SEMINÁRIO DE URBANISMO

‘Falta cultura técnica para reocupar regiões centrais’

Avaliação é do coordenador do Cities LAB, do BID, Washington Fajardo

Edimarcio A. Monteiro/edimarcio.augusto@rac.com.br
07/05/2025 às 10:03.
Atualizado em 07/05/2025 às 11:26

Para o coordenador do Cities Lab, a atuação da poder público passa também por dotar a área central de equipamentos sociais para atrair novos moradores (Kamá Ribeiro)

O Brasil carece de cultura técnica para promover a reocupação das regiões centrais das grandes cidades. A avaliação foi feita pelo coordenador do Cities LAB, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, ao participar ontem do seminário “Novas Centralidades Urbanas”, em Campinas, evento que reuniu profissionais da área, gestores públicos, empresários e representantes da área acadêmica. Para o especialista, o afastamento dos moradores e empresas das áreas centrais é resultado da política expansionista do mercado imobiliário, que busca terrenos mais baratos no entorno das cidades para implantar novos empreendimentos.

Segundo ele, a atração do público passa por uma mudança na ação do poder público e integração com a iniciativa privada para viabilizar os investimentos, de acordo com a realidade de cada cidade. “Não existe uma receita pronta, mas os atores envolvidos precisam promover uma grande diálogo” em busca de uma projeto viável, disse Washington Fajardo, ex-secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro. As prefeituras, explicou, precisam fazer um amplo diagnóstico do Centro, incluindo número de prédios desocupados, patrimônio histórico existente e definição da política para reocupação dessas regiões.

Para o coordenador do Cities Lab, a atuação da poder público passa também por dotar a área central de equipamentos sociais para atrair novos moradores, nas áreas de saúde, educação e lazer. No caso da iniciativa privada, a participação envolve uma mudança de visão empresarial. “As incorporadoras não sabem hoje calcular o investimento necessário e o retorno que terão ao incluir um projeto na Lei do Retrofit. Com isso, preferem não arriscar e continuam investindo na política expansionista, que já conhecem”, afirmou o urbanista. 

SITUAÇÃO LOCAL

Ao participar do seminário, o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos) lembrou que a legislação local de incentivo para reocupação do Centro prevê incentivos fiscais para proprietários de imóveis os reformarem e para 85 atividades empresariais se instalarem nessa área, que pode incluir isenção total do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) por até 11 anos, se atendidos todos os requisitos previstos. Criada em 2022, a Lei do Retrofit atraiu até o momento quatro empresas ou serviços para se instalarem no Centro e outros quatro projetos estão em análise.

O mais recente empreendimento beneficiado foi uma empresa de tecnologia que instalou sua sede no Centro, inaugurada há cerca de 20 dias, onde atuam aproximadamente 300 colaboradores. O prefeito lembrou ainda as revitalizações da Avenida Campos Salles, da Rua José Paulino, a reforma do Mercado Municipal e os projetos para ocupação de uma área de 45 mil metros quadrados do pátio ferroviário e a instalação do Palácio da Cidade no prédio do antigo Fórum. Serão instalados no local 60 serviços públicos para a população, com previsão de atender cerca de 30 mil pessoas por mês. Além disso, a prefeitura prevê economizar R$ 2 milhões por ano com a saída desses equipamentos de prédios alugados. A previsão é que os trabalhos no Palácio sejam concluídos no início de 2026.

No próximo dia 17, Campinas sediará o II Encontro Brasileiro de Urbanismo em Áreas Centrais, com o objetivo debater políticas e práticas para a requalificação de áreas centrais nas cidades brasileiras. A cidade é a única não capital a fazer parte da Rede Brasileira de Urbanismo em Áreas Centrais, entidade de cooperação técnica entre municípios para colaboração de gestores envolvidos na reabilitação de centros urbanos. A entidade é formada também pelas prefeituras de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belém, Porto Alegre, Belo Horizonte e outras capitais.

OUTROS EXEMPLOS

No seminário “Novas Centralidades Urbanas”, promovido pela Arq.Futuro, plataforma criada para fomentar a reflexão sobre os desafios e inovações do desenvolvimento das cidades, foi abordada ainda a necessidade de novos empreendimentos contarem com equipamentos para evitar a locomoção das pessoas por grandes distâncias. O planejador urbano franco-colombiano Carlos Moreno, criador do conceito Cidade de 15 minutos, defendeu a proposta da população morar próxima ao emprego. “Não é uma questão de tempo, de 10, 15, 20 minutos, mas ter uma cidade onde as pessoas possam percorrer a pé e a admirar com os olhos”, disse.

Ele é professor da Universidade de Sorbonne, na Franca, e lembrou que Paris anunciou, em março, a criação de 500 novas ruas com jardim. “Não é abrir as ruas para os carros, mas para as pessoas, onde elas possam se encontrar, conversar, trabalhar, ir a restaurantes e ter acesso a outros equipamentos”, afirmou. Carlos Moreno citou que hoje há 40 cidades no mundo com projetos seguindo os princípios da Cidade de 15 minutos, entre elas Buenos Aires (Argentina), Bogotá (Colômbia), Quito (Equador) e Vancouver (Canadá). O planejador urbano é autor de um livro com o mesmo título do conceito, com versão em português sendo lançada ontem durante o evento.

Dário Saadi lembrou que essa é a proposta do Polo de Inovação e Desenvolvimento Sustentável (PIDS), que ocupará uma área de 17 milhões de metros quadrados no distrito de Barão Geraldo. O empreendimento inclui também o HUB Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e prevê a instalação de empresas de alta tecnologia e projetos residenciais e comerciais com preservação do meio ambiente. Segundo o prefeito, o urbanismo da área foi pensado na sustentabilidade e qualidade de vida. “Esse projeto deverá ser aprovado nas próximas semanas”, disse ele, sem fixar uma data. O projeto de lei do PIDS está em tramitação na Câmara Municipal para a segunda e última votação (mérito).

No seminário, também foi apresentado o exemplo de um empreendimento da iniciativa privada que começou a ser instalado ao lado de um shopping center, no Jardim das Paineiras. É um bairro planejado aberto com edifícios residenciais de padrões diferentes e também de escritórios, com a proposta das pessoas morarem e trabalharem na mesma área. O empreendimento terá ainda quatro parques e praças abertos também para moradores das proximidades. “A cidade não é só para os ricos ou só para pobres. É para todo mundo, idosos, crianças, mulheres, homens, Todas essas pessoas transformam a cidade realmente num lugar mais feliz”, afirmou a arquiteta portuguesa Margarida Caldeira, uma das idealizadoras do projeto.

Também foi mostrado o exemplo da recuperação ambiental do Córrego da Lagoa, localizado na região do Jardim São Marcos, iniciativa com a participação dos moradores, Fundação FEAC e Prefeitura de Campinas. A primeira etapa incluiu a entrega de uma praça, inaugurada há um ano, e inclui a criação de um parque linear, como parte do Projeto Desenvolve Amarais. “É preciso dar protagonismo aos moradores da região, ouvir o que têm a dizer e não chegar com uma solução pronta”, afirmou o presidente da FEAC, Renato Nahas.

Com esse envolvimento, a população se transformou em fiscal da praça e será envolvida também no futuro plantio de árvores e implantação de hortas comunitárias. “Nesta segunda edição, avançamos ainda mais nessa discussão, focando em exemplos concretos de sucesso no país e exterior e abordando pontos fundamentais, como a sustentabilidade”, explicou Tomas Alvim, cofundador da Arq.Futuro e organizador do seminário.

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