POSTURA INDULGENTE

Emdec não impede transporte clandestino por motos de Apps em Campinas

Empresa optou somente por criar Grupo de Trabalho para analisar possível proposta de regulamentação do serviço

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
15/03/2023 às 08:17.
Atualizado em 15/03/2023 às 08:17
Repórter do Correio Popular usou o serviço de transporte por motocicleta oferecido por aplicativos: apesar dos riscos envolvidos, Emdec não tem combatido a atividade classificada como “clandestina” (Rodrigo Zanotto)

Repórter do Correio Popular usou o serviço de transporte por motocicleta oferecido por aplicativos: apesar dos riscos envolvidos, Emdec não tem combatido a atividade classificada como “clandestina” (Rodrigo Zanotto)

A Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) se omite quanto à operação clandestina na cidade do serviço de transporte de passageiros por motocicleta, oferecido por dois aplicativos: Uber e 99. Apesar da lei municipal 13.927/2010 proibir expressamente a atividade, reportagem publicada na terça-feira (14) pelo Correio Popular mostra que ela é realizada na cidade sem nenhum tipo de fiscalização, controle e regras.

A Emdec, responsável por gerir os serviços de transporte operados em Campinas, divulgou na terça-feira, através de nota, que essa modalidade é tratada por Grupo de Trabalho (GT), criado em janeiro pela Secretaria Municipal de Transportes, que "deverá apresentar um estudo minuciosamente detalhado (sic)". Segundo a empresa, o trabalho objetiva principalmente a segurança e conforto dos usuários, o cumprimento da legislação de trânsito e a redução do índice de mortes abaixo dos limites estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Segundo a Emdec, o grupo se reuniu na última quinta-feira (9) para definir as diretrizes para se trabalhar com mototáxi e motofrete no município. O GT está acompanhando os desdobramentos do projeto de lei nº 2.508/2022, o chamado Estatuto da Liberdade do Motoboy, que regulamenta esses serviços em todo o país, mas que está parado na Câmara Federal, sem previsão de quando irá para votação. Enquanto isso, os apps continuam operando tranquilamente com motos em Campinas, apesar do artigo 2º da lei 13.927 deixar claro que "fica vedado o transporte remunerado de passageiros denominado mototáxi." 

As empresas 

Tanto o Uber quanto o 99 justificam que o serviço é oferecido em Campinas com base na lei federal nº 13.640, que libera a atuação de aplicativos no país, sem especificar o tipo de modal. Com isso, na interpretação das empresas, "o serviço pode ser feito tanto de carro quanto de moto". Em nota, o 99 argumentou ainda que a regulamentação do transporte de passageiros é exclusiva da União. "O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu em 2019 pela impossibilidade da proibição, por se tratar de atividade legítima, exercida de livre iniciativa e autorização pela Constituição", completa. 

Questionada se concorda com a posição dos apps, a Emdec argumentou que "a posição a ser adotada pela Emdec fica condicionada à conclusão dos trabalhos do GT, inclusive por força normativa (Resolução 11/2023)." 

Porém, a resolução trata da formação do grupo de trabalho, suas funções e nomeia seus membros, mas não tem por objeto a suspensão da lei municipal que proíbe o mototáxi em Campinas. "Por fim, é importante destacar que a Administração Municipal, por meio do GT, avalia inúmeras questões de ordem técnica, jurídica e operacional, que passam, inclusive, por consultas ao Governo Federal. Os estudos estão em andamento e avançando em busca de soluções de segurança; também em consonância com as diretrizes nacionais", diz a Emdec na nota.

Sem previsão 

O Estatuto de Liberdade do Motoboy está parado na Câmara Federal em função do início da nova legislatura em 1º de fevereiro passado. Com a posse dos 513 deputados federais eleitos em outubro passado, é preciso redefinir os membros das 22 comissões permanentes da Câmara, o que não foi feito até o momento. O estatuto está na Comissão de Viação e Transporte (CDV) e, até o dia 31 de janeiro, tinha como relator o deputado Carlos Alberto Chiodini (MDB-SC), que foi reeleito, mas deixou automaticamente de ser membro com o fim do mandato anterior. Antes de ir para votação em plenário, o projeto de lei terá de passar por outras duas comissões, a de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços e a de Constituição e Justiça e de Cidadania. 

