PIRATARIA

Falsificação de produtos gera prejuízo de R$ 31 bi na RMC

Danos causados por esse tipo de crime afetam o faturamento das empresas e a arrecadação de tributos, além de colocar em risco a saúde do consumidor

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
11/04/2023 às 08:41.
Atualizado em 11/04/2023 às 08:41
Bem organizadas, algumas quadrilhas falsificam tanto as mercadorias quanto os rótulos que as identificam (Divulgação)

Bem organizadas, algumas quadrilhas falsificam tanto as mercadorias quanto os rótulos que as identificam (Divulgação)

A bebida é o produto cuja falsificação mais cresce na Região Metropolitana de Campinas (RMC). Somente em 2022, a pirataria causou um prejuízo da ordem de R$ 31,05 bilhões na RMC, considerando perda de arrecadação tributária e de faturamento de empresas vítimas desse tipo de crime. A cifra é 19,31% superior à registrada no ano anterior, que foi de R$ 26,1 bilhões, de acordo com balanço divulgado na segunda-feira (10) pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). O total das perdas financeiras causadas pela adulteração de mercadorias é 3,4 vezes maior que o orçamento previsto para 2023 pela Prefeitura de Campinas (R$ 9,1 bilhões), uma das cidades mais ricas do Estado de São Paulo e do país.

"O item que mais cresceu no mercado ilegal foi o de bebidas falsificadas. Nunca recebemos tantas denúncias e nunca realizamos tantas operações com as autoridades para coibir o problema", relata o diretor de comunicação da entidade, Rodolpho Ramazzini. De acordo com ele, o tripé formado por Campinas, Americana e Limeira constitui um polo de adulteração de bebidas, semijoias e autopeças, que abastece o mercado clandestino de outras cidades paulistas e outros estados.

Um levantamento feito pelo Correio Popular com base em dados da Polícia Civil mostra que entre fevereiro de 2022 e este mês foram feitas 15 apreensões de produtos falsificados na Região Metropolitana de Campinas, das quais oito foram de bebidas alcoólicas. São cervejas e destilados, como uísque e tequila, vendidos no comércio e consumidos em festas, que podem colocar em risco a saúde e a vida das pessoas.

Perigos

"A bebida falsificada causa alguns danos à saúde. Pode ocasionar vômitos, dores abdominais, tontura ou sonolência. Em casos específicos, pode ocasionar problemas mais graves. O metanol, por exemplo, usado para batizar vodcas, pode causar cegueira permanente", alerta o hepatologista Juvenal Gomes. Em abril de 2022, uma fábrica de uísque falsificado foi estourada na região do Jardim São Judas Tadeu. Parte da bebida estava armazenada em um tonel originalmente de hipoclorito de sódio, solução usada frequentemente como desinfetante e alvejante.

"A presença excessiva desse produto no organismo pode levar a problemas relacionados à tireoide, além de afetar diretamente o sistema nervoso, o fígado e os rins. A longo prazo, pode até mesmo levar a um câncer, se o uso não for interrompido", ressalta o médico. Nessa operação, a Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) encontrou cerca de 30 litros da bebida, além de garrafas vazias, rótulos e selos falsos de marcas famosas. Segundo a Polícia, a bebida fajuta seria comercializada em redes sociais, adegas, mercados, bares, festas e boates a preço abaixo do mercado.

Um acusado preso no local disse que a garrafa era vendida a R$ 40, enquanto a bebida verdadeira chega a custar R$ 200. Mas, a ação dos fraudadores envolve também bebidas mais populares, em escala maior. Em quatro operações nos últimos 14 meses, policiais apreenderam 16,3 mil garrafas de cerveja adulterada na região. Na maior delas, 7 mil garrafas, que totalizaram 7,6 mil litros da bebida, foram encontradas em um depósito em Jaguariúna. O proprietário justificou que não sabia que o produto era falsificado e tinha nota fiscal da compra feita junto a uma distribuidora de Espírito Santo do Pinhal.

Há caso até de reincidência. No ano passado, os policias fizeram duas apreensões de cerveja falsa em um mesmo barracão no Jardim Itatinga, depois de denúncia feita pela fabricante das marcas famosas. A falsificação envolve até ramificações. Na Operação Aletheia, a Delegacia de Investigações Gerais (DIG) fechou dois locais em Campinas e Sumaré que faziam parte do esquema de adulteração, cada um cuidando de uma etapa. Em uma gráfica, eram produzidos os rótulos falsos, enquanto em outro prédio eram pintadas as tampinhas usadas na falsificação.

