DIA DA INDEPENDÊNCIA

Fanfarras mantêm a tradição cívica neste Sete de Setembro

Grupos escolares se dedicam a manutenção de costume que atravessa gerações

Karina Fusco/ [email protected]
07/09/2023 às 09:03.
Atualizado em 07/09/2023 às 09:03
Campinas, que já teve sua Fanfarra Municipal, ainda conta com alguns desses grupos formados por músicos amadores (Divulgação)

Campinas, que já teve sua Fanfarra Municipal, ainda conta com alguns desses grupos formados por músicos amadores (Divulgação)

Para boa parcela da população, um dos motivos de acordar cedo no dia sete de setembro é assistir aos desfiles cívicos que marcam a data. Além das corporações do Exército, Escola de Cadetes, Polícia Militar, Guarda Municipal, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, tradicionalmente participam do evento as fanfarras criadas em escolas públicas e particulares. Todas com uniformes que exaltam as cores do Brasil, bandeiras, instrumentos e muita disposição para fazer um belo desfile faça chuva ou faça sol.

Campinas, que já teve sua Fanfarra Municipal, ainda conta com alguns desses grupos formados por músicos amadores que tocam instrumentos de sopro e percussão e também por balizas e outros integrantes da parte coreográfica. Uma das mais tradicionais fanfarras da cidade é a do Colégio Dom Barreto, que existe há 20 anos e estará presente no desfile deste feriado com um gosto especial de voltar às ruas três anos depois da pausa imposta pela pandemia de covid, período em que houve apresentação virtual de casa, com os membros utilizando panelas e talheres.

A professora de Educação Física e responsável pela fanfarra, Margarete Aparecida Mafra, conta que percebe um grande interesse por parte das crianças e adolescentes em participar da fanfarra da escola, composta por 120 membros com idades entre oito e 18 anos. Há até fila de espera para fazer parte do projeto, que começa os ensaios em março!

Ela, que comanda os 60 estudantes que fazem parte do corpo coreográfico, revela que é com grande satisfação que vê a tradicional fanfarra seguindo com força em tempos em que a tecnologia é o grande atrativo para a garotada. "Enquanto educadora, minha sensação é de um bom trabalho realizado. Fico muito feliz ao ver o grupo participando dos ensaios semanais, deixando de lado os celulares e se conectando com a disciplina que a fanfarra exige e com a importância do trabalho em equipe, sempre com muita determinação e orgulho de ser cidadão brasileiro", diz.

O desfile sempre começa com o "grito de guerra" do lema da equipe, que diz "nenhum de nós é melhor" e os 120 integrantes respondem: "do que todos nós juntos". E assim que começa a marcha, balizas e quem carrega as bandeiras executam coreografias de acordo com os toques dos instrumentos. "Do primeiro ao último toque são 25 minutos. Os toques vão se repetindo até fazer o fechamento do corpo coreográfico. Da saída na Avenida Franciso Glicério até a Avenida Orosimbo Maia, fazemos isso inúmeras vezes. Há também uma parada diante das autoridades e apresentações aos convidados e pais", explica Margarete.

Quem comanda a parte instrumental da Fanfarra do Colégio Dom Barreto há 17 anos é o sargento Luis Sérgio de Oliveira. Ele tem a missão de colocar os 60 componentes em sintonia tocando bumbo, surdo, caixa, tarol e prato e não vê problema nenhum em se desdobrar no dia da Independência, pois também toca e desfila na banda da Escola de Cadetes. "O maior desafio na fanfarra é coordenar a diferença de idade, pois temos estudantes que acabaram de entrar e logo querem se equiparar com aqueles que já estão na fanfarra há muitos anos. É um processo que se resolve no período de ensaio, que tem seu pico em agosto e início de setembro", diz.

Ele, que nos anos 1980 comandou a fanfarra da Escola Estadual Professora Sophia Velter Salgado, na Vila Nova Teixeira, não tem dúvidas ao responder que os momentos de destaque no desfile são o grito de guerra no início e as breves paradas com foco no corpo coreográfico.

FANFARRA NÃO É UMA BANDA COMUM

Como explica o professor Vinícius de Sousa Fraga, coordenador do curso de Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, fanfarra é um termo que pode abrigar grupos de instrumentos de percussão, ou de instrumentos de percussão e de metal (cornetas e trompetes, por exemplo). "No Brasil, a principal diferença entre a fanfarra e a banda marcial é a instrumentação utilizada. No caso da banda marcial, há instrumentos de percussão (bumbos, caixas, pratos, liras etc) e instrumentos da categoria dos metais (trompetes, trombones, bombardinos e tubas). Esses instrumentos de metal possuem válvulas de acionamento que têm como característica a execução de praticamente todas as notas musicais necessárias para tocar qualquer música conhecida, de qualquer estilo. Já no caso da fanfarra, quando utiliza metais, os instrumentos são do tipo corneta ou cornetões e que possuem apenas algumas notas", explica.

Ele esclarece também que essa aparente limitação de meios com a execução de apenas algumas notas é na verdade uma das grandes vantagens da fanfarra como estratégia de musicalização, já que tecnicamente há uma demanda menor no aprendizado, ao mesmo tempo que o material musical demanda maior criatividade para manter o interesse do público. "As fanfarras são uma demonstração viva de que menos é mais", ressalta.

Ele, que também é professor de clarineta e música de câmara na Unicamp e oriundo com orgulho dessa tradição de bandas no Brasil, reforça que nossa tradição cultural brasileira moldou alguns dos hábitos atribuídos à fanfarra, como desfiles cívicos. "No Brasil, é comum em alguns locais e, sobretudo em escolas, que as fanfarras façam parte da vida social e de comemorações variadas, não sendo somente cívicas nesse caso. Mas, via de regra, a ligação cívica é de fato o elo mais forte nessa tradição brasileira. Em outros países como Alemanha, França e Espanha, no entanto, é comum vermos grupos como bandas e fanfarras civis sem nenhuma ligação com essa tradição, com uniformes coloridos ou mesmo sem padrão algum de vestimenta, e grupos que desfilam caminhando e dançando mais suavemente, ao invés de marchar de forma cadenciada".

Questionado sobre o futuro desses grupos, tendo em vista a Fanfarra Municipal de Campinas, que foi fundada em 2001 e esteve em atividade até o final da década passada, tendo inclusive ganhado o título do Campeonato Nacional de Bandas e Fanfarras, Vinícius diz que "é pouco provável que essas formações acabem".

Historicamente, como ele lembra, as fanfarras remetem ao século XVIII no Brasil, e em diferentes locais já existiram grupos muito bons que foram desarticulados com o tempo, enquanto em outros locais e contexto foi o contrário. "Sabemos que bandas e fanfarras no Brasil são praticamente trincheiras de resistência da cultura popular secular, e estão muito arraigadas sobretudo em cidades do interior, onde as praças ainda contam com coretos para essas apresentações. Agora, essa resistência não é feita de forma homogênea e traz um alto custo para aqueles que se propõem a fazêlo". Ausência de recursos é uma das barreiras, mas como lembra o professor: "uma sociedade que canta e participa, mais do que uma que assiste ao que um algoritmo qualquer lhe dá, é um sonho que só os que dele participam entendem a sua importância. E lutam por ela". 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por