COMBATE À VIOLÊNCIA

Escolas estaduais da RMC serão reforçadas com 154 seguranças particulares

Serão mil vigilantes ao todo em todas as unidades do Estado, sendo que 774 começam a atuar na segunda-feira

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
29/10/2023 às 11:12.
Atualizado em 29/10/2023 às 11:12
Vigilantes terão a função de realizar um trabalho preventivo, de orientação e conscientização, não de opressão (Rodrigo Zanotto)

Vigilantes terão a função de realizar um trabalho preventivo, de orientação e conscientização, não de opressão (Rodrigo Zanotto)

A contratação pelo governo de São Paulo de 1 mil seguranças particulares, dos quais 154 para a Região Metropolitana de Campinas (RMC), para atuarem nas escolas estaduais divide opiniões, com apoio de pais e alunos e crítica de especialista. Os primeiros 774 agentes se apresentaram ontem nas unidades de ensino, entre eles os previstos para a região, e começarão a atuar desarmados amanhã. Outros 226 serão contratados na próxima semana. O reforço da segurança ocorre após uma série de casos de violência em estabelecimentos de ensino no Estado neste ano, inclusive na região de Campinas.

O mais recente foi na segunda-feira (23), quando uma aluna foi morta e outros três estudantes foram feridos a tiro na Escola Estadual Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo, em ataque realizado por um aluno de 16 anos da mesma unidade. No último dia 18, no Jardim Amanda, em Hortolândia, um homem de 30 anos foi baleado e morto ao defender a sobrinha de 14 anos que se envolveu em uma briga na porta da escola onde estuda. O principal suspeito de ser o autor do disparo é um adolescente de 19 anos, irmão de outra garota de 14 anos, que teria agredido a sobrinha da vítima. Porém, o homicídio ocorreu a cerca de 1 quilômetro da escola, quando as estudantes voltavam para casa.

A contratação da segurança privada, que custará R$ 70 milhões por ano, foi anunciada em abril, quando uma onda de violência em escolas do país resultou em cinco mortes e 14 pessoas feridas, entre alunos e professores, nas cidades de São Paulo, Blumenau (SC), Manaus (AM) e Goiânia (GO). Casos também ocorreram na Grande Campinas. Ainda em abril, um adolescente de 19 anos foi preso após correr com faca na mão atrás de estudantes na Escola Municipal de Educação Fundamental (Emef) Professor Irineu Tobias, no bairro São Benedito, em Pedreira. Em fevereiro, a Escola Municipal Vista Alegre, em Monte Mor, foi alvo de ataque com bombas caseiras. O agressor foi preso. 

COMO SERÁ

De acordo com o diretor da Diretoria Regional de Ensino Campinas Leste, Nivaldo Vicente, a segurança privada vai atuar em escolas estaduais escolhidas essencialmente com base em três critérios: situadas em áreas de maior vulnerabilidade social, em que foram registrados casos de invasão e com registro de casos de conflitos entre alunos. Os estabelecimentos não serão divulgados para evitar que sejam estigmatizados.

Ao todo, há 250 escolas municipais nos 20 municípios da RMC, das quais 90 em Campinas, onde estudam cerca de 160 mil alunos. “Há cidades que não vão receber seguranças porque são mais tranquilas”, disse Vicente. Os agentes, de acordo com ele, vão trabalhar 44 horas por semana cuidando da vigilância no entorno das escolas, corredores e acompanhando a entrada e saída dos estudantes, mas sem a realização de abordagens ou revistas. Eles também vão garantir o fechamento do portão e controlar o acesso de pessoas.

“Será um trabalho de orientação, de convivência. Preventivo, não de opressão. A escola é um local de formação”, explicou o diretor regional. Segundo ele, a prestação de serviço será uma complementação às rondas escolares feitas pela Polícia Militar. Vicente disse que os seguranças terão de ter treinamento para atuar em ambiente escolar e apresentar atestado negativo de antecedentes criminais.

A contratação fez parte de um pacote de medidas anunciadas há seis meses pelo governo do Estado, entre elas a contratação de 550 psicólogos para atuar na escolas. Desses, 45 estão trabalhando desde agosto em Campinas. O dirigente de ensino explicou que esses profissionais não fazem trabalho clínico, mas de apoio a dirigentes, professores e alunos para aprimoramento do programa Professor de Orientação e Convivência (POC), que busca promover as boas relações no ambiente escolar.

OPINIÕES

A implantação de segurança privada foi bem recebida nos estabelecimentos de ensino. “Eu acho muito bom por causa da violência. A presença (dos vigilantes), mesmo que desarmados, vai melhorar a segurança”, disse o comerciário Carlos Queiroz, que acompanhou ontem o filho de 14 anos, Vitore, no primeiro dia de aula na nova escola. O adolescente foi transferido para uma unidade na Ponte Preta, a sete quilômetros de casa, no Jardim das Bandeiras, após ser vítima de bullying e perseguição. “Antes que aconteça alguma coisa, é melhor prevenir e mudar de escola”, disse o pai, que já enfrentou situação semelhante com outro filho.

