NOVA GERAÇÃO

Famílias optam por dar mesada aos filhos por meio do Pix

Parte da rotina do brasileiro há três anos, pagamento instantâneo também foi adotado na relação de pais e filhos

Aline Guevara/ [email protected]
19/11/2023 às 10:56.
Atualizado em 19/11/2023 às 10:56
Para o pai, que é assessor de investimentos, a mudança foi educativa desde que adotou essa maneira de dar mesada à filha Luna, de 14 anos (Rodrigo Zanotto)

Para o pai, que é assessor de investimentos, a mudança foi educativa desde que adotou essa maneira de dar mesada à filha Luna, de 14 anos (Rodrigo Zanotto)

Quando o assessor de investimentos Oderson Mello e a esposa, a pedagoga Luciana Mello, sentiram que a filha Luna estava preparada para lidar com dinheiro, concederam a ela um cartão de crédito adicional à conta dos pais. Na época ela tinha 12 anos. Recentemente, no entanto, os dois mudaram sua forma de dar à jovem, que hoje tem 14 anos, acesso a recursos financeiros: abriram uma conta digital, adequada para menores de idade, e passaram a fornecer uma mesada através de Pix mensais. O pai dá o veredito: a mudança foi educativa. “Antes, com o cartão, as despesas iam para a nossa fatura e parecia um recurso ilimitado, mas agora com o Pix, não. Ela mesma controla a conta, que tem o nome dela, verifica o saldo no aplicativo e tem que se virar com o valor que tem ali. Se gastar demais vai acabar e ela não vai ter mais de onde tirar. Não é muito, mas é algo que precisa controlar para fazer durar.”

Luna recebe um valor fixo todo mês, mas caso entre em acordo para fazer alguma atividade diferente das suas obrigações dentro de casa, como passar o aspirador ou lavar o carro, ela recebe um dinheiro extra que vai direto para sua conta, também através de Pix. A transação é usada tanto pelos responsáveis quanto pela própria garota para seus gastos pessoais - geralmente alguma saída com os amigos. Ela ainda tem uma conta com um investimento, feito pelos pais, para o seu futuro que ela pode acessar para retirar os rendimentos do valor, caso queira comprar algo maior. Mas Oderson explica que o perfil de Luna é econômico. “Muitas vezes ela gasta menos do que a gente imaginaria. A Luna mesma faz Pix da mesada para a conta investimento dela. Ela passou a controlar melhor isso, que antes ficava só na nossa mão. Hoje ela confere valores que estão sendo cobrados dela, administra melhor. Tem sido uma experiência muito positiva.” 

As transações por Pix completaram três anos de existência na quinta-feira, 16 de novembro, tempo suficiente para que o meio de pagamento fosse popularizado, como a família Mello demonstra. Segundo o Serasa, são 140 milhões de usuários no País fazendo uso deste tipo de transferência. Neste grupo, os mais jovens se destacam - do total, 71 milhões não tinham antes contas no banco.

“Essa geração de jovens hoje nasceu com o smartphone (...) e tem uma facilidade muito grande com as ferramentas tecnológicas porque cresceu com isso, diferente das pessoas mais velhas”, aponta Reinaldo Domingos, idealizador, fundador e presidente da Associação de Educadores Financeiros (Abefin). A principal mudança que o sistema criado pelo Banco Central trouxe foi a quase instantaneidade dos pagamentos em transações, que podem acontecer 24 horas por dia, em todos os dias do ano, inclusive nos finais de semana e feriados. Hoje, é o meio de pagamento mais utilizado no Brasil, seguido de cartão de crédito e de débito. É prático, simples e muito rápido usar o Pix. 

RESPONSABILIDADE FINANCEIRA

A psicóloga infantil Giovanna Moreira entende que a mesada ensina responsabilidade financeira para as crianças e jovens e vê que a idade mais adequada para este início seria entre nove e dez anos. “A criança ou jovem vai aprender a organizar os seus recursos, a poupar para comprar aquilo que deseja, vai estabelecer prioridades dos seus gastos, e isso vai ensinar a ela outras coisas da vida como ter que esperar algo a longo prazo.”

