TRÊS EM CADA 10 ESTÃO ENDIVIDADOS

Entre comer e pagar as contas, campineiros optam por dívidas

Inadimplência atinge 31,1% da população economicamente ativa de Campinas

Edimarcio A. Monteiro
09/04/2022 às 20:43.
Atualizado em 10/04/2022 às 10:17
Silvana Santos afirma que já não há sequer possibilidade de substituir produtos: ‘Está tudo pela hora da morte’, reclama a dona de casa, que deixou de comprar carne e pesquisa muito para garantir legumes no cardápio (Diogo Zacarias)

Silvana Santos afirma que já não há sequer possibilidade de substituir produtos: ‘Está tudo pela hora da morte’, reclama a dona de casa, que deixou de comprar carne e pesquisa muito para garantir legumes no cardápio (Diogo Zacarias)

O fantasma do aumento da inadimplência volta a assombrar o comércio de Campinas com a queda do poder aquisitivo da população, que já leva os consumidores a escolher entre comer ou pagar as contas. Dados da Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC) mostram que a inadimplência atinge 31,1% da População Economicamente Ativa (PEA) de Campinas. Ou seja, três em cada 10 trabalhadores têm dívidas em atraso. De um total de 765.580 pessoas aptas a trabalhar na cidade, a partir dos 16 anos de idade, 238 mil estão endividadas. É uma legião de devedores equivalente a toda população de Hortolândia. 

As dívidas somadas chegam a R$ 187,9 milhões. O valor médio do débito é de R$ 790. O setor com maior número de endividados é o de empréstimos pessoais, seguido pelo de vestuário e calçados e o de eletroeletrônicos.

Tendências

A tendência aponta para alta no endividamento. De acordo com o economista da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), Laerte Martins, a inadimplência cresceu 2,29% em fevereiro e os números indicam nova alta — em torno de 3,5% — em março. O cálculo do mês passado não foi finalizado.
"Há uns três meses, as contas de luz, internet, fatura do cartão estão atrasadas para garantir a compra de alimentos", disse a vendedora autônoma Cleudimar da Costa Silva, ao fazer compras no Mercado Municipal. Ela saiu do Jardim do Lago para ir até o Centro em busca de produtos mais baratos e conseguir fazer o dinheiro "render mais".

Para a vendedora, o gasto com a passagem de ônibus e a viagem que chega a durar uma hora compensam. "Lá, o tomate está R$ 13 o quilo. Aqui achei por R$ 10", explica Cleudimar, ao se preparar para voltar para casa com sacolas cheias. De acordo com ela, o salário do marido e as vendas que faz de lingeries e cosméticos não estão sendo suficientes para cobrir as despesas domésticas, que incluem aluguel. O casal tem dois filhos, de 3 e 10 anos.

'Situação preocupante'

Para Laerte Martins, "a situação é preocupante". Além da tendência de alta da inadimplência, as dívidas afastam esses consumidores das compras por causa das restrições ao crédito. Em fevereiro, o faturamento do comércio teve queda de 8,02% em comparação a janeiro deste ano e de 0,65% em relação ao mesmo mês de 2021.

Em fevereiro, as vendas no comércio campineiro totalizaram R$ 969,5 milhões, contra os R$ 975,8 milhões do mesmo mês do ano passado. Segundo o economista da Acic, as principais causas são a inflação em alta, que corrói o poder aquisitivo das famílias, e as taxas de juros em alta, que tornam o crédito mais caro e afastam os consumidores.

Em dezembro de 2021, a taxa Selic, como é chamada a taxa básica de juros, era de 9,25%. No começo de fevereiro, chegou a 10,75% — a primeira vez em mais de quatro anos que atingiu a marca de dois dígitos. O mercado financeiro trabalha com uma projeção de 13% no final deste ano, de acordo com o Relatório de Mercado Focus produzido pelo Banco Central.

Para Martins, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, deflagrada em 24 de fevereiro, é um novo fator que torna a situação econômica brasileira mais complicada. Os reflexos do conflito europeu já resultaram no aumento dos combustíveis e de derivados do trigo. Isso se traduz em mais pressão no aumento da inflação.

O economista considera que a única notícia boa para a economia nas últimas semanas foi a queda do dólar, o que ajuda a segurar a alta dos produtos. 

Mudança de hábitos

A alta dos preço dos produtos e a consequente queda no poder de compra fazem os consumidores mudarem seus hábitos. É preciso adotar novas práticas para tentar pagar todas as contas com menos dinheiro no bolso.

"Faz tempo que não compro carne de primeira", conta a dona de casa Dilma de Barros Nascimento. Ao sair de um açougue no Centro de Campinas, levava na sacola carnes de frango e suína, que são mais em conta.

Esse novo comportamento já reflete nas vendas do setor. O gerente do açougue, Cássio Rodrigues dos Santos, aponta que nos últimos quatro meses houve aumento de 30% nas vendas de carne suína e aves, e queda na mesma proporção na carne bovina.

"Quando os clientes compram carne de boi, geralmente são as mais baratas, como o acém, músculo, paleta e costela", diz. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o consumo de carne no Brasil é o menor em 25 anos. A demanda por habitante ficou na casa dos 26 quilos em 2021, queda anual de 6,9%. O número é bem abaixo do pico de quase 34 quilos por habitante entre 2018 e 2019.

Para piorar, os estudos apontam que o churrasco do domingo vai ficar cada vez mais difícil. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, aponta que o preço da carne bovina continuará em alta em 2022, com queda na demanda interna. O motivo é o aumento das exportações, principalmente para o mercado chinês.

Sem opção

A alta generalizada dos hortifrutigranjeiros anulou a possibilidade dos consumidores recorrerem à tática de substituir produtos para garantir a variedade na mesa. "Está tudo pela hora da morte", reclama a dona de casa Silvana Santos. Ela conta que já deixou de comprar carne bovina e pesquisa muito para garantir legumes no cardápio da família.

A dona de casa Célia Lombardi afirma que já reduziu a compra de carne em torno de 90%. Agora, o bife no prato é só de vez em quando. Morando sozinha e vivendo de pensão, ela conta que também já reduziu o consumo ou deixou de comprar produtos como laranja, banana, cenoura, vagem e tomate. "Tenho dó de quem tem criança em casa", completa. 

A cabeleireira Nilce Sampaio Campos recorre aos aplicativos dos supermercados para fazer pesquisa de preços e tentar economizar o máximo possível.

Quando encontra algum produto em promoção, compra em maior quantidade para estocar. É a volta de um velho hábito do brasileiro, da época de inflação alta, que ficou meio esquecido após o lançamento do Plano Real em 1994. Desde então, os consumidores trocaram a compra do mês pelas idas semanais aos supermercados e aquisição em menores quantidades.
A professora aposentada Dulce Alencar diz que, na falta de opção de um produto mais barato, compra apenas o necessário para alguns dias e ganha tempo para encontrar uma promoção. "Nos supermercados perto de casa, o litro de óleo está a R$ 10. Comprei apenas dois e depois achei por R$ 8. Ainda é caro, mas está um pouco mais em conta", afirma.

Diante do preço mais vantajoso, ela levou seis garrafas de óleo. "Os R$ 12 que economizei ajudaram na compra de outras coisas que precisava", ensina a professora. Para evitar ficando rodando de carro e economizar gasolina, o metalúrgico Edilson Santos Neves recorre às pesquisas nos sites de supermercados.
"Não saio de casa sem ver as promoções no computador. Quando é possível, procuro fazer a compra apenas em um local para não ter que ficar andando de carro. Vou a dois supermercados somente se a diferença de preço compensar muito", afirma.

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