EM DEPOIMENTO

Empresário confirma à CPI da Câmara de Campinas pedido de propina de Zé Carlos

Palma afirma que presidente da Câmara queria valor mensal para manter seu contrato

Thiago Rovêdo/ [email protected]
27/10/2022 às 09:39.
Atualizado em 27/10/2022 às 09:39
Comissão Parlamentar de Inquérito iniciou ontem a tomada de depoimentos para apurar as denúncias de cobrança de vantagens indevidas pelo então presidente da Câmara para manter contratos de terceirizados (Gustavo Tilio)

Comissão Parlamentar de Inquérito iniciou ontem a tomada de depoimentos para apurar as denúncias de cobrança de vantagens indevidas pelo então presidente da Câmara para manter contratos de terceirizados (Gustavo Tilio)

O empresário Celso Palma confirmou na quarta-feira (26), em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Campinas, que o então presidente do Legislativo municipal, Zé Carlos, pediu propina para renovar o contrato de serviços com o Grupo Mais, de sua propriedade, para operação da TV Câmara. Palma afirmou que, após negociações, Zé Carlos chegou a aceitar o pagamento de propina de R$ 1 mil por mês.

A CPI foi formada para apurar suposta cobrança de vantagens indevidas — por Zé Carlos e um assessor — para que empresas terceirizadas conseguissem manter ou prorrogar seus contratos com a Câmara.

O contrato firmado pelo Legislativo estabelece o valor de R$ 4,7 milhões para o Grupo Mais, empresa de Celso Palma, operar a TV Câmara pelo período de cinco anos. Quarta-feira (26), no primeiro depoimento realizado pela CPI da Propina, Palma reforçou as denúncias que já havia feito ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), confirmando que o presidente da Câmara queria um valor mensal para manter seu contrato. O empresário afirmou que chegou a concordar em pagar R$ 36 mil por mês para conseguir construir mais provas contra Zé Carlos, mas afirmou que, no final, o vereador ficou feliz até mesmo com a proposta de R$ 1 mil mensais.

"O que ele me falou foi que o Rafael já tinha passado a minha proposta pra ele e que a proposta... ele aceitava a minha proposta mesmo, que não tinha problema. A gente chegou ao valor de R$ 1 mil no final das contas. R$ 1 mil por mês já estava resolvido. Eu achei absurdo, eu falei, cara, pensei comigo, né? Tá se sujando em troco de R$ 1 mil por mês numa situação dessas, constrangedora", afirmou o empresário à Comissão.

Zé Carlos e o advogado dele e ex-subsecretário de Relações Institucionais do Legislativo, Rafael Creato, são investigados pela Promotoria e alvos de apuração na CPI. Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), os dois pediram vantagens indevidas para renovar ou manter contratos com empresas terceirizadas da Câmara, o que configuraria corrupção passiva. Segundo o MPSP, não houve nenhum pagamento.

Nas gravações realizadas pelo empresário, Zé Carlos diz que pode deixar de realizar uma nova licitação para o serviço se o empresário o ajudar. Já Creato falou em "contraprestação" para manter o contrato. "Contraprestação era o que eu poderia dar de valor para o presidente. Quando ele falou isso foi um espanto. Eu fiquei em silêncio e pensei: está acontecendo mesmo. Eu perguntei o valor, mas ele disse que ele queria que eu falasse", explicou Palma em depoimento à CPI.

O empresário declarou que o próprio Zé Carlos se reuniu com ele para pedir dinheiro. O normal seria o empresário conversar com o fiscal do contrato. "Percebi o pedido de vantagem e a ameaça do próprio presidente. Ele não precisava falar comigo. Existe o setor de contrato e o fiscal é quem deveria fazer essa ponte", disse o empresário. Celso Palma afirmou ainda que, após ele se negar a pagar a propina, o presidente da Câmara não desistiu. "Não vai colaborar com a equipe? Não vai ajudar?" Essas seriam as frases que, segundo o empresário, Zé Carlos lhe falava para que mantivesse o contrato.

