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Estudo revela que Brasil ganha igreja a cada hora

O fenômeno é relativamente recente, e tem até nome. As "microigrejas", ou "garagens divinas" têm tomado conta das periferias do País

Inaê Miranda
inae.miranda@rac.com.br
02/04/2017 às 15:05.
Atualizado em 22/04/2022 às 19:49

Cidinha Vaz, de 65 anos, abriu igreja na garagem de casa após uma visão profética: cultos da Paz, Amor e Esperança em Cristo reúnem 20 fiéis (Patrícia Domingos/AAN)

Após a visão profética de uma Bíblia, sobre a qual estava escrito “Paz, Amor e Esperança”, a missionária Cidinha Vaz, de 65 anos, decidiu fundar a sua primeira igreja, batizada com o nome revelado por Deus para o seu ministério, como ela mesma conta. A primeira experiência foi no Mato Grosso do Sul, em parceria com uma missionária amiga. De volta a Campinas, em 2008, fundou a segunda igreja, com o mesmo nome, no bairro Jardim Santo Antônio. Manteve a atividade religiosa por três anos, mas, por problemas pessoais, decidiu baixar as portas. Há dois meses, em um novo endereço, no Parque Vista Alegre, Cidinha reabriu a igreja na garagem de sua casa. Ainda não colocou a placa com o nome, mas já tem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e recebe uma média de 20 fiéis nos dias de culto. Em menos de 200 metros, funcionam outras duas igrejas evangélicas: a Igreja do Evangelho Quadrangular, no endereço há cerca de dois meses, e a Igreja Evangélica Pentecostal Fruto do Espírito, que também funciona em uma garagem. O fenômeno até já recebeu nome. São as chamadas “microigrejas” ou “garagens divinas”. A multiplicação dos templos religiosos no País não é uma cena incomum nos últimos anos. Levantamento da Receita Federal aponta que de janeiro de 2010 a fevereiro de 2017 um total de 67.951 entidades foram registradas no País como organizações religiosas — uma média de uma nova igreja fundada a cada hora no Brasil. Em São Paulo, no mesmo período, foram feitos 17.052 novos cadastros na Receita Federal, entre igrejas matrizes e filiais. A Paz, Amor e Esperança em Cristo, que tem o objetivo de expandir as atividades, já conta com a sua primeira filial em Campinas, no Jardim Santo Antônio 2. “Nós já temos outra igrejinha também. A missionária tinha um ponto de pregação na casa dela e reativou”, conta Cidinha. Ela ressalta que sua igreja é legalizada. “Não é clandestina. Tem CNPJ. Tenho um projeto para Deus, não é projeto para arrancar dinheiro do povo”, afirma ela, que deseja realizar futuramente projetos sociais com idosos e com crianças. No momento, a igreja ainda enfrenta dificuldades financeiras, já que é financiada basicamente com o dízimo de alguns missionários, pregadores e fiéis e com doações de roupas e objetos. Além do gasto com a reforma da garagem no valor aproximado de R$ 4 mil, a missionária contribui com a manutenção da igreja. “Até o presente momento tenho colocado o meu dinheiro na obra de Deus. Eu, a missionária Izabel, Renata, nós pagamos nossos dízimos. O meu dá R$ 100, o da Renata dá R$ 100, a missionária Izabel dá R$ 100. O meu dá muito mais porque invisto aqui. Aí você recebe ofertinha. Tem dia que dá R$ 3”. A missionária diz saber de muita igreja que abre com a intenção de obter vantagens. “Não quero pecar nessa parte, mas a gente sabe que sim. Eu vejo uma igreja grande, se foi aberta sem fim lucrativo, o que entra tem que ser dividido com alguém. Aqui, por exemplo, faz dois meses que abrimos e já doei uma cesta básica, já doei dinheiro para uma moça que estava precisando”, conta. Questionada sobre o aumento de igrejas, a missionária diz concordar que há muitas. “Concordo que tem igreja demais sim, mas prefiro igreja a bares e pontos de drogas.” Explicações Entre as explicações para o fenômeno está a facilidade para a abertura de novas igrejas, como afirma o professor Edin Abumanssur, sociólogo da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e estudioso da religiosidade popular, entre elas o pentecostalismo. “Não tem muita burocracia para abrir uma igreja. Esse dado pode ser um dos responsáveis pelo número”, explica. Ele também aponta o fortalecimento do movimento pentecostal e a pulverização de grupos que já existem. “O pentecostalismo é um modelo de igreja que tem crescido muito. O que estamos assistindo talvez não seja nem tanto o crescimento, mas uma pulverização do pentecostalismo. Essas garagens divinas, microigrejas, têm se tornado padrão. Vai ter igrejas dessas com 30 pessoas”, diz. Os efeitos da crise econômica, de certa forma, contribuem para o fenômeno, mas por si só não o explica, segundo Abumanssur. “O que leva a pessoa buscar a religião não é só a crise econômica. Na verdade, tem uma crise de sentido para as coisas, crise para a vida, crise de confiança. É uma crise muito maior, uma falta de rumo.” Ele afirma que “na doença, na saúde, na pobreza, na riqueza, a religião sempre vai crescer”, mas em momento de crise um tipo de igreja, da “religião mágica”, vai crescer mais que outras. “Não só evangélica, a religiosidade mágica, que expressa falta de confiança nas alternativas racionais do estado, emprego, segurança, falta de perspectiva no futuro, que é aspecto racional. Quando o Estado funciona bem e fornece essas garantias, a busca por alternativas mágicas é menor.” Presbítero da Diocese Bragança Paulista e professor da Faculdade de Teologia da PUC-Campinas, José Antônio Boareto ressalta que o crescimento do número de igrejas se dá sobretudo na região Sudeste, nos contingentes de grande população, como São Paulo e Rio de Janeiro. Ele também cita o processo do pentecostalismo que vem assumindo uma característica global, mas foi na periferia que conseguiu maior espaço inicialmente — fenômeno que vem ocorrendo desde o período militar. De lá para cá, vem atraindo principalmente os negros e pobres que encontraram no pentecostalismo o empoderamento, lugar de resistência. Sem o poder econômico ou social, os seguidores passam a ter o poder do Espírito Santo. A rede de solidariedade forte entre os pentecostais, a cultura da filantropia e da solidariedade mecânica também levam ao crescimento do segmento, segundo o professor. “Os neopentecostais se apropriam da realidade, mas de forma gospel”, diz ele citando como exemplo a Igreja Bola de Neve. Já a Igreja Católica e as igrejas históricas tendem a perder espaço nesse movimento de expansão porque não conseguem se adequar à dinâmica da vida moderna. “Mas as igrejas históricas estão procurando se adaptar através da vertente pentecostalista.” Também dentro desse processo alguns estudos analisam o crescimento de igrejas pentecostais como Assembleia de Deus, como “sistema de franquia” e ainda organizada em forma de “dinastia”. Prosperidade Reitor da Fatun Educação e Teologia e presidente da Ordem Federal de Teólogos do Brasil, Jorge Leibe de Souza Pereira vê outras explicações para o fenômeno, entre elas o fortalecimento da teologia da prosperidade, que prega a qualidade de vida, levam as pessoas a aspirarem coisa melhor, não na eternidade, mas no presente. Ele também diz que esse movimento de novas igrejas é principalmente local. “São igrejas independentes das igrejas tradicionais, em função da liberdade religiosa, das pessoas que desejam evangelizar, mas não precisa estar regido por uma organização tradicional com regras mais rígidas, em que os pastores e obreiros são submetidos a uma série de normas podendo sofrer inclusive sanções.”

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