Cristina Camargo, de 53 anos, teve que fazer incríveis 479 ligações, em um só dia, para conseguir ser atendida na Farmácia de Alto Custo
Cristina Camargo, de 53 anos, teve que fazer incríveis 479 ligações, em um só dia, para conseguir ser atendida na Farmácia de Alto Custo instalada na Rua Setembrino de Carvalho, no bairro Ponte Preta, em Campinas. As chamadas foram realizadas entre as 8h e 14h30 da última quinta-feira. Monitora de uma escola infantil no Vila Nova, ela só queria saber se o remédio que o filho utiliza estava disponível. A reclamação é endossada por outros usuários, que asseguram que os dois números da unidade — (19) 3233-6972/3232-5118 — dão sinal de ocupado direto ou chamam até cair. A população se queixa ainda da falta recorrente de medicamentos no serviço estadual e da demora no atendimento presencial. Indignada, Cristina recorda que foi atendida pelo 3233-6972. De acordo com ela, a funcionária ficou surpresa pelo fato de a ligação ter completado. “Suspeito que eles utilizam essas linhas também para realizar ligações, por isso permanecem sempre indisponíveis”, especulou. Contudo, afirma que a moça foi extremamente educada. Na última sexta-feira, Cristina retirou o remédio Mesalazina de 800mg no local. Ela procura ligar antes para não ir à toa até a farmácia. “Quando vou, geralmente, chego lá por volta das 5h30, para ser uma das primeiras a ser atendida”. Assim, não atrasa muito para entrar no trabalho, onde precisa estar às 8h30. Segundo o site da Prefeitura de Campinas, o horário de atendimento é de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h30. Além de resolver o problema dos telefones, Cristina sugere que a lista dos remédios em falta seja publicada na internet. “Evitaria que muitas pessoas perdessem tempo”, pondera. O paciente em questão é seu filho, de 27 anos, que trata a Doença de Crohn, uma patologia inflamatória intestinal. "Esse é um medicamento de uso contínuo. Em 2019, esteve em falta por quatro meses", comentou. Ao todo, a família precisou desembolsar R$ 720 no período. O jovem faz uso de uma caixa por mês. Adriana Aparecida Marcos, 49 anos, dona de um salão de beleza no Jardim Chapadão, também já sofreu para conseguir ser atendida por telefone na Farmácia de Alto Custo. No momento, conta com o auxílio de uma amiga para se deslocar até a unidade com a certeza de que encontrará os medicamentos que precisa. “Conheço uma moça que trabalha em frente à farmácia. Então, ela vai e pergunta pra mim”, relatou. A empresária garante não ter tempo a perder, pois além de gerir seu negócio, ajuda a mãe a cuidar do pai de 77 anos, que tem Alzheimer. Para tratar a doença neurodegenerativa crônica, que tem como sintoma inicial mais comum a perda de memória a curto prazo, Adriana utiliza dois remédios fornecidos pelo serviço estadual: Hemitartarato de Rivtigmina e Hemifumarato de quetiapina. O primeiro esteve em falta por três meses neste ano, enquanto o segundo quase nunca é disponibilizado, diz ela. Só este ano, a empresária calcula já ter desembolsado quase R$ 3 mil nesses remédios. "É complicado, porque temos outras despesas com medicamentos", desabafou Adriana. Na família, sua mãe, Aparecida Marcos, aposentada de 73 anos, também sofre com a falta de remédios. A idosa faz uso do Xalatan latanoprosta, que custa, em média, R$ 170. O colírio é utilizado para o tratamento do glaucoma. “Nunca tem lá”, esbraveja. Secretaria Segundo a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, a unidade em Campinas atendeu ontem 1.133 pessoas, número 26% maior que o de pacientes agendados para o dia. "Embora haja agendamento, muitos pacientes retornam em dias não agendados. Ainda assim, a unidade atende todos os que procuram o serviço", diz a nota. "Também realiza cerca de 250 atendimentos telefônicos por dia e os contatos também podem ser feitos por meio do e-mail: [email protected]". Atendimento demorado é problema Na manhã de ontem, a movimentação era intensa na farmácia de alto custo instalada na