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Em Campinas, tentativas de suicídio crescem e exigem amplo debate da sociedade

Casos subiram 67% em 2021 em relação a 2020

Isadora Stentzler/ [email protected]
24/08/2022 às 08:57.
Atualizado em 24/08/2022 às 11:51
Entrada do Capsij Roda Vida, que recebe e atende a crianças e adolescentes (Gustavo Tilio)

Entrada do Capsij Roda Vida, que recebe e atende a crianças e adolescentes (Gustavo Tilio)

“Todo sofrimento é real e existem serviços que prestam acolhimento para isso”, afirmou o coordenador de Saúde Mental de Campinas, Marcelo Bruniera, em uma sala do Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (Caps IJ) Roda Viva, no Jardim Nova Europa, ao meio-dia de terça-feira (23). A frase foi dita diante de dados que mostram o aumento de tentativas de suicídio e de suicídio consumado em Campinas. Para ele, o assunto gera um debate sério, em que a vida do indivíduo é o ponto mais importante. 

Segundo dados informados pela Secretaria de Saúde de Campinas, no ano passado, o número de tentativas de suicídio no município subiu 62,7%, em relação a 2020, e o total de suicídios aumentou em 13,5%. A situação, que sofre impacto de diversos fatores, é cuidada pela Rede Municipal de Saúde Mental, cujo trabalho foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo incluída no Guia de Boas Práticas de Saúde Mental, no ano de 2020. 

A pandemia e aspectos relacionados a ela, como o crescimento do desemprego, da fome, do isolamento e das vulnerabilidades em geral, estão entre os fatores de impacto, mas não são os únicos. 

Conforme explica a doutora em Psicologia Tatiana Slonczewski, que também é professora da Pontíficia Universidade Católica (PUC) de Campinas, o suicídio é um comportamento multifatorial, que envolve questões que vêm antes do ato em si. Eles podem ser lidos por meio de comportamentos, por exemplo, tentativas de suicídios anteriores, presença de um transtorno mental, antecedentes psiquiátricos na família, exposição e vivência de situação de violências em momentos precoces e outros. Nesse sentido, explica Tatiana, embora os registros indiquem uma alta dos casos no ano seguinte à pandemia, não é possível imputar a ela a principal motivação. 

“A pandemia pode ter tido alguma influência importante sobre todos os contextos em torno do suicídio, mas ela, sozinha, não explica o comportamento suicida inteiro”, aponta. “Isso porque ele [suicídio]é um espectro de comportamentos, que vão desde você pensar de forma consistente sobre dar fim à própria vida, planejar, fazer a tentativa e o ato suicida em si. E todos eles, se fóssemos pensar que era óbvio dizer que a gente entendeu o que motiva, com certeza estaríamos errando, porque alguém já teria resolvido. Então, o suicídio é uma das situações mais complexas dentro de uma sociedade, porque é multi-influenciado”, explica. 

De acordo com os dados da Pasta de Saúde, a maioria das tentativas e casos se concentrou na faixa etária nos 20 aos 59 anos, com 317 registros. O segundo maior grupo, foi o de pessoas com idades entre 10 a 19 anos: 124 casos. Com menor incidência, mas também registrados, estão os casos entre pessoas com mais de 60 anos, 7 casos, e na faixa etária dos 0 a 9 anos: 5 casos.

No Caps IJ, onde são atendidos adolescentes e jovens, o coordenador Bruno de Paula aponta que o olhar para os adolescentes é fundamental para reduzir esses indicadores, seja para situações que ocorrem por conta da própria idade como para aquelas que podem se manifestar na vida futura. Nesse sentido, ele alerta para a necessidade de atenção a essa faixa etária, que sofre de igual forma com esses problemas.

O mesmo é defendido para casos que ocorrem na terceira idade. Segundo a explica Tatiane, há sinais de alerta que podem ser observados para ajudar essas pessoas a lidarem com esses momentos de sofrimento.

“Um grande sinal de alerta é a existência do sofrimento psíquico, de modo que o indivíduo sinta que é insuportável, insustentável e intolerável, expressando que está muito difícil suportar. Então, a presença dessa maneira de expressar a sua dor psíquica já é um convite para podermos pensar em um cuidado especializado”, elenca.

Além disso, ela cita os quatro Ds apontados pelo psiquiatra Neury Botega, que são: a presença do desespero, do desamparo, da desesperança e da depressão. Em adolescentes, isso pode se manifestar no isolamento, na mudança brusca de comportamento, na queda no desempenho escolar, no abuso de substâncias nocivas e no desinteresse a coisas que antes eram buscadas. 

Em relação à terceira idade, ele pode vir no silenciamento e nos discursos mais calados e distantes. “Se isso está muito frequente, também é razão para procurar ajuda especializada o quanto antes. O suicídio é passível de prevenção. Mas prevenção não significa que você prevê com exatidão, não significa que você evita 100% dos suicídios”, frisa. “E toda vez que a gente condenada o indivíduo, estamos perdendo a oportunidade de diminuir esse estigma. O suicídio atinge todas as classes sociais, todas as idades e ele e é um comportamento. Se tem é para haver alguma coisa em comum, é a dor psíquica, o sofrimento psíquico”, aponta.

Em Campinas a saúde mental é trabalhada em uma ampla rede, de forma humanizada, e com respeito ao indivíduo. Nessas frentes estão a Atenção Básica, nos próprios postos de saúde, nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), nos Consultórios na Rua e também nos Centros de Convivência.

Serviço pela vida 

Outro serviço que oferece auxílio é o Centro de Valorização à Vida (CVV). A entidade, que existe desde a década de 1960, pode ser acionada pelo telefone 188, e-mail e por um chat, disponível no site da entidade, a qualquer hora do dia. São recebidas pelo CVV 13 mil ligações diárias em todo o Brasil. Em Campinas, há 18 voluntários que atuam nessa frente e que atendem ligações não só de Campinas, mas de todo o país. 

As voluntárias Mariana Monteiro, de 26 anos, e Helena Fujinohara, de 41, explicam que a busca pelo CVV pode ser feita a qualquer momento e em qualquer situação. “Não há julgamentos. O serviço é ofertado de forma sigilosa, a fim de acolher quem precisa”, explica Helena. 

Procure ajuda 

Pessoas que precisem de ajuda podem ir aos centros de saúde e nos Caps mais próximos a suas casas. Outras alternativas são o CVV, pelo número 188 ou pelo site www.cvv.org.br, que também prestará uma escuta atenta. O Mapa Saúde Mental atende pelo www.mapasaudemental.com.br e o site www.podefalar.org.br atende adolescentes de 13 e 14 anos.

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