Ao entrar no estabelecimento, a primeira coisa que vem à mente é que se trata de uma cafeteria normal. Depois de alguns instantes, a gente se dá conta de que realmente é um comércio normal. A diferença está na motivação: a inclusão e o respeito. Dos três funcionários que ali trabalham, dois têm Síndrome de Down. O T21 Café e Leitura nasceu com o propósito de mostrar que ser diferente é normal. Erick Nunes Schmidt, de 35 anos, atende no balcão, indica os melhores bolos e faz as bebidas quentes. Não para por aí, serve mesas e ainda alerta a dona do estabelecimento sobre a necessidade de regular o equipamento para que os cafés saiam mais cremosos. Schmidt busca bolos no fornecedor, faz entregas e recebe os pagamentos via máquina de crédito ou débito. Cássio Gullo, de 21 anos, ajuda na cozinha, auxilia na separação dos ingredientes para o preparo do almoço, serve mesas, atende no balcão e é supersociável. Nada de anormal, apenas dois funcionários cumprindo suas funções no estabelecimento onde trabalham. Talvez o que atraia curiosidade seja o fato de ambos terem Síndrome de Down. Tudo começou em janeiro de 2017, quando a veterinária Érika Vidal, 41, e o marido, farmacêutico veterinário, tiveram um filho. João nasceu com a síndrome. Érika já tem duas filhas adultas, uma com 21 anos e outra com 16. O marido tem uma filha de 12 anos de outro casamento. “Meu marido soube da condição do João na hora do parto. Eu tive uma hemorragia, precisei ficar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Só soube no dia seguinte. E foi um choque. É quase como um luto porque ninguém sonha com isso”, diz Érika, de forma honesta. O medo não era pela condição do filho, mas pelo preconceito da sociedade. O luto durou pouco. Logo veio o desejo de fazer o melhor pelo filho. “Fui numa palestra comportamental e o palestrante perguntou: ‘Como você quer a sua vida, a sua cidade, daqui a 10 anos?’ Essa pergunta mexeu comigo. Ele ainda disse que não bastava sonhar. Era preciso colocar a mão na massa”, conta. Érika ficou pensando na indagação do palestrante. “Concluí que em 10 anos quero que Campinas seja uma cidade mais inclusiva, sem preconceitos e que as pessoas vejam que somos pessoas diferentes e que isso é normal.” Para colocar o plano em prática, ela e o marido deixaram a estabilidade para trás e venderam a clínica veterinária. “Pensei em abrir um café porque é o que o brasileiro ama”. Mas não uma cafeteria qualquer. Uma que se trabalhasse a inclusão e tivesse a maior parte dos funcionários com Down. “Isso mostra que assim como você e eu, eles são indivíduos, e cada um tem a sua característica.” A cafeteria fica bem em frente a um colégio. “Nós, adultos, já temos os nossos preconceitos, infelizmente. Mas o futuro são as crianças, os jovens. Fiz questão de colocar bem de frente à escola, assim eles vão tendo contato desde cedo e aprendem a vê-los trabalhando com naturalidade. Espero que, quando o João estiver com 10, 12 anos, as pessoas com Down no mercado de trabalho não sejam exceção”, idealiza. Para contratar os funcionários, Érika entrou em contato com o Centro de Educação Especial Síndrome de Down (CEESD) e com a Fundação Síndrome de Down. “Fiz questão de ir à Fundação, eu mesma fiz as entrevistas. São funcionários como qualquer outro. A gente precisa parar de tratá-los com diferença, com infantilidade”, ressalta. "Amo meu trabalho" “Já faz um mês que eu to trabalhando aqui. É bom trabalhar aqui. É minha sexta experiência de trabalho. Quero continuar bastante tempo”, diz Schmidt. “Eu amo meu trabalho. Faço tudo aqui. Quero que você coloque também que eu tenho namorada. Conheci na Fundação”, conta Gullo. Ele prefere ser chamado de Sylvester Stallone porque é fã dos filmes Rambo e Rocky Balboa. Égina Viana, 31, atendente, era babá de João na casa de Érika. "Eu nunca tinha trabalhado com pessoas com Down. E aprendo todo dia." A corretora de seguros Franciane Diniz, 37, que estava com seu computador trabalhando em uma das mesas da cafeteria, aproveitava o momento também para aprender. “É a primeira vez que venho aqui. Minha irmã acabou de ter uma criança com Down. Nunca tive contato com nenhum. Comecei a pesquisar sobre como tratar essas pessoas e um amigo me indicou para vir aqui.”