TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Estado sanciona lei para avaliação individualizada de estudantes com TEA

Lei pretende garantir acesso e permanência de alunos autistas e com outros transtornos globais de desenvolvimento

Da Redação
29/09/2023 às 14:15.
Atualizado em 29/09/2023 às 14:15
A falta de amparo do poder público levou Rosangela, mãe de Danilo, autista nível três, a criar um grupo pioneiro de pais para conscientizar a população (Alessandro Torres)

A falta de amparo do poder público levou Rosangela, mãe de Danilo, autista nível três, a criar um grupo pioneiro de pais para conscientizar a população (Alessandro Torres)

O Governo do Estado de São Paulo sancionou na semana passada a Lei 17.759/23, que cria o Protocolo Individualizado de Avaliação (PIA), a fim de garantir o acesso escolar e a permanência de alunos que têm transtornos globais de desenvolvimento, incluindo pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A Lei, que é válida para escolas públicas e privadas do Estado, determina que as atividades e avaliações devem ser adaptadas para facilitar a compreensão e o bom desempenho desses alunos.

A Lei abarca todos os alunos matriculados nas instituições de ensino do Estado, desde o ensino fundamental I até a educação superior, passando pelo ensino técnico, tecnológico e profissionalizante.

Para terem direito ao Protocolo Individualizado de Avaliação (PIA), os estudantes ou responsáveis precisarão fazer um pedido, indicando a CID (Classificação Internacional de Doenças), anexando o laudo que atesta o seu transtorno e indicando suas necessidades especiais.

Ainda de acordo com o texto da nova norma, os professores poderão simplificar e fragmentar suas atividades para facilitar a compreensão. Eles também estão autorizados a adaptá-las para que sejam respondidas por meio de exercícios práticos ou trabalhos escritos e orais.

ESCOLAS MUNICIPAIS

No que compete ao município, a Secretaria Municipal de Educação disse que já garante avaliações individuais aos alunos com Transtorno do Espectro Autista e outros transtornos globais como parte da política pedagógica da rede municipal de ensino. Ela também afirmou que oferece todos os recursos e faz o atendimento levando em consideração a especificidade de cada estudante. 

“As avaliações pedagógicas são realizadas pela equipe escolar e indicam se o aluno precisa de serviços como: cuidador, transporte adaptado, atendimento em salas de recursos, materiais adaptados, entre outros”, explicou a Secretaria em nota. Atualmente, a Rede Municipal de Educação tem 68 mil alunos matriculados, sendo 2.083 na Educação Especial e, deste número, 1.061 são autistas.

O APOIO VEM DA FAMÍLIA

Mesmo com as iniciativas recentes por parte do Poder Público, há um déficit antigo de acompanhamento a esses estudantes com TEA, com pais, mães e responsáveis tendo que se desdobrar para fornecer o auxílio que falta. 

Em dezembro de 2013, um grupo de pais criou a Amor Azul, em Campinas. Motivados pela Lei Berenice Piana 12.764/12, o objetivo era fazer força representativa junto ao poder público e privado. No primeiro ato, a entidade apoiou a Ação Civil Pública dos Autistas de São Paulo que determinou o Estado a custear tratamento, escola e transporte especializado através de convênios. Com o reconhecimento do TEA como uma deficiência, a busca do grupo era por condições dignas de reabilitação especializada fora dos locais comuns às pessoas com transtornos mentais. Na época, a única instituição conveniada ao estado já contava com mais de uma centena de pessoas em fila de espera.

A aposentada Rosangela Alves Soares Rosa, de 58 anos, fez parte desse grupo pioneiro, que chegou a ter 70 pessoas e realizou palestras e a primeira caminhada de conscientização sobre autismo no município. Ela é mãe de Danilo Soares Rosa, autista nível três, que hoje tem 21 anos. De acordo com definições médicas, autistas de nível três estão no grau mais severo do transtorno, apresentando dificuldades graves no seu cotidiano e com uma resposta mínima a interações com outras pessoas. Eles ainda sofrem ao lidar com mudanças, sentindo grande aflição quando precisam trocar de atividades. Os seus comportamentos repetitivos já interferem marcadamente em todas as esferas da sua vida.

Enquanto mãe, Rosangela disse que sente ter atingido sua melhor versão ao lidar com o filho. “Ele é minha maior motivação pra continuar aprendendo formas de lhe dar mais qualidade."

Hoje, longe da escola regular por já ter alcançado a maioridade, ela encontra apoio na Associação para o Desenvolvimento dos Autistas em Campinas (Adacamp).

A própria instituição também nasceu pelo protagonismo da família. Por não encontrarem atendimento especializado para seus filhos, nove pais fundaram, em 1989, a instituição. Desde então, em um crescimento contínuo, a entidade atende cerca 200 de pessoas de Campinas e Região, entre crianças e adultos.

“Ainda não contamos com esforços que proporcionem, a cada nível de suporte, um plano pedagógico individualizado e acompanhante terapêutico”, avaliou a mãe. “Não entenderam ainda que embora os autistas apresentem comportamentos desafiadores e dificuldade na comunicação, existe a capacidade de aprender quando usamos a metodologia adequada, com apoios visuais e adaptações, e utilizando temas do foco de interesse daquela criança. Até mesmo os adultos têm condições e direito ao aprendizado ao longo da vida.”

Rosângela ainda afirmou que a maioridade não é empecilho para aprendizagem continuada. 

"Todos nós estamos em busca de autonomia e independência. Com os autistas adultos não é diferente, principalmente aqueles que não tiveram diagnóstico ou estimulação precoce e acesso ao atendimento especializado em sua fase escolar.

A formação de espaços terapêuticos e de convivência em 'centros dia' é um alento a nós, pais, e um sonho de que nossos filhos podem encontrar no acolhimento social alguma forma de rede de apoio caso faltarmos”, contextualizou.

REALIDADE DURA NAS ESCOLAS

Uma professora da rede estadual que pediu para não ser identificada, e que a reportagem chamará de Suzana, relatou uma rotina aterradora e que caminha longe da inclusão.

“Dentro da minha realidade, vejo que os alunos que apresentam grau alto de TEA são tratados de maneira infantilizada, como se fossem severamente menos capazes do que os outros." 

Segundo ela, raramente são disponibilizadas atividades adequadas a esses alunos e, quando acontece, é uma atitude individual do professor e não uma orientação geral. Nos casos em que o grau de TEA é leve, a professora disse que eles são frequentemente tratados como “preguiçosos e dramáticos”. “É comum que esses alunos estejam marginalizados e acabem perdendo o interesse, justamente pela falta de acolhimento”, explicou.

“A sensação que temos é a de total abandono por parte do poder público. Lidamos cotidianamente com casos dificílimos na escola, advindos tanto de alunos com TEA, quanto de alunos com outras demandas, e quase sempre a resposta que obtemos dos órgãos governamentais quando procuramos revolver uma questão é insatisfatória e inadequada."

Sobre a medida do governo estadual, ela avaliou com desânimo. “Em fevereiro o governador havia vetado esse projeto e somente agora, após os deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) derrubarem o veto, o projeto foi sancionado. Gostaria de ter esperança de que as pessoas com TEA fossem plenamente acolhidas, mas considerando tudo o que eu e meus colegas estamos passando, essa esperança em relação a qualquer melhoria na educação é inexistente”, afirmou.

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