POLÊMICA NA REDE

Estudantes ironizam bloqueio parcial de acesso à internet

Alunos reagem com deboche, pois, segundo eles, wi-fi mal funciona nas escolas

Bianca Velloso/ [email protected]
10/03/2023 às 09:39.
Atualizado em 10/03/2023 às 09:39
Estudantes da rede estadual em frente a colégio em Campinas: especialistas em educação criticam valor pedagógico da decisão de bloquear o acesso às redes sociais e aplicativos (Kamá Ribeiro)

Estudantes da rede estadual em frente a colégio em Campinas: especialistas em educação criticam valor pedagógico da decisão de bloquear o acesso às redes sociais e aplicativos (Kamá Ribeiro)

A decisão da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc) de bloquear o sinal de internet via cabo ou Wi-Fi a aplicativos de entretenimento e redes sociais nas escolas da rede estadual virou objeto de chacota entre os alunos. Diante da polêmica instalada, eles desdenham da decisão, dado que reclamam que sequer conseguem acessar a rede de internet, que na maioria das vezes não funciona. Mesmo assim, o acesso ainda poderá ser feito pelo pacote de dados dos celulares, limitando o alcance da medida adotada pelas autoridades pedagógicas do Estado. Por sua vez, especialista na área da educação critica duramente a medida do governo estadual de bloquear o sinal de acesso a conteúdos que, segundo a Seduc, podem atrapalhar o desempenho escolar.

Segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), o bloqueio se dá por meio de um código de programação no aparelho provedor da internet de cada escola. A medida foi implantada de forma discreta no início do ano letivo de 2023. A determinação é válida para as 5.300 escolas da rede estadual e afeta mais de 3.3 milhões de estudantes. Em Campinas, existem 165 escolas, que comportam 114 mil alunos.

Segundo as autoridades, o objetivo é focar no desenvolvimento da aprendizagem de qualidade, sem que haja dispersão para conteúdos considerados inapropriados. Esses conteúdos são redes sociais e plataformas de entretenimento, como Tik Tok, Facebook, Instagram, Twitter, Netflix e Globoplay. O acesso está suspenso somente via Wi-Fi ou internet via cabo. Consequentemente, os estudantes poderão continuar acessando normalmente esses conteúdos via pacote de dados de seus celulares.

Questionados sobre a polêmica, os estudantes de uma escola da rede estadual de Campinas disseram que sequer conseguem conectar na rede da escola para acessar qualquer site e que, por vezes, a rede nem aparece para conectar. Mel, 14 anos, afirmou que não tem Wi-Fi na escola em que estuda. "Quando algum professor pede alguma pesquisa para fazer na sala, quem não tem internet no celular tem que se virar para fazer", relatou a jovem.

Isabella, 14 anos, disse à reportagem do Correio que conseguiu a senha de acesso para a rede destinada aos professores, mas que a rede não carrega nenhum aplicativo. "Não roda, é bem difícil carregar qualquer coisa", relatou a jovem. Os amigos de Isabella citaram o exemplo de uma atividade que tiveram que fazer na tarde de quinta-feira (9). "Tivemos que fazer uma pesquisa na aula de ciências, mas não tem wi-fi na escola.

Eles precisam liberar para a gente usar", reivindicou Maria Clara de 14 anos. Alex Monteiro, 19 anos, disse que constantemente os professores pedem que os alunos façam pesquisa na internet, mesmo que a escola não ofereça internet, conforme eles mesmos relataram. "Os professores também pedem coisas via whatsapp", disse o aluno. Vale lembrar que o whatsapp é um dos aplicativos bloqueados pela determinação do governo.

Para a pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Danila Di Pietro, a medida não irá fazer com que os jovens deixem de acessar as redes sociais nas escolas, uma vez que a medida proíbe o uso via Wi-Fi e cabo de rede, mas os jovens podem acessar via dados móveis. "É tapar o sol com a peneira. É imaturo pensar que vão conseguir proibir dessa forma", apontou a pesquisadora que é especialista em relações interpessoais na escola.

Para ela, uma educação atualizada deve incorporar fatos atuais em sua pauta, sendo que o celular é uma delas. "Ele pode ser utilizado para colaborar com a aprendizagem como ferramenta, por meio de aplicativos, por exemplo. Muitos perfis podem engajar os jovens a construir um mundo mais justo", sugeriu Danila, que entende que o celular faz parte da vida contemporânea e, portanto, traz à tona a discussão de que, nos dias atuais, a convivência deixou de ser apenas física e passou a ser on-line. Para ela, a personalidade de alguém é construída em grupos de redes sociais. "Precisamos falar sobre isso e não censurar", aconselhou. 

Com relação às trocas que existem nas redes sociais que, eventualmente, podem contribuir para a formação das pessoas, a pesquisadora acredita ser urgente debater essa questão. "O modo como a convivência, a própria vida tem sido tecida nas redes é uma pauta urgente de reflexão, já que elas provocam emoções e essas espalham aqui no mundo físico. Veja nossas estatísticas de saúde mental", sugeriu Danila. Para ela, proibir o uso de redes sociais é vetar algo que exige atenção.

A pesquisadora especialista em relações interpessoais apontou que a essa medida de bloqueio escancara a falta de diálogo no campo das instituições educacionais. "Acaba reforçando que a escola não dialoga com a juventude e nem com os tempos atuais. Pior do que isso, reforça que prefere censurar a dialogar", pontuou Daniela. 

Para a pesquisadora da Faculdade de Educação da Unicamp, esse bloqueio não vai funcionar. "Esse bloqueio nasce morto. Não vai funcionar, porque os estudantes irão usar os dados móveis quando tiverem. Ele reforça a ideia de que a escola é autoritária e não dialoga com o mundo real ou com a juventude e que prefere usar de censura ao diálogo", disse. Ela sugeriu que é preciso incluir os jovens na busca de uma solução para esse problema, através de rodas de conversa, grupos de trabalho entre adultos e jovens, de modo a construir soluções conjuntas.

Em nota, a Seduc-SP defendeu que esse bloqueio do acesso a determinados aplicativos e plataformas não inviabiliza o uso de seu conteúdo para fins pedagógicos em sala de aula e que não afeta o planejamento de disciplinas do currículo paulista. "Não há nenhuma restrição para análise, releituras, discussões e reflexões sobre as redes sociais e temas abordados nelas", esclareceu a nota.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo disse ainda que apoia o uso das tecnologias e aplicativos na rede estadual, com o foco no fortalecimento das práticas pedagógicas. "Existem diversas ferramentas e tecnologias educacionais que podem ser utilizadas para enriquecer o processo de ensino e aprendizagem, e por isso disponibiliza o Centro de Mídias SO e o Diário de Classe SP", explicou nota. A pasta possui parcerias com o Google e Microsoft, para a disponibilização de softwares e ferramentas para serem utilizados na rotina de aprendizagem dos estudantes da rede estadual, de acordo com a programação do plano de ensino. 

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