TRANSPORTE CLANDESTINO

Emdec atribui impossibilidade de vetar moto de App ao STF

Empresa afirma que fiscalizará atividade assim que ela for regulamentada no país

Edimarcio Augusto Monteiro/ [email protected]
16/03/2023 às 08:45.
Atualizado em 16/03/2023 às 08:45
Prefeitura reforça que há um Grupo de Trabalho que estuda as implicações jurídicas e técnicas que envolvem os serviços de mototáxi e motofrete (Rodrigo Zanotto)

Prefeitura reforça que há um Grupo de Trabalho que estuda as implicações jurídicas e técnicas que envolvem os serviços de mototáxi e motofrete (Rodrigo Zanotto)

Apesar da operação clandestina de mototáxi em Campinas, por força de uma lei municipal que veda, expressamente, a atividade, a Prefeitura divulgou na quarta-feira (15) que "o município não pode proibir a atividade". De acordo com a Administração, a posição é baseada em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que não se pode proibir o exercício desse tipo de atividade, sob pena de violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, cabendo ao município apenas a regulamentação.

O plenário da Corte, explica a Administração, já declarou inconstitucional uma lei municipal de São Paulo, a 16.901/2018, que proibia o transporte de passageiro remunerado por moto, com a decisão sendo declarada de repercussão geral. Este é um termo jurídico que se refere aos recursos extraordinários julgados e que já tiveram suas teses fixadas, podendo ser multiplicadas e atribuídas a todos os processos semelhantes que aguardam julgamento. Reportagens publicada esta semana pelo Correio Popular mostraram que o transporte de passageiro por moto é oferecido pelos aplicativos Uber e 99 sem nenhum tipo de controle, fiscalização ou regras.

"A Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) fiscalizará a atividade, assim que ela for regulamentada", divulgou a Administração municipal. A Prefeitura reforçou que há um Grupo de Trabalho que estuda as implicações jurídicas, técnicas e operacionais que envolvem os serviços de mototáxi e motofrete, com o parecer final balizando as futuras legislações municipais sobre as atividades.

Segundo a Prefeitura, essas análises "buscam soluções que convergem a questão da segurança e as diretrizes nacionais sobre o tema." Nesse aspecto, tramita na Câmara Federal projeto de lei 2.508/2022, o chamado Estatuto de Liberdade do Motoboy, que prevê a regulamentação dessas atividades em todo o país. Atualmente, a proposta está parada aguardando a designação de relator na Comissão de Viação e Transportes (CVT). Após a posse de 43 dos 513 parlamentares eleitos no ano passado, na quarta-feira (15) foi escolhido o novo presidente dessa comissão, o deputado Antonio Cezar Correia Freire, o Cezinha de Madureira (PSD-SP).

Limbo

Para o advogado Luiz Henrique Bosella de Souza, professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, "a existência de leis sem regulamentação no país cria uma espécie de limbo" que dá origem a batalhas jurídicas que envolvem várias áreas. Porém, ele aponta que a Constituição Federal determina que as questões que envolvem trânsito e transporte no país são de exclusividade do governo federal. No caso dos mototaxistas e motofretistas, explica, as atividades já estão reconhecidas pela lei federal 12.009/2009, não cabendo aos municípios a proibição, apenas a regulamentação.

A falta de regras para o transporte de passageiros por motos em Campinas é alvo de críticas. Um motorista de táxi ouvido pela reportagem, que pediu anonimato por temer represália por parte da Emdec, reclama que essa situação "gera uma concorrência desleal. Nós temos que ter alvará, pagamos impostos tudo direitinho, enquanto os mototaxistas não pagam nada." Ele lembra que há uma série de normas municipais que regem a atividade, como os carros de táxi devem ter no máximo 10 anos de uso e há o limite de um veículo para cada 700 habitantes, enquanto o transporte por motos pelo apps é feito sem nenhum controle.

Atualmente, Campinas possui 894 veículos que prestam o serviço de táxi convencional e 15 de táxi executivo. O convencional é operado por 894 permissionários e 286 motoristas auxiliares. Já o executivo é realizado por uma empresa, que tem 23 motoristas. O vereador Paulo Gaspar (Novo) considera que "há falta de interesse, há resistência do governo em comprar essa pauta". Ele é o autor de um projeto de lei, o 316/2021, que regulariza o serviço transporte de passageiro por aplicativo em Campinas, mas a proposta tramita na Câmara Municipal "a passo de tartaruga". 

O parlamentar diz que 25 dos 33 vereadores fazem parte da base do governo e "sem uma sinalização da Emdec nesse sentido (tramitação do projeto), não vão se mexer, com certeza". O projeto foi protocolado na Câmara em 8 novembro de 2021, mas somente no último dia 7, depois de um ano e quatro meses, deu o primeiro passo e foi encaminhado para receber o parecer da Procuradoria Legislativa.

Segurança

Para o vereador Cecílio Santos (PT), membro da Comissão de Mobilidade Urbana e Planejamento Viário, "mais cedo ou mais tarde, a regulamentação ou a proibição de vez" do transporte de passageiro por moto será discutido pelo Legislativo. Particularmente, ele considera que esse serviço gera o risco do aumento de acidentes de trânsito. "Eu acho perigoso esse tipo de transporte. Eu tenho alguma resistência", afirma.

Das 144 mortes no trânsito em Campinas no ano passado, 67 envolveram motocicletas, o equivalente a 46,53% do total, ocupando o primeiro lugar no ranking, de acordo com relatório do Infosiga-SP, sistema de informações gerenciais de acidentes de trânsito do Estado de São Paulo. O balanço apontou que 86,11% das vítimas fatais eram homens, 13,19% mulheres e em relação a 0,69% a informação não estava disponível.

Paulo Gaspar diz ainda que a falta de regulamentação gera o risco de punições ao motociclista que atua para os aplicativos. O transporte remunerado de pessoas, sem a devida licença, é considerado infração de trânsito gravíssima, com o infrator sendo punido com sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 293,47. O veículo é apreendido e recolhido ao Pátio Municipal. 

"Além de ser multado, o motociclista fica sem seu instrumento de trabalho", critica o vereador. Ele aponta ainda que a normatização do serviço definiria regras para a garantia de segurança do passageiro, como idade mínima para o motociclista que atua na atividade, exigência de tempo de habilitação do motociclista, tipo de moto e tempo de uso. 

Mas há especialistas na área de trânsito que são contra a liberação do transporte de passageiro por moto através de aplicativos. "Só vejo coisas negativas nisso, essas empresas não têm a menor responsabilidade com segurança viária. Não há controle de jornada e treinamento, assim como no táxi e no serviço de carro tradicional. As consequências em uma motocicleta só podem ser piores", diz Rodolfo Rizzotto, especialista em segurança do trânsito e fundador do SOS Estradas.

Das 5.307 mortes por acidente de trânsito que ocorreram no Estado de São Paulo em 2022, 2.105 envolveram ocupantes de motos, o que representa 39% do total, aponta o Infosiga-SP. As 1.194 mortes de pessoas que estavam em carros aparecem em segundo lugar, o equivalente a 23,98%. 

Os homens representaram 82,32% das vítimas fatais. O principal tipo de acidente que causam mortes são as colisões, com 2.096 casos - 39,49% do total. O Infosiga aponta que em seu segundo lugar aparecem os atropelamentos (1.405), seguido por choque (926), outros (697) e dados não disponíveis (273). O maior número de vítimas, 846, foi na faixa etária de 18 a 24 anos. Dados do seguro DPVAT de 2010 a 2020 mostram que, em média, 70% das indenizações por invalidez permanente foram pagas para motociclistas. 

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