Rua Setembrino de Carvalho, no bairro Ponte Preta, em Campinas. Segundo os usuários, o atendimento estava complicado. Marcel Rita, ajudante de almoxarifado de 37 anos, relatou que na triagem informaram que o tempo médio para todo o atendimento era de duas horas. Ele veio de Campo Limpo Paulista, a cerca de 50km de distância de Campinas, em busca de uma caixa com duas doses de Adalimumabe 40mg para a esposa que tem psoríase, uma doença inflamatória da pele. "Essa injeção está em falta há dois meses na minha cidade", disse. "Não tem como comprar, a caixa custa mais de R$ 8 mil", mencionou. Rita chegou às 10h na unidade de saúde e saiu as 12h45. Porém, feliz, por ter conseguido o medicamento. "Minha esposa tem dores, inclusive, internas muito fortes quando fica sem as doses quinzenais", falou. Conselho realiza ato contra a precarização da Saúde O Conselho de Saúde de Campinas, juntamente com servidores da área, promoveu um ato na manhã de ontem no Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, contra o que chamam de precarização da Saúde. O órgão luta pela qualidade do atendimento e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). A ação faz parte da chamada para a 2ª Marcha pelo SUS, que deve ocorrer em agosto. O protesto no Mário Gatti aconteceu às 8h30. Os servidores conversaram com os pacientes para ouvir as queixas e também para explicar as dificuldades enfrentadas por eles no dia a dia. "O SUS está bem ruim, tanto o atendimento quanto todo o resto. Nós estamos lutando para melhorar porque somos trabalhadores e usuários", explica a enfermeira Carmen Silva. Essas ações já vêm ocorrendo em outras unidades, como na UPA Carlos Lourenço e UPA São José. Amanhã, a UPA São José deve voltar a receber protestos às 14h30. "A gente quer mais qualidade, melhoria das instalações, que não faltem materiais ou medicamentos, que tenha mais funcionários e que não haja tanta demora no atendimento. Tudo para valorizar o SUS", afirma. Os atos são promovidos pelo Conselho de Saúde para alertar a população. "A Rede Mário Gatti é um engodo. Unificaram a urgência e emergência, mas está tudo precarizado. Nada melhora. Não tem cadeira de rodas. A UPA Centro não reabriu. A UPA Carlos Lourenço está pronta e não abre. Em várias unidades faltam leitos, faltam macas. É desumano", reforça. De acordo com ela, agora é o momento de aproximação com os usuários. "Tem gente morrendo por conta de mau atendimento e sempre colocam a culpa no trabalhador. Está virando uma guerra de trabalhador (da saúde) contra trabalhador (usuário). O governo precisa tomar uma posição com relação ao SUS", enfatiza. O presidente do Conselho de Saúde, Cecílio Serafim dos Santos, explica que os atos são para aproximar os usuários das questões da Saúde e também ouvir as queixas. "Estamos ouvindo a população e mostrando tudo o que o Conselho tem feito. Estamos convidando para participar da 2ª marcha pelo SUS", adianta. Ainda de acordo com ele, se a rede básica funcionasse como deveria, a rede de urgência e emergência não estaria sempre tão lotada. "As pessoas procuram a urgência porque na rede básica não tem médico, não tem remédio, às vezes, nem a farmácia está aberta. A pessoa prefere esperar 10 horas porque sabe que vai passar pelo médico na urgência", constata. O Outro lado A Rede Mário Gatti informa que as alegações de precarização não procedem. "Várias medidas para melhorar o atendimento já foram adotadas e outras estão em adoção, como contratação das ambulâncias do Samu, equipes de higiene, limpeza, lavanderia, recepção, segurança, gestão logística de insumos, abastecimento de materiais e medicamentos no hospital Ouro Verde e UPAs, entre outras", afirma a Administração Municipal. Sobre a reclamação de falta de pessoal, a resposta é que será enviado à Câmara um projeto de lei que permitirá a contratação temporária emergencial de profissionais celetistas para trabalharem na Rede Mário Gatti até a realização de concurso. (Francisco Lima Neto/Da Agência Anhanguera)