TRATAMENTO

Estado amplia vagas para hemodiálise no HC, mas rede pública segue sobrecarregada

Governo estadual abriu nove das 60 vagas prometidas para ajudar a suprir demanda crescente no município

Luiz Felipe Leite/[email protected]
18/07/2024 às 09:04.
Atualizado em 18/07/2024 às 09:04
Olinda Pereira Gomes, 64 anos, faz hemodiálise três vezes por semana no Hospital Beneficência Portuguesa: “faça chuva ou sol, estou lá. É simplesmente o que está me mantendo viva”, relatou à reportagem (Alessandro Torres)

Olinda Pereira Gomes, 64 anos, faz hemodiálise três vezes por semana no Hospital Beneficência Portuguesa: “faça chuva ou sol, estou lá. É simplesmente o que está me mantendo viva”, relatou à reportagem (Alessandro Torres)

Das 60 vagas prometidas em março pelo Governo de São Paulo para a ampliação do tratamento de hemodiálise em Campinas, nove foram abertas no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. O acordo foi firmado, na ocasião, após reunião entre o prefeito Dário Saadi (Republicanos) e o secretário de Saúde do Estado, Eleuses Paiva, depois de uma série de pedidos da Administração Municipal, que considerou o aumento da demanda pelo serviço. Mesmo com as novas vagas abertas no HC, a situação do SUS Municipal não melhorou e segue sobrecarregada, com lotação máxima.

Por meio de nota oficial, a Secretaria de Saúde de Campinas confirmou que as 253 vagas ambulatoriais de hemodiálise no SUS Municipal, oferecidas por convênios com os hospitais PUC-Campinas e Beneficência Portuguesa, estavam completamente ocupadas até o último dia 10 de julho. As duas unidades recebem pacientes de Campinas e de outros municípios. Ainda de acordo com a Prefeitura, 14 pessoas estavam internadas na cidade para garantir o acesso ao tratamento de hemodiálise, sendo que duas eram de outras cidades.

A administração local também informou que a demanda pelo procedimento quase dobrou depois da pandemia de covid-19 – a média mensal de solicitações de janeiro a outubro de 2023 chegou a 28,5 contra 15,6 antes da pandemia. No entanto, nos últimos seis meses caiu para 20,3 pedidos por mês, ainda um índice elevado.

Como solução, a Prefeitura de Campinas pontuou que estuda medidas para ampliar a quantidade de vagas no Hospital PUC-Campinas. “Além disso, a gestão segue solicitando vagas em cidades próximas. Neste caso, é ofertado transporte e, quando possível, o paciente é transferido de volta para uma vaga em Campinas”, informou via nota.

Procurada para se manifestar, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo respondeu ao Correio Popular que o Departamento Regional de Saúde (DRS) de Campinas negocia o aumento da oferta nas clínicas privadas de hemodiálise e trabalha junto ao HC da Unicamp, que recebeu 9 das 60 vagas prometidas, para a abertura de mais um turno de hemodiálise. “No momento, a unidade passa por readequação da estrutura e equipe para o atendimento de novos pacientes. Além disso, o DRS de São João da Boa Vista está prestando apoio, recebendo pacientes da região de Campinas”, encerrou a Pasta em nota enviada pela assessoria de imprensa.

DESAFIOS

A hemodiálise é um procedimento por meio do qual uma máquina limpa e filtra o sangue. Ou seja, faz parte do trabalho que o rim doente não pode fazer. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBI), o procedimento libera o corpo dos resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de líquidos. Também controla a pressão arterial e ajuda o corpo a manter o equilíbrio de substâncias, como sódio, potássio, ureia e creatinina. As sessões de hemodiálise são realizadas geralmente em clínicas especializadas ou hospitais.

A implantação de novas vagas para esse serviço, no entanto, não é algo simples. Segundo a médica Lilian Monteiro Palma, diretora do Departamento de Nefrologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Nefrologia, responsável técnica pelo setor de Hemodiálise do HC da Unicamp e coordenadora do Programa de Transplante Renal do Centro Médico de Campinas, superar os desafios passa por várias etapas. “O que acontece é que com o aumento da detecção de uma doença renal crônica, mais pacientes necessitam dos procedimentos de terapia de substituição renal, dentre eles a hemodiálise. E não existem vagas suficientes no Sistema Único de Saúde (SUS) para poder absorver o volume de pacientes que estão aparecendo”, explicou.

A médica também avaliou que há um empenho muito grande da sociedade para que se consiga aumentar o número de vagas no SUS. “Mas esse aumento não acontece de uma maneira rápida, porque existe uma normatização que preconiza uma infraestrutura mínima para que a gente consiga acolher os pacientes. E isso tem um custo”, explicou.

Ainda de acordo com a especialista, há também uma preocupação muito grande com os chamados pacientes crônicos, quando há uma dependência de hemodiálise por mais de três meses. “A diferença do paciente crônico para o agudo é a possibilidade de ter reversão do quadro ou não. A partir do momento que ele é crônico, ele tem duas saídas. Ou ele permanece em diálise ou ele vai para um transplante, mas nem todo paciente renal crônico em diálise é candidato ao procedimento. Por isso precisa haver uma avaliação do nefrologista para ver quem é o paciente que é elegível para receber novos órgãos.”

Para o médico nefrologista e professor da Faculdade São Leopoldo Mandic, Rodrigo Meira, se trata de um procedimento necessário e que não pode ser interrompido de forma constante. "O paciente que precisa de diálise e não o faz está sujeito a vários riscos. Quando os rins não estão saudáveis, com as funções prejudicadas, o resultado é o acúmulo de líquidos nas pernas e nos pulmões, podendo gerar quadros graves de falhas respiratórias. Por causa da presença de toxinas no sangue, outros sintomas podem aparecer, como confusão mental, coma e, em casos ainda mais graves, (pode acarretar) na morte dos pacientes", explicou.

Perguntado sobre os tipos de pessoas que podem sofrer mais com a ausência do tratamento de hemodiálise, o especialista atentou para os indivíduos que possuem comorbidades ligadas à pressão arterial e falhas cardiovasculares. “A hemodiálise é um processo complexo e que deve ser realizado por uma equipe alinhada e muito bem preparada. Ao mesmo tempo, os pacientes devem estar muito bem orientados sobre o que podem ou não fazer, considerando os procedimentos necessários.”

PERSISTÊNCIA

Uma das pessoas em Campinas que utiliza o serviço de hemodiálise é Olinda Pereira Gomes, de 64 anos. Moradora da Rua Maria Bonita, no DIC V, ela faz o tratamento há mais de 30 anos. Natural do Estado da Bahia, ela mudou para Campinas em 1993 com o objetivo de fazer o tratamento na Unicamp. “E aí não fui mais embora (risos). Mas gostei muito daqui, tanto que minha família está aqui comigo. Seguimos, um dia por vez.”

No ano de 2009 surgiu uma esperança. Olinda fez um transplante renal, o que a livrou da hemodiálise até 2017, quando uma falha nos órgãos recebidos fez com que ela voltasse a precisar do tratamento. Atualmente, ela diz não querer mais saber de uma nova cirurgia. “Faço a hemodiálise no Beneficência Portuguesa três vezes por semana, 4h por sessão, às segundas, quartas e sextas. Faça chuva ou sol, estou lá. É simplesmente o que está me mantendo viva”, contou.

Depois de tantos anos com o tratamento de hemodiálise, foi necessário colocar um cateter no tórax, já que não é mais possível realizar o procedimento pelas veias dos braços. “Sei que tem gente que não pode ter acesso a um tratamento médico, principalmente quem mora em outras partes do país. Por isso agradeço muito pela atenção de todos que me ajudam, os familiares, os funcionários da hemodiálise, os motoristas das vans municipais que me levam, os amigos do meu bairro. Esse pessoal deixa tudo mais leve para mim.”

  

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