Para a especialista, a autonomia financeira também é benéfica, pois traz mais confiança, mas frisa que o acompanhamento e aconselhamento parental é fundamental. “É a primeira vez que eles vão ter uma responsabilidade grande como é a financeira e é preciso ensinar os passos a eles. Os pais não podem se eximir da responsabilidade de saber como esse dinheiro vai ser gasto, de ensinar sobre poupança, prioridades e o valor das coisas”, afirma. A psicóloga percebe também que a nova geração, ainda que propensa a gastos, também tem acesso a muito mais informações, o que a torna mais consciente do que as anteriores. “Antigamente nem se falava em sustentabilidade ou investimentos. Lógico, não dá para generalizar, as informações não chegam para todos, mas estão mais acessíveis.”

A vendedora Renata Giacomini se surpreendeu com os resultados da mesada por Pix, que passou a dar para os filhos Beatriz, de 13 anos, e João, de 11 anos. “Um dia a Bia foi almoçar com as amigas e pretendia gastar R$ 50,00, mas como ela foi com o meu ticket refeição, gastou R$ 100,00 para pegar um rodízio mais completo. Agora com a mesada eu a instruí: se você quiser gastar mais em uma única refeição, não terá dinheiro para comer mais vezes. Vai ter que escolher.” Hoje, os dois têm o costume de deixar sobrar valores na conta digital para render no investimento oferecido pelo banco - e ambos já aprenderam a investir o dinheiro poupado. “Isso eles fazem sozinhos, mas para retirarem da poupança precisam da minha autorização”, explica a mãe. Com três anos de economia, juntando mesadas e valores que ganhou de presente de parentes, João comprou seu computador gamer. “Ele ficou muito orgulhoso e a gente também.”

OS RISCOS

Ao contrário dos entusiastas do meio de pagamento, Reinaldo Domingos não vê o Pix com bons olhos. “Ocorre que as pessoas já tinham uma grande ausência de como controlar o seu recurso financeiro mesmo com ferramentas mais morosas. Você tinha mais tempo para tomar decisões financeiras. Hoje, com o Pix, não. Começamos a ter uma velocidade muito maior para dilapidar o nosso recurso financeiro. Estamos numa ciranda de consumo absurda e sem critério.”

O tempo entre pensar se precisamos mesmo de algo e a compra daquilo diminui consideravelmente na mesma proporção que aumentam gastos por impulso. O educador financeiro alerta sobre os riscos dessa aceleração na tomada de decisão de assumir gastos, especialmente para aqueles que fazem uso de cheque especial na conta. “Nós temos um desafio de fazer com que as pessoas tenham mais consciência em relação a esse gasto tão repentino e voraz. Tudo está culminando para cada vez mais gastarmos um dinheiro que não temos, ou se temos vamos perdendo o dinheiro porque este está sendo dilapidado com mais facilidade.”

A solução é uma só e pode parecer óbvia, ainda mais vinda de Reinaldo, mas ele reitera sua importância: consciência e educação financeiras. Mais do que nunca, elas devem ser desenvolvidas desde cedo nas pessoas, nas crianças e jovens. “Só assim eles vão conseguir se blindar dessas problemáticas que estão em prol de tirar, gastar o dinheiro da população em vez estimulá-la a poupar. É o processo educacional que eu faço hoje.”

A VEZ DOS JOVENS 

A modalidade de transação de dinheiro que se consolidou rapidamente como a preferida no Brasil e em breve ganhará novas possibilidades, como o envio de dinheiro para contas no exterior, fez crescer o olhar de entidades financeiras para o público jovem. Dados do Banco Central de julho mostraram que 143 milhões de pessoas físicas no Brasil utilizam o Pix. Desse total, aproximadamente 71 milhões de pessoas nem tinham contas em bancos antes do advento do Pix. Estima-se que boa parte desse contingente seja de menores de 18 anos. Das transações realizadas pelos jovens, 74% são por meio do Pix.

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