São 22 ações deste tipo cometidas por estudantes e ex-alunos em 23 unidades de ensino desde 2002
Ataque registrado na Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona sul da capital paulista, causou comoção em professores, estudantes, funcionários da unidade e perplexidade em todo o País (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Um estudo do Instituto de Estudos Avançados (IdEA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), indica que cresceu no último ano a frequência de ataques praticados por estudantes e ex-estudantes em escolas. O estudo, que ainda está em andamento, chamado de "Ataques de violência extrema em escolas no Brasil", aponta que desde 2002 foram registrados 22 ataques cometidos por estudantes e ex-estudantes em 23 escolas, sendo que nove deles ocorreram em menos de um ano, do segundo semestre de 2022 até agora. O último aconteceu na segunda-feira (27), em São Paulo, e culminou na morte de uma professora de 71 anos, através das mãos de um adolescente de 13 anos.
Em menos de um ano, dos nove ataques registrados, sete foram em 2022 e dois este ano, com sete vítimas fatais. Ao todo, os 22 ataques vitimaram 36 pessoas. Foram 24 estudantes, cinco professoras, dois profissionais de educação e cinco atiradores. Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), foram dois ataques, um no ano passado, em Americana, e outro em Monte Mor, no dia 13 de fevereiro deste ano. Não houve vítimas fatais. A contagem não inclui os ataques que foram impedidos, os que foram realizados por adultos e os não planejados, ocorridos no momento de uma briga. São menos ataques do que escolas porque em um deles, na cidade de Aracruz-ES, o agressor atacou duas unidades.
A maioria praticou o ato de violência de maneira individual, apenas em três casos o ataque foi feito por duplas. O mais jovem tinha 10 anos e o mais velho, que já era ex-aluno, 25. Mais da metade dos ataques, 12, utilizaram armas de fogo. Metade deles tinham a arma em casa, quatro compraram de terceiros e dois a origem desconhecida.
O estudo está sendo coordenado por Telma Vinha, que é professora da Faculdade de Educação e Coordenadora do grupo "Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública", do IdEA, da Unicamp, e pela advogada Cleo Garcia, especialista em Justiça Restaurativa e mestranda da Faculdade de Educação da Unicamp. As duas são integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Unesp e Unicamp.
Cleo Garcia disse à reportagem do Correio Popular que o aumento exponencial nos ataques em escolas têm diversos motivos, como o maior acesso à internet, às armas e aos discursos extremistas e de ódio, que levam jovens à radicalização. Muitos deles se inspiram em outros ataques cometidos, dentro e fora do Brasil, e costumam anunciar antes em fóruns, grupos ou nas próprias redes sociais a intenção de cometer o atentado.
"Tudo isso está muito amarrado. Há um termo cunhado recentemente, terrorismo estocástico. É um terrorismo montado. Você não sabe quando vai acontecer, mas sabe que vai acontecer. Uma pessoa faz um discurso perigoso, incentiva, e a pessoa que comete o ato é como se fosse uma arma na mão da pessoa que faz esse discurso. Quando a pessoa vai ser punida, às vezes ela nem sabe o porquê fez aquilo, mas já foi aliciada, algumas vezes inconscientemente".
O estudo busca entender por quais razões os ataques acontecem nas escolas. Se a intenção é apenas matar pessoas, há locais mais populosos que as escolas, porém, geralmente esses estudantes e ex-estudantes voltam ao local de ensino para praticar o ato.
"A maioria alega ter sofrido bullying. Como são adolescentes, nós não temos acesso aos processos, pois é protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por um lado isso não expõe o menor, mas às vezes não temos alguma informação importante que ajudaria a detectar o que aconteceu. Você vai em escolas, principalmente particulares, e dizem que não há bullying, mas quando você ouve os amigos descobre que há, sim, bullying. Temos uma lei antibullying de 2015. O que tem sido feito nas escolas a partir dessa lei? Estou sempre nelas e você não encontra programas, conversas sendo disseminadas sobre o tema. No grupo de estudos que participo na Unicamp há um estudo sobre isso, sobre convivência escolar, formas de criar espaços mais saudáveis nas escolas, mas infelizmente acho que não existe vontade política para que isso ocorra na nossa educação."
Cleo explicou que em muitos casos o crime praticado é uma imitação, ou seja, o autor inspira-se em casos de ataques dentro e fora do Brasil. Um dos esforços que deve ser feito é o de ficar atento aos sinais de que o adolescente está passando por um processo de radicalização e extremismo, ou está sendo alvo de bullying. A ideia de muitos, é tornar-se uma espécie de mártir entre os extremistas, mesmo que não morram, mas por isso grande parte planeja os ataques já pensando em suicídio.
Antigamente, esse tipo de discurso era mais facilmente encontrado na "deep web", em fóruns específicos. Agora, há conteúdos semelhantes nas redes sociais mais famosas e acessadas - o que gera um grande debate sobre liberdade de expressão e regulação de conteúdos nas redes. Muitas crianças e adolescentes são cooptados por encontrarem em grupos radicais um sentimento de inclusão, uma sensação de pertencimento, enfim, depois de muita rejeição.
"É preciso olhar para todas as nuances que formam esse tipo de adolescente, e uma delas é a misoginia, o machismo. Os aliciadores sabem como observar o ponto fraco do adolescente, pelo tipo de diálogo e pelas informações expostas na rede. Descobre, por exemplo, que o menino está sendo desprezado por uma menina e faz o discurso de ódio de que meninas não prestam e aí aquela criança sente que achou o seu lugar".
Para ela, é difícil capacitar os professores porque, na realidade, não há investimento destinado a eles, portanto não há uma preparação adequadamente realizada para que a categoria esteja capacitada a perceber todos os sinais e agir da melhor maneira. Cleo acredita que toda a sociedade, incluindo os educadores e a família, precisa trabalhar melhor as competências socioemocionais e o acolhimento para evitar que os casos continuem crescendo.
"É um conjunto envolvendo a prevenção, o cerceamento desse tipo de divulgação e de comportamento e cuidar daquilo que já aconteceu. Como as vítimas são cuidadas? O que será feito com o adolescente que vai cumprir três anos e voltar para a sociedade? São três atos que, infelizmente, não temos capacidade hoje no Brasil".
Ataque de segunda
Na segunda-feira (27) pela manhã, uma professora de 71 anos foi assassinada e mais quatro pessoas, três professoras e um aluno, ficaram feridas, após um adolescente de 13 anos executar um ataque em uma escola estadual de São Paulo. O autor foi desarmado por duas professoras antes que pudesse fazer mais vítimas. Uma educadora está internada em observação após passar po’’r cirurgia. O quadro dela está estável. Os demais feridos receberam alta ainda na segunda-feira.
O garoto teria publicado nos últimos dias mensagens em redes sociais com algumas informações sobre o que pretendia fazer, além de comentários relacionados a outros ataques realizados. O perfil dele tinha uma homenagem a um dos autores do massacre na cidade de Suzano-SP, em 2019, e a máscara utilizada foi a mesma, uma caveira que é atribuída a um grupo terrorista e neonazista dos Estados Unidos. Em uma das interações, outro perfil se diz orgulhoso da ação e se coloca como "mentor" do adolescente.