O índice de favelados campineiros é o dobro da média nacional, que é de 6%, e supera a taxa de SP
Campinas tem 148,2 mil pessoas vivendo em 40 mil domicílios localizados em favelas, 12,9% de toda a sua população, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta semana. O índice de favelados campineiros é o dobro da média nacional, que é de 6%, e supera a taxa da cidade de São Paulo, de 10,8%. Conforme o levantamento, 40% das submoradias na cidade estão em área de risco, aproximadamente 16 mil.Estudiosos afirmam que a falta de uma política habitacional municipal consistente é o principal motivo para o crescimento e adensamento das favelas. O mercado imobiliário aquecido em Campinas e políticas rígidas em relação a imigrantes nas cidades do entorno também contribuiriam para o cenário.De acordo com a Prefeitura, hoje existem 92 favelas no município. A população total dessas áreas na cidade supera o número de moradores de 14 dos 19 municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC) e é equivalente à soma dos habitantes de Valinhos e Jaguariúna.Falta de instruçãoA pesquisa mostra ainda que as favelas campineiras concentram a maior parte de pessoas não instruídas da cidade. Segundo o IBGE, dos 123 mil adultos dos núcleos, 75,7 mil (61%) nunca foram à escola ou têm Ensino Fundamental incompleto. Apenas 884 moradores têm Ensino Superior completo. Além disso, somente 55,8 mil estão empregados — 45,4 mil com carteira assinada. A sondagem também mostrou que 14.497 das 40 mil famílias sobrevivem com uma renda per capita de meio e um salário mínimo (R$ 339,00 e R$ 678,00).O geógrafo e autor de tese de doutorado sobre as favelas em Campinas, Cristiano Silva da Rocha Diógenes, explicou que a camada da população que não tem condições de arcar com os custos de uma habitação regular tende a se aglomerar em áreas onde o mercado imobiliário não pode explorar, ou seja, as regiões de risco ou “não regularizáveis”. Se encaixam nessa classificação margens de córregos, áreas de proteção permanente (APPs), encostas de morro, terrenos no entorno de ferrovia e aeroporto e terrenos que abrigam torres e fios de alta tensão.Mercado imobiliário“O que torna a situação mais grave em Campinas é que o mercado imobiliário é muito aquecido, e o espaço físico que sobra para os pobres é raro e espremido entre bairros regulares”, explicou Diógenes. Por isso, segundo o geógrafo, muitas favelas campineiras estão ao lado de bairros nobres, como a Vila Brandina, e espalhadas por toda a cidade, enquanto em outros municípios do Interior os núcleos ficam nas periferias. “Também imaginou-se que nos anos 1990 e 2000, a população das favelas migraria para cidades menores da região. Mas os municípios se blindaram com leis rígidas contra esse tipo de migração”, completou Diógenes.Ainda segundo o estudioso, há anos Campinas carece de uma política habitacional que incentive a regularização de favelas e que ofereça mais casas. A burocracia e os interesses imobiliários são os maiores obstáculos para a regularização. “Os programas de construção de casas populares também são insuficientes. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, tem mais projetos para famílias com mais de cinco salários na região do que para gente pobre.” PrefeituraO secretário municipal de Habitação, Ricardo Chiminazzo, afirmou que a regularização fundiária é complexa e que a Administração tem a intenção de regularizar a maior parte das favelas na cidade. No entanto, não pode sobrepor a legislação ambiental, nem ser conivente com situações de risco. “Na Vila Brandida, por exemplo, existe uma parcela dos moradores que está sobre tubulações, o que configura risco. Estamos estudando uma forma de desviar os dutos, mas, se não for possível, a regularização só pode ser feita se essas casas forem removidas”, explicou. O mesmo ocorre com famílias que moram próximas a córregos e nascentes no Parque Oziel, segundo Chiminazzo. A intenção, da Prefeitura é entregar 5 mil moradias por ano até o final do mandato do prefeito Jonas Donizette (PSB).Sem alternativaO baiano de Ilhéus Mário Pereira da Silva, de 37 anos, chegou em 2002 em Campinas. A promessa de uma tia que já morava na cidade era de que o jardineiro teria um salário até cinco vezes maior do que recebia. Silva, porém, não contava com o alto preço dos Foto: Cesar Rodrigues/ ANN Jorge Manoel da Silva ( bigode ) já perdeu a esperança de obter uma causa própria através de programas habitacionais aluguéis paulistas e, com uma filha de 4 anos, se viu sem ter onde morar. “Eu não tinha outra alternativa. Acabei comprando minha casa no Parque Oziel por R$ 3,5 mil, parcelado em três anos. Hoje a mesma casa vale uns R$ 40 mil aqui”, disse o jardineiro, que mora às margens de um córrego em um terreno com mais de 200 metros quadrados. A filha Mariana, hoje com 15 anos, disse que não mudaria para um apartamento pequeno, longe de sua escola. “Aqui é perto de tudo. Estou há 20 minutos de ônibus do Centro. Não ligo de morar na favela, mas prefiro ter o conforto de uma casa”, explicou a adolescente. Mesmo com a resistência da filha, Silva está há sete anos na fila municipal para receber uma casa regularizada.O pensionista Jorge Manoel da Silva, de 60 anos, morador da Gleba B, está há 17 anos na mesma fila. Afirmou que, pela idade, perdeu as esperanças de ganhar sua casa própria. Segundo ele, os critérios de prioridade mudam a cada Administração. Por isso, mora em um barraco de dois cômodos com a filha, de 12 anos, e um tio deficiente físico. Com renda fixa de R$ 670,00 por mês, o pensionista disse que complementa seus ganhos vendendo bala em cruzamentos. “Campinas não é uma cidade para gente pobre. O fato curioso é que as favelas só aumentam. E a fila para uma casa popular também.” Silva, que não completou o Ensino Fundamental, fez ligações clandestinas para ter energia elétrica e água encanada.