A legislação brasileira e o estatuto da Câmara Federal não definem prazo para tramitação de projetos de leis, seja para análise das comissões ou votação em plenário. A proposta do Estatuto do Motoboy é de autoria do deputado federal Gilson Marques Vieira (Novo-SC), que foi reeleito. Ela estabelece que são direitos dos motoboys desempenhar a atividade de mototáxi ou motofrete livre de qualquer exigência de outorgas, autorizações, concessões e demais atos públicos e que o serviço pode ser oferecido por aplicativos, sites cooperativas, associação comercial e sindicatos.

"Durante a pandemia, a atividade do motoboy, compreendida como o motofrete e mototáxi, foram elevadas ao posto de indispensáveis à preservação da saúde pública. Impossibilitada de saírem à rua, parte da população dependeu deste serviço para sua segurança alimentar", argumenta o deputado Gilson Marques.

Novo patamar 

Para ele, a atividade tornou-se um "serviço essencial e indispensável à vida moderna. É difícil conhecer hoje alguém que não utilize ou tenha utilizado ao menos uma vez o serviço de entregas por sites e aplicativos." O parlamentar argumenta que a aprovação do estatuto "dará segurança a milhões de famílias que hoje têm na atividade de motofrete e mototáxi parte importante de suas rendas, mas que se veem ameaçadas por uma legislação desconectada com a realidade." 

Em Campinas, o Grupo de Trabalho tinha inicialmente o prazo de 30 dias para entregar o estudo, mas foi prorrogado. A Prefeitura chegou a sancionar um decreto municipal, o nº 21.885/2022, para regulamentar o motofrete, que é o transporte de documentos ou pequenas cargas, a partir do dia 1º deste mês. Porém, a Administração suspendeu a medida em função das discussões nacionais que envolvem a categoria dos motofretistas e inclui o mototáxi na análise que está sendo feita. 

"Diante da possibilidade de mudanças no cenário que trata o serviço de motofrete a nível nacional e para garantir a segurança jurídica quanto à aplicação da regulamentação, a Administração Municipal considerou prudente aguardar o desdobramento das discussões", divulgou a Prefeitura ao suspender a regulamentação. Com a proibição vigente, os motociclistas que realizam o transporte remunerado de pessoas podem sofrer punições. A prática é considerada infração de trânsito gravíssima, com o infrator sendo punido com sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 293,47. O veículo é apreendido e recolhido ao Pátio Municipal.

Outros locais 

A Uber e a 99 foram recentemente proibidas de implantar o transporte de passageiros por motocicleta em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na Capital paulista, o serviço foi suspenso no final de janeiro, após funcionar por pouco mais de 20 dias, período no qual as empresas travaram uma briga com a Prefeitura, que não regulamentou a atividade. 

"Em comum acordo, ainda que amparados em legislação federal que permite o serviço, suspendemos o Uber Moto em São Paulo enquanto continuamos trabalhando diariamente com o executivo municipal à procura de alternativas eficientes para a locomoção das pessoas que circulam na cidade", divulgou a empresa na época. O serviço de viagens com motocicletas desse app funciona no país desde novembro de 2020, quando foi iniciado em Aracaju (SE). Atualmente, está presente em mais de 160 cidades brasileiras. 

Já o 99 divulgou que opera em cerca de 3 mil municípios. Segundo a Uber, nenhum acidente envolvendo motociclistas que usam o aplicativo foi registrado em São Paulo enquanto o serviço esteve em operação. 

A Prefeitura do Rio de Janeiro notificou no dia 30 de janeiro as duas empresas para suspenderem o serviço na cidade. "Nem tentem por aqui", disse o prefeito Eduardo Paes (PSD) em um post no Twitter. A Secretaria de Transportes do Rio completou que tomaria todas as medidas cabíveis para garantir que transporte por motocicleta não continuasse a ser oferecido.

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