Participação

De acordo a ABCF, a Região Metropolitana de Campinas representa cerca de 20% de todo o volume de produtos falsificados e contrabandeados vendidos no Estado de São Paulo. A RMC ocupa o sétimo lugar no ranking nacional da pirataria, atrás apenas de seis capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Recife (PE) e Goiânia (GO). O prejuízo nacional com a falsificação e contrabando de produtos chegou a R$ 345 bilhões em 2022, com a região tendo uma participação de 9% do total.

Para Ramazzini, a localização das cidades facilita a recepção, fabricação e distribuição das mercadorias piratas. "Por se tratar também de um importante entroncamento rodoviário, por ter o Aeroporto de Viracopos e muitos armazéns e galpões industriais, isso facilita a operação", diz o advogado.

Segundo ele, os produtos contrabandeados são provenientes principalmente da China e entram no Brasil através do Porto de Santos e dos aeroportos de Viracopos e Cumbica, em Guarulhos, dois dos maiores do país. "As apreensões foram incrementadas drasticamente pela Receita Federal no último ano, mas muito ainda deve ser feito", diz o diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação.

O relatório da entidade mostra que entre janeiro de 2022 e o mesmo mês deste ano foram realizadas 1.243 operações contra a pirataria pelas polícias Civil, Federal, Rodoviária Federal e Receita Federal, média de 3,4 por dia, com o apoio ou a partir de denúncias da ABCF. O maior número de apreensões foi de cigarros contrabandeados, com 293 ações no total. Na segunda colocação do ranking aparecem as bebidas falsas, com 232.

A terceira posição é apreensões de autopeças (185 operações), seguida por roupas (130), máquinas, ferramentas e rolamentos industriais (87). O balanço da ABC aponta ainda ações contra a falsificação de defensivos agrícolas, produtos de limpeza, bolsas, produtos de higiene, medicamentos, cosméticos e perfumaria, materiais cirúrgicos/hospitalares, produtos ópticos, joias e charutos.

Reflexo

"São recursos subtraídos das empresas, tributos não arrecadados e empregos que deixam de ser criados", avalia o economista Eduardo Vieira Gouvêa, ao criticar o mercado nacional de produtos falsificados e contrabandeados. "As pessoas querem comprar produtos com o preço mais baixo, mas elas não se questionam sobre o valor ético dessa compra. Por trás de um produto muito barato, tem fraude, tem contrabando, tem pirataria, tem algo errado", completa.

"O fato de o governo federal não ter aumentado consideravelmente a dotação orçamentária no exercício dos últimos anos dos órgãos de combate a esse tipo de crime agrava ainda mais a situação", afirma o diretor da ABCF. "Isso causa desemprego, perda de arrecadação de impostos e risco à saúde e à segurança dos consumidores, visto que a maioria desses produtos ilegais se destina ao consumo humano direto ou indireto", pontua Ramazzini.

Entre as ações realizadas pela Polícia no último ano, foi providenciado o fechamento de uma fábrica de produtos dermatológicos falsos que funcionava no Jardim Guanabara, em Campinas. Ela produzia, por exemplo, creme antirrugas, que era comercializado através de sites pela metade do preço do produto original. A apreensão de roupas falsificadas também se destaca na região, com quatro operações em nove meses, entre junho de 2022 e março deste ano. No mês passado, 3 mil peças de produtos pirateados foram apreendidas em três lojas de Campinas, entre calçados, bonés e bolsas.

A realização da Copa do Mundo em dezembro passado também movimentou o mercado de produtos falsificados. Em uma ação em Indaiatuba, os policiais apreenderam 5 mil camisas, bonés e bermudas falsas da Seleção Brasileira. A fiscalização na loja ocorreu a partir de denúncias dos fabricantes homologados. Além de vender no estabelecimento, o acusado também comercializava os itens pirateados em redes sociais e sites.

Ramazzini vê nas mudanças nos governos estadual e federal uma oportunidade para ampliar o combate à pirataria. De acordo com ele, a administração paulista já sinalizou com a intenção de ampliar as ações contra os produtos falsificados e vê com bons olhos a intenção de a União de taxar as compras em sites de itens importados. O diretor da ABCF defende ainda a retomada do Sistema de Controle de Bebidas (Sicobe), suspenso desde 2016, para permitir a rastreabilidade das matérias-primas do produto, o que contribuiria para combater a falsificação.

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