A jornalista Renata Levantesi também aprovou a a adoção da segurança privada. Ela explicou que a filha de 17 anos já foi vítima de bullying duas vezes na escola por ser uma boa aluna e roqueira, usando roupas diferentes. “Os outros alunos não gostam de quem se destaca”, afirmou. Segundo a mãe, a direção da escola nunca fez ações para combater o comportamento agressivo e antissocial nem os conflitos entre os alunos.

“Há muita discórdia, confusão, sexismo”, reclamou a estudante C.M.P., de 16 anos, que também reclamou de ter sido vítima de perseguição de outros estudantes. No seu caso, os reflexos do ambiente negativo extrapolaram os muros escolares e foram para a vida privada, sofrendo cancelamentos em redes sociais. Para ela, a presença de segurança no interior dos estabelecimentos pode ajudar a inibir a violência.

Para a pedagoga Telma Vinha, professora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a implantação de segurança privada nas escolas é “uma resposta imediatista, mas ineficiente”. Ela explicou que estudos realizados nos Estados Unidos, onde a violência escolar é mais grave, mostram que mesmo a adoção de seguranças armados e a instalação de detectores de metais não impediram novos casos de ataques.

Telma é coordenadora do Grupo de Estudos Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp (IdEA). Ela se dedica há anos ao estudo da violência escolar. De acordo com a pedagoga, a ineficiência da adoção de segurança privada decorre do fato de os agressores serem também alunos, com acesso garantido às escolas.

Desde o registro do primeiro caso, em 2001, ocorreram 36 ataques que resultaram em 36 mortes no Brasil. O Estado de São Paulo lidera em número de ocorrências, com 10 no total e nove mortes, seguido pelo Rio de Janeiro, com cinco casos e 12 vítimas fatais. Na sequência estão Bahia (quatro casos e três mortes) e Espírito Santo (três registros e quatro mortes). Com o caso da escola do Sapopemba, foram, somente em 2023, 11 ocorrências, superando os dez casos registrados ao longo de 2022.

Para a coordenadora do grupo do IdEA, o mais eficiente para evitar novos casos é investir em ações que melhorem o ambiente escolar, a convivência social e combatam o bullying. “O que surpreende e é preocupante é a quantidade de ataques. Outra coisa que chama a atenção é que, além de serem estudantes ou ex-estudantes, eles (os autores dos ataques) são muito jovens”, disse Telma Vinha.

Os agressores são menores de idade em 80% dos casos registrados, a maior parte na faixa etária de 13 a 15 anos. A pesquisadora defendeu outras medidas para evitar novos ataques, como maior controle sobre as redes sociais e dificultar e/ou impedir o acesso as armas. Segundo ela, embora muitos ataques sejam praticados por apenas uma pessoa, há envolvimento de outras no planejamento e até mesmo incentivo em grupos que defendem a violência, existentes em grande número nas redes sociais.

A pedagoga explicou que muitas vezes os autores de ataque têm problemas de relacionamento social, são alvos de algum tipo de sofrimento na escola e são cooptados por esses grupos que criam uma sensação de pertencimento. O próximo passo é impor aos jovens, que muita vezes buscam notoriedade, um desafio de prática de violência para reforçar esse laço.

“É um tipo de violência específica, que envolve jovens que não têm medo de morrer, não têm perspectiva de futuro”, disse a pesquisadora da Unicamp. Ela acrescentou que é comum a divulgação, nesses grupos de vídeos, dos ataques e briga anteriores na escola do agressor, o que acaba estimulando outros jovens a cometerem ataques. A pesquisadora defendeu que o autor da primeira postagem precisa sofrer algum tipo de sanção legal para desestimular essa influência.

Para Telma Vinha, não seria difícil identificar o autor, pois as imagens normalmente são do circuito de câmeras de segurança da escola, bastando buscar quem tem teve acesso a esse material. O estudo feito por seu grupo de trabalho mostrou que dos ataques registrados no país, ao longo de 22 anos, em 33 casos foram usadas armas de fogo. Na ocorrência mais recente, o adolescente de 16 usou um revólver registrado em nome do pai. Ele teria pego a arma escondido.

REGIÃO

Além das contratações feitas pelo governo do Estado, 14 prefeituras da RMC adotaram medidas para ampliar a segurança em escolas municipais. As principais foram a adoção do Botão do Pânico para acionar rapidamente as guardas municipais em casos suspeitos, implantação de videomonitoramento e reforço da ronda escolar. As ações foram adotadas por Campinas, Americana, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Santa Bárbara d'Oeste, Sumaré e Valinhos e Vinhedo.

O governo federal também anunciou a liberação de R$ 5,66 milhões para sete cidades da região. O recurso será utilizado em investimento em segurança escolar. A prefeitura anunciou que os R$ 799 mil destinados a Campinas seriam revertidos em compra de equipamentos para o fortalecimento de ações que reduzam a violência nas escolas.

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