O pesquisador José Módena, coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes, do Instituto de Biologia da Unicamp: casos estudados ocorreram entre abril e maio de 2020 (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)
Um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprova que pessoas contaminadas por covid-19 podem ser reinfectadas por variantes do mesmo vírus que circulava no começo da pandemia no Brasil. Antes, pensava-se que uma nova infecção só poderia ocorrer com as novas linhagens, mais agressivas do vírus, como a P1 de Manaus ou as do Reino Unido e África do Sul. A descoberta é um alerta para que todos reforcem as medidas de distanciamento social e os demais protocolos de segurança.
O estudo foi conduzido pelo Laboratório de Pesquisas sobre Vírus Emergentes do Instituto de Biologia (IB) da (Unicamp). Para se chegar a esta conclusão, o laboratório investigou casos de reinfecção ocorridos em 2020 entre funcionários do Hospital das Clínicas da Unicamp. Até então, os casos de reinfecção pela covid-19 em sua maioria estavam associados à exposição das pessoas infectadas no país à presença de novas linhagens do vírus, ou a variantes de preocupação. A P1 ou cepa de Manaus, que surgiu no Brasil após o primeiro pico da doença, é um exemplo de variante de preocupação.
Essas variantes carregam mutações na proteína Spike que é a responsável pela entrada do vírus nas células humanas e acabam sendo mais transmissíveis e dificultam as células da pessoa infectada a dar uma resposta imunológica eficaz contra a doença.
Diante dos resultados, o estudo conclui que a continuação das medidas de proteção, bem como os esforços para monitorar, rastrear exposições e identificar áreas de alto risco de infecção, são fundamentais para a redução da reinfecção pelo coronavírus. Especialmente entre os profissionais da saúde que são considerados os mais expostos ao contágio.
"É o primeiro relato de reinfecção com as duas linhagens mais prevalentes no início da pandemia no Brasil, a B1.1.28 e a B.1.1.33. Essas que estão sendo substituídas pela P.1 A P.1 foi originada da B.1.1.28", disse o pesquisador José Módena, coordenador do Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes, do Instituto de Biologia da Unicamp.
O Estudo
De acordo com Módena, o estudo considerou as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) que apontam uma provável reinfecção, casos de positividade com mais de 45 dias de intervalo, e com um teste negativo entre eles.
Os casos de infecção estudados ocorreram entre abril e maio de 2020 e foram detectados através de testes PCR em quatro funcionárias mulheres do Hospital das Clínicas da Unicamp. Três delas enfermeiras.
As quatro pessoas tiveram sintomas e se recuperaram da primeira infecção após um período de 10 a 20 dias. Após os sinais e os sintomas resolvidos, os funcionários foram submetidos a novos testes PCR que deram negativo.
Pelo estudo da Unicamp, a reinfecção nas quatro funcionárias foi confirmada por novos testes entre 55 e 170 dias após o início dos sintomas da primeira infecção, ou seja, de dois a três meses após a primeira contaminação.
Os sinais e sintomas de reinfecção duraram de nove a 23 dias, aproximadamente o mesmo período da primeira infecção. Apenas em um dos casos estudados a paciente apresentou em seu estado de saúde uma bronquite crônica. Porém, nenhum deles necessitou de internação, tanto no primeiro quanto no segundo episódio de contaminação.
No estudo foram realizados o sequenciamento genético para a classificação das amostras do vírus. Nele foi identificado linhagens parecidas das variantes que já circulavam no país, e em nenhuma delas as chamadas linhagens de preocupação.
O pesquisador reitera que, embora essas variantes encontradas nos casos pesquisados não tenham as mutações de preocupação encontradas na variante P.1, ou nas variantes do Reino Unido, ou da África do Sul, elas possuem algumas mutações na proteína de superfície que chamaram a atenção.
"É preciso ficar de olho. Na verdade, conseguimos sequenciar os dois casos em apenas um profissional. Os vírus não foram idênticos, mas muito parecidos, incluindo o mesmo padrão de mutações não sinônimas em proteínas virais importantes. Encontramos uma mutação no vírus que ainda não foi descrita como uma variante de preocupação, mas que a gente achou. Então vale a pena ficar olhando daqui para frente para ver se essa mutação vai se tornar frequente", explica.
‘Foi uma experiência horrível’, diz enfermeiro infectado
Apesar de serem os profissionais que mais possuem esclarecimento quanto a necessidade dos cuidados em relação a covid-19, muitos profissionais da saúde ainda convivem com o medo de serem infectados e outros com o temor da reinfecção.
É o caso do enfermeiro Geraldo Soares, 49 anos, que trabalha na linha de frente do combate à pandemia no Hospital Beneficência Portuguesa. Ele conta que ficou 12 dias internado e ainda convive com as sequelas deixadas pela doença.
"Foi uma experiência horrível. Não cheguei a ser intubado, mas foi por muito pouco. Foram oito dias de Unidade de Terapia Intensiva e um pré-tubo", disse.
A infecção por covid-19 ocorreu no início deste ano. "Consegui passar ileso quase todo o período, mas apesar de todo o cuidado a exposição é muito grande", conta.
Soares explica que agora convive com as sequelas da doença, que para ele afetaram a memória. "Sinto ainda muita dificuldade para me lembrar de coisas básicas. É muito ruim", disse.
A presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos em Serviço de Saúde de Campinas e Região (Sinsaúde), Sofia Rodrigues do Nascimento, informa que dados nacionais sobre a categoria de enfermagem apontam para mais de 600 mortes causadas pela covid-19 entre esses profissionais no país. "Se pensarmos nos trabalhadores da saúde de todos os níveis esse número certamente triplica. Foi muita gente infectada que teme pegar a doença novamente", conclui.