentou no fórum projetos para aumentar ou manter a qualidade de alimentos mais convencionais, como carne bovina e ovos de galinha. “A variação da temperatura para mais ou para menos afeta o peso ou a qualidade desses produtos, atingindo o consumidor final”, afirmou o CEO da indústria, Juan Carlos Omachea. Segundo ele, os equipamentos usados consomem 95% menos energia do que o ar-condicionado, reduzindo os custos e impactos ambientais.
Para Paulo Silveira, a indústria de alimentos também contribui para a garantia de alimentos ao fornecer produtos que podem ser estocados, mantendo a segurança da cadeia. Ele lembrou que as chuvas torrenciais causaram inundações no Rio Grande do Sul, Estado responsável por 70% da produção nacional de arroz, prejudicando o fornecimento do cereal.
“A questão climática afeta a produção, por um efeito como esse, que impacta a inflação, a mesa e o bolso da população e a acessibilidade do produto”, afirmou. “A indústria tem que se preparar para esse tipo de coisa. A indústria resiliente, que é o tema do encontro, é importante, porque tem que saber como atuar num evento desse, onde se tem a quebra da cadeia produtiva”, explicou.
Siga o perfil do Correio Popular no Instagram.