Palma também contou que, em um dos encontros com Zé Carlos, o então presidente chegou a dizer que precisava receber os pagamentos para a manutenção dos contratos porque havia pressão de vereadores, que achavam que ele estava recebendo valores, mas não os repassava. O empresário disse que, em nenhum momento, foram citados nomes de quem seriam esses parlamentares. "Ficou claro que existiam alguns vereadores, não ficou claro quantos, nem quem, mas que estavam cobrando ele para que trocassem a empresa, que pelo que eu entendi, era para entregar valores aos vereadores, inclusive ao Zé Carlos. Eles acreditavam que o Zé Carlos estava recebendo e não estava repassando", afirmou.

Celso Palma explicou que venceu três licitações para prestar serviços na Câmara de Campinas desde 2014, ainda na gestão de Campos Filho (DEM), porém, naquele ano foi desclassificado por questões técnicas. Ele alega que foi um absurdo a desclassificação e tem certeza que isso só ocorreu porque ele não quis entrar, já naquela época, no esquema de pagamento das propinas pedidas por servidores do Legislativo. 

"Em 2014, eu ganhei a licitação, mas perdi por questões técnicas o primeiro lugar, o que era um absurdo, já que eu tinha condições. Então, o Valter Greve, que era assessor do Campos Filho na época, chegou a pedir R$ 50 mil para meu irmão, que era meu sócio. Nós negamos também. Pessoas que concorriam neste meio me falavam que eu não iria ganhar, porque me negava a fazer repasses", afirmou.

Ainda falando sobre a Prefeitura, Celso Palma comentou que o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), ficou sabendo do que estava ocorrendo na Câmara e o orientou a ir até o Ministério Público denunciar o pedido de propina feita por Zé Carlos. A conversa teria ocorrido no escritório do vereador Marcelo Silva (PSD).

"O prefeito me recebeu rapidamente e a conversa foi breve. Ele me ouviu e disse para levar a denúncia ao Ministério Público. Ele me disse até que, se eu quisesse, ele me acompanhava. Mas o Marcelo Silva (vereador) entrou na conversa e me disse que já estava com o MP. O prefeito, então, disse que não poderia ter prevaricação", justificou.

O empresário Celso Palma lamentou a situação e disse saber que será prejudicado em futuras licitações, após a denúncia que fez ao MP. Ele afirmou que teme pela sua vida, de que algo possa acontecer com sua segurança e, por isso, toma cuidados que antes não passavam por sua cabeça. "Minha vida era tranquila até essa denúncia. Agora, não vai ser mais. Não vou ter mais uma vida normal. E agora, como sou carta marcada por causa da denúncia que fiz, não vou conseguir mais licitações. Vão fazer de tudo para me tirar. Além disso, hoje tenho medo. Se mataram um prefeito de Campinas, por que não matariam um empresário? Minha vida mudou, eu não saio mais como saía antes, fico sempre atento quando estou na rua", destacou. 

De posse de todo o material disponibilizado pelo Ministério Público, a CPI informou que pretende continuar as investigações e, em breve, divulgará as novas datas dos depoimentos de pessoas citadas por Celso Palma durante o encontro de quarta-feira (26). 

"A reunião foi muito proveitosa. Pudemos obter mais detalhes do processo de contratação de prestação de serviços da Câmara com o Grupo Mais", avaliou Paulo Gaspar (Novo), presidente da CPI.

Defesa

O advogado Ralph Tórtima Filho, defensor de Zé Carlos, afirmou que todas as considerações serão respondidas somente na Justiça. "Deixaremos para nos manifestar apenas no Ministério Público", afirmou.

Já Haroldo Cardella, que faz a defesa de Rafael Creato, disse que todas as questões apontadas por Celso Palma foram respondidas à Justiça. 

Valter Greve, hoje presidente da Centrais de Abastecimento de Campinas (Ceasa) negou todas as acusações. "No que diz respeito às falsas e levianas acusações do Sr. Celso Palma, esclareço que nunca houve pedido de qualquer natureza ilícita de minha parte, pelo que o Sr. Celso acusa sem qualquer mínima prova que lhe dê sustentação ou indício", disse. 

Depoimento adiado

Os membros da CPI cancelaram o depoimento do vereador Marcelo Silva (PSD), responsável pela interlocução do empresário com os promotores do MPSP. A oitiva estava marcada para quarta-feira (26), às 14h, mas foi transferida para a próxima terça, às 14h. O motivo do adiamento foi a duração do depoimento de Celso Palma, que avançou durante boa parte da tarde de quarta-feira (26).

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