Em meio ao debate para a renovação do contrato do Sistema Cantareira, setor produtivo acende sinal de alerta
A escassez de água nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí está se tornando um limitador de investimentos industriais, especialmente aqueles que têm a água como principal insumo, caso da indústria de cosméticos, de bebidas, açúcar e álcool, papel e celulose e têxtil. Sem garantia de que haverá oferta, empresas já estão deixando de vir para a região, segundo o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp-Campinas). A situação é preocupante, principalmente na bacia do Capivari, cujo rio nasce em Campinas, e que há cinco anos apresenta restrições para instalação de empresas que necessitam de muita água.A atratividade da região por seus atributos como centro logístico, centro de alta tecnologia e boas estradas é muito grande — somente no ano passado, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), o setor empresarial entrou com 1.211 pedidos de licenciamento ambiental de empreendimentos, dos quais 1.089 foram concedidos. Nos últimos três anos, 3.049 licenças foram emitidas. “O problema já é grande e vai ficar ainda pior se não conseguirmos mais água do Sistema Cantareira”, disse o diretor regional do Ciesp, José Nunes Filho.Atualmente, a região recebe 5m3/s de água do conjunto de represas do sistema e está discutindo quanto irá tentar conseguir a partir de agosto do ano que vem, quando vence a outorga acordada em 2004 com o governo do Estado. A Câmara Técnica de Planejamento aprovou proposta de 8m3/s, que será levada ao plenário dos Comitês PCJ para ser avaliada dia 7, em Campinas. Os comitês são órgão colegiado deliberativo de nível regional com atuação nas bacias PCJ.Se for aprovada a outorga de 8m3/s, disse Nunes, a situação vai ficar muito pior. “A Toyota deixou Indaiatuba e foi para Sorocaba por não ter garantia de oferta de água”, afirmou. A indústria quer, segundo ele, que seja acatada a proposta do Consórcio PCJ, associação de usuários de água, de 18m3/s e que mesmo assim está abaixo do que a região vai precisar, segundo o Plano de Bacias aprovado no ano passado. O plano apontou que até 2020 a demanda por água na região será de 36m3/s (52% para abastecimento urbano, 29% para o industrial e 18% para o setor rural), sendo que a relação oferta/demanda já apresenta, em alguns trechos das bacias a obrigatoriedade do reúso.Isso significa que, além do Sistema Cantareira, a região terá que encontrar outras fontes de água. O secretário executivo do Consórcio PCJ, Francisco Carlos Lahoz, reconhece a apreensão do setor industrial em relação ao panorama futuro. “Temos nos reunido com o setor produtivo e há uma preocupação muito grande. É necessário grandes investimentos para garantir o desenvolvimento dessa região. Caso contrário, as empresas não virão para cá”, disse. Em encontro na semana passada com integrantes da Câmara Americana de Comércio (Amcham), empresários ficaram receosos com o panorama que ouviram.“A indústria avalia o potencial de consumo do Brasil ao decidir instalar uma planta aqui, mas quando os técnicos vêm para cá descobrem que não tem água. Como dar prosseguimento ao projeto?”, disse Thomas Reach, da RC Invest . O papel do Sistema Cantareira na oferta hídrica tanto para as Bacias PCJ como para a do Alto Tietê deixou os empresários apreensivos, o que levou a presidente do Comitê de Sustentabilidade da Amcham, a representante da empresa Avery Dennison, Camila Benedetti, a indicar que o comitê fizesse uma manifestação formal sobre o caso junto aos órgãos gestores.“O que me preocupa é que possamos não ter água para manter os investimentos que estão aqui, porque eles trouxeram pessoas que precisaram de moradia e de água, mas não acredito que chegaremos a perder investimentos por falta de água”, disse o presidente regional do Grupo de Líderes Empresariais (Lide-Campinas), Juan Quirós. Segundo ele, a região é atrativa para investimentos de tecnologia limpa, que levam em consideração o reúso, e nesse sentido a água não será empecilho. “Mas será para investimentos que dependem de água, como a indústria de bebidas, refinaria, agroindústria de cana, cosméticos, conservas. Para esse tipo de atividade não há espaço na região. A situação só não é ruim porque as empresas vem aumentando muito o reúso, por conta do alto custo do consumo”, disse. Mais 6 mil litros por segundo podem evitar colapso Foto: Cedoc/RAC Fábrica de cosméticos em Valinhos: setor, ao lado do de bebidas ou da agroindústria, é um dos que mais sofrem A região de Campinas terá que conseguir mais 6 mil litros de água por segundo até 2020 para garantir o seu desenvolvimento. Sem isso, será o caos. A situação já é delicada hoje porque para uma oferta por segundo de 38 mil litros há uma demanda de 35,5 mil litros, o que coloca a região perto do estresse hídrico. Toda água que precisa vem do Sistema Cantareira, mas o Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) acredita que não bastará conseguir mais água do sistema a partir de 2014, quando haverá a renovação da outorga. Será preciso que as cidades consigam autonomia de abastecimento, construindo, por exemplo, barragens municipais.O diretor do Ciesp-Campinas, José Nunes Filho, acredita que as represas poderão ser uma solução. “Não sou defensor da construção de represas, mas não vejo outra alternativa para aumentar a oferta de água. Elas devem vir acompanhada também de produção de água de reúso, com estações de tratamento de esgoto por membranas, para ofertar o produto às indústrias. E precisam ter áreas industriais próximas, porque o transporte dessa água pode encarecer a produção”, afirmou.Um programa para incentivar o represamento de ribeirões, onde for possível, está sendo delineado pelo consórcio. “Vamos procurar parcerias da Agência Nacional de Águas (ANA), do Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), da Secretaria de Recursos Hídricos para projetos e financiamentos de pequenas barragens”, afirmou o secretário executivo do consórcio, Francisco Lahoz. Segundo o coordenador, com o represamento, as cidades poderiam ter reservas para enfrentar os períodos de estiagem e garantir autonomia em relação às vazões do Sistema Cantareira. “Para poder fazer o reservatório, as cidades precisarão revitalizar os ribeirões, retirando o esgoto, cuidando da vegetação ciliar, e com isso a fauna e a flora retornarão a essas áreas. Os reservatórios permitirão o lazer, por exemplo, com a pesca”, disse. Ele lembra o exemplo de Santa Bárbara d’Oeste, que possui um conjunto de três represas, Areia Branca, de Cillo e São Luiz, que garantem a autonomia do município — o principal manancial da cidade é o Ribeirão dos Toledos, onde está o maior reservatório. Lahoz observa que a proposta é construir reservatórios que teriam pequenos impactos ambientais de área inundada, mas que permitirão que muitos municípios sejam independentes.