Enquanto entidades religiosas, moradores e voluntários defendem a doação de dinheiro e alimentos para pedintes, especialistas, representantes de Organizações Não-Governamentais (ONG´s), poder público e policiais criticam e afirmam que a atitude promove a permanência deles nas ruas, gera violência e fomenta o tráfico de drogas, sem promover a eles uma condição de vida digna
Moradores de rua em praça, na região central de Campinas: crise financeira eleva a pobreza, e o poder público não dá conta da demanda maior (Dominique Torquato)
O ato de dar esmola a moradores em condição de rua gera controvérsias em Campinas. Enquanto entidades religiosas, moradores e voluntários defendem a doação de dinheiro e alimentos para pedintes, especialistas, representantes de Organizações Não-Governamentais (ONG´s), poder público e policiais criticam e afirmam que a atitude promove a permanência deles nas ruas, gera violência e fomenta o tráfico de drogas, sem promover a eles uma condição de vida digna. Para os defensores, a esmola tem cunho espiritual e sua base está no ato solidário de doar sem se atentar ao destino de sua doação. Não importa, em tese, se o pedinte vai usar para comprar entorpecente, bebida ou alimentos. “Temos que fazer nossa parte como ser humano. Dar esmola não é uma ação social, mas sim uma prática espiritual, entre você e Deus”, diz Clei Oliveira, de 42 anos, integrante de uma igreja católica em Campinas. “Eu sou totalmente favorável à esmola. A pior coisa que possa existir é a indiferença. Vivemos em uma sociedade capitalista e cruel. A violência é fruto da desigualdade social e não podemos destratar ninguém, nem mesmo um usuário de drogas”, defende a aposentada e coordenadora da pastoral social da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, no Jardim Proença, Márcia Molina, de 57 anos. Do outro lado... Já os contrários à prática defendem que, quando alguém dá dinheiro, está contribuindo para que o pedinte continue nas ruas, vivendo na marginalidade. Eles explicam que, como os moradores de rua são um grupo heterogêneo, há entre eles não só os que não têm para onde ir, desesperançosos, mas também os dependentes químicos, que para sustentar o vício usam as doações para trocar nos pontos de drogas; criminosos que se aproveitam para cometer delitos. “A pessoa acham que os moradores de rua são todos iguais, mas não são. Cada um tem sua história. diz o secretário municipal de Segurança Pública, Luiz Augusto Baggio. “Nem todos são bandidos, nem todos são drogados. Mas há entre eles os que são. É preciso cuidado.” Para o delegado da 2ª Delegacia Seccional, José Henrique Ventura, a esmola gera dois aspectos negativos: estimula a pessoa a se acomodar nas ruas e não buscar trabalho, e favorece a indústria do tráfico. Números Dados da Secretaria de Assistência Social e Segurança Alimentar mostram que, em 2016, Campinas tinha 623 moradores em condições de rua, sendo que 23% eram usuários de crack. Esse estudo será atualizado neste ano, com nova pesquisa. Entretanto, políciais e até mesmo representantes de ONG's acreditam que o número de dependentes químicos no grupo seja maior. Por todo lado De acordo com as forças policiais de Campinas, os pedintes não ocupam apenas os semáforos e ruas da região central. Eles estão espalhados por toda a cidade e isso fugiu do controle da polícia. A “descentralização” dos indigentes começou em 2013 quando a Prefeitura deu início a implementação de políticas públicas voltadas para as pessoas em situação de rua. O trabalho começou na região central, onde havia uma grande concentração de moradores. Na época, foram promovidas abordagens para identificá-los e, como muitos rejeitaram o serviço, segundo a secretária Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Cidadania, Eliane Jocelaine Pereira, houve uma grande migração. Os grupos se distribuíram por todas as regiões de Campinas. Para sobreviverem, eles perambulam pelos bairros e pedem alimentos, dinheiro e roupas. Essa migração beneficiou a chamada “população oportunista”, que usa das ruas para praticar atos ilícitos, segundo a polícia. Criminosos e dependentes químicos se misturam com os moradores em condição de rua e tiram proveito. Além de pedirem dinheiro para alimentar o vício, eles cometem pequenos furtos e usam o que foi rombado para fazer dinheiro rápido. “Achamos que sustentando eventualmente um pedinte, estamos cumprindo com nossa parte e promovendo a dignidade dele. Mas na verdade não. Dar esmolas não devolve a dignidade de uma pessoa", diz a psicóloga Rita Khater. "A solidariedade faz parte de nós, mas devemos ensinar pescar e não dar o peixe. O trabalho voluntário é bem melhor que dar uma esmola", acrescenta. De acordo com ela, ao invés de dar uma esmola, as pessoas devem orientar o pedinte a buscar seus direitos nos serviços sociais da cidade. "Quando você doa esmola para um pedinte na rua, você o mantém na marginalidade, o que traz práticas transgressivas", observa Rita. Dados de 2016 Pessoas em condições de rua: 623 Homens: 85% Mulheres: 15% Distribuição por região: Leste: 255 Noroeste: 30 Norte: 72 Sudoeste: 06 Sul: 64 Sem região definida: 196 Para delegado, miséria incentiva pequenos furtos A manutenção de indigentes nas ruas contribui para o aumento de pequenos furtos. A modalidade e sua frequência, constatados nos últimos anos, têm preocupado a Polícia Civil. A maioria dos delitos é cometido por dependentes químicos que vivem nas ruas. Os delitos vão de hidrômetros, botijões de gás, fios de cobre, bicicletas e ferramentas, objetos esses que são vendidos em ferro-velhos clandestinos ou até mesmo em pontos de drogas. Na maioria das vezes, segundo a polícia, esses furtos não entram para as estatísticas, já que muitos são subnotificados. E quando são registrados, dificilmente são investigados, pois faltam provas que levem aos autores. “Também há uma dificuldade para recuperar os objetos, já que são absorvidos rápido no comércio clandestino", disse Marcelo Hayashi, chefe de investigação do 10 º Distrito Policial (DP), que responde por uma área onde há muitos dependentes químicos, vivendo nas ruas. Vítima Morador do Parque Via Norte, o servidor público E.S. viu sua casa invadida duas vezes em um curto espaço de tempo. Nas duas ocasiões, os criminosos levaram ferramentas. Os delitos foram cometidos por usuários de crack que vivem em uma área pública, ao lado do Jockey, a cerca de 1 km de onde a vítima mora. A última invasão foi filmada por câmeras instaladas no muro. "Esses usuários mendigam no bairro, andam e observam as casas potenciais. Eles saltaram dois muros e até levaram enxadas para usar de apoio", contou o servidor. As ferramentas foram encontradas em um desmanche clandestino no bairro vizinho. "As pessoas não podem ajudar este tipo de morador de rua. O pior que eles vivem em um local onde transita muita gente do bem e ninguém toma providências", disse. Como são usuários de drogas, depois de detidos nas abordagens policiais eles são liberados. "Os denunciantes acham que a polícia não faz nada, mas faz", disse Hayashi. A secretária municipal dos Direitos da Cidadania, Eliane Jocelaine Pereira, o especialista em Segurança Pública, Ruyrillo Pedro de Magalhães e o secretário de Segurança Pública, Luiz Augusto Baggio, vão além e dizem se tratar de uma questão multidimensional, que precisa do envolvimento de todas as secretarias, inclusive da compreensão da população que doa esmola.