EM MEIO À ALTA DE PREÇOS

Em Campinas, restaurantes e clientes adotam estratégias para driblar inflação

Estabelecimentos mudam cardápios, reduzem ingredientes e alteram forma de pesagem

Thiago Rovêdo/ thiago.rovedo@rac.com.br
23/06/2022 às 08:53.
Atualizado em 23/06/2022 às 08:53

Restaurante localizado no Centro de Campinas oferece bufê para consumo à vontade por R$ 14,90: apenas com vegetais (Gustavo Tