TRAVESSIA PERIGOSA

Em Campinas, tráfico transforma Viaduto Cury em passarela do medo

Acesso de pedestres da Vila Industrial ao Terminal Central é palco de venda de drogas

Rodrigo Piomonte
01/07/2022 às 08:42.
Atualizado em 01/07/2022 às 08:42
Fotógrafo Gustavo Tilio flagra o momento em que dependente químico entrega o dinheiro e recebe o pino de crack de um dos inúmeros vendedores de entorpecentes existentes na passarela do Viaduto Cury (Gustavo Tilio)

Fotógrafo Gustavo Tilio flagra o momento em que dependente químico entrega o dinheiro e recebe o pino de crack de um dos inúmeros vendedores de entorpecentes existentes na passarela do Viaduto Cury (Gustavo Tilio)

A população que usa a passarela do Viaduto Miguel Vicente Cury, na região Central de Campinas, convive diariamente com medo. O local, utilizado pelos pedestres como acesso entre a Vila Industrial e o Terminal Central de ônibus, para travessia sobre a linha férrea, é palco da venda descarada de entorpecentes, o que gera um ambiente de insegurança e criminalidade.

O comércio do crack, que ocorre em plena luz do dia, alimenta o vício de dependentes químicos que se aglomeram no local, elevando o drama social na cidade, que busca formas de auxiliar essa população, a maioria em situação de rua. 

Trabalhadores e comerciantes que têm a passarela como trajeto para o trabalho são obrigados a conviver com esse ambiente de terror. A ação de traficantes é explícita. Eles usam até caixotes de madeira como mesas e a própria marquise do corrimão da passarela embaixo do viaduto como uma espécie de mostruário para expor os pinos de cor azul, roxa e pink, usados na venda do crack. Quem usa a passarela é obrigado a passar no meio do comércio ilegal. 

Combate ao crime

A Prefeitura destaca a complexidade do trabalho e informa que mantém ações de combate ao crime e ao tráfico no local por meio da Secretaria Municipal de Cooperação nos Assuntos de Segurança Pública, com rondas e detenções. Mas para quem convive com a realidade do entorno do viaduto, fica a sensação de estar "enxugando gelo".

Com a presença da GM no local, o tráfico e o consumo do crack se dissipam. Basta a GM sair, o movimento é retomado tanto para venda como consumo, o que eleva a quantidade de usuários da droga que se aglomeram sentados, escondidos pela mureta de cimento que separa a rua e a área de passeio embaixo do viaduto, no acesso à passarela.

O ajudante de estacionamento Guilherme Dorsani, 18 anos, que usa todos os dias a passarela, sabe bem o que é conviver nesse ambiente. Ele conta que, há um mês, foi assaltado ao passar pelo local. "Duas pessoas armadas com uma faca me abordaram e roubaram meu celular. Foi tenso. Mas não tem jeito, trabalho na Vila Industrial e pego ônibus no terminal, então, passo por aqui todos os dias."

O servidor público José Francisco da Silva, 59 anos, também conta que sente medo ao usar a passarela, principalmente pela manhã. "De manhã, prefiro pegar outra linha de ônibus, assim não uso a passarela. No final da tarde, passo pelo local. É muito degradante. A gente fica apreensivo porque sempre tem gente vendendo droga e gente comprando", disse.

Os comerciantes que mantêm estabelecimentos na região, como por exemplo, na Avenida Senador Saraiva e na Rua Cônego Cipião, relatam também episódios de criminalidade no entorno. Proprietária de um comércio há 13 anos, Elza Yamane, 62 anos, disse que já foi assaltada. "A gente trabalha com medo. Nunca dá para saber o que vai acontecer", afirmou. Ela relata que quando o entorno recebe a presença da Guarda Municpal todo o cenário do local muda. 

Outra comerciante, Nilva Paulino, 58 anos, há 35 na região, disse que seus clientes ficam assustados quando se deparam com o cenário 'degradante' que envolve criminalidade. "Quem não está acostumado fica com medo. A maioria é usuário de drogas, mas a gente sabe que, junto com a droga, vem o crime. Eu nunca fui assaltada, mas já presenciei muita coisa aqui, pessoas passando e vendendo crack, gente consumindo, assaltos. A gente vê tudo aqui", disse. Segundo ela, houve uma época em que a Guarda Municipal manteve uma base móvel no local. "Quando a GM mantinha a base, tudo ficava muito mais tranquilo", disse.

Para o presidente do Conselho de Segurança (Conseg) Centro, Fileto de Alburquerque, a situação deve ser tratada sob o aspecto social e não de criminalidade. "As polícias estão fazendo o trabalho delas: tanto a militar como a civil, a guarda municipal e a Secretaria de Segurança. Mas nós estamos trabalhando na consequência e não na base do problema, nas verdadeiras causas. O maior problema está no poder público municipal, no que diz respeito às politicas de assistência social que envolvem uma série de outras Secretarias", disse.

Prefeitura

A Prefeitura forneceu informações sobre as ações que vêm realizando na área, mas não informou se intensificará a fiscalização e policiamento para evitar o comércio de drogas nessa passarela do Viaduto Cury.

A Administração Municipal afirmou que desenvolve, na região central, ações intersetoriais de atenção à população em situação de rua, buscando amenizar a vulnerabilidade dessas pessoas e propiciando a saída das ruas. Destaca ainda a complexidade desse fenômeno que afeta milhares no mundo, sendo que sua negação como parte da sociedade se manifesta em práticas discriminatórias e indiferença social.

Segundo a Prefeitura, a zeladoria no Centro atua na limpeza e manutenção contínuas e no reforço da iluminação. E a Guarda Municipal mantém um patrulhamento dia e noite na área central e qualquer situação de flagrante de tráfico de drogas é imediatamente reprimida, com abordagens dos envolvidos e condução dos suspeitos à delegacia. Informa que foi instalada uma base da GM no Terminal Central e atua também no monitoramento por câmeras da Cimcamp (Central Integrada de Monitoramento de Campinas). O sistema auxilia na detecção de situações de criminalidade e orienta o trabalho das equipes nas ruas.

No âmbito social, a Prefeitura informou que a Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos oferece uma série de serviços à população em situação de rua, com o objetivo de criar vínculos com esse público e convencê-los a deixar as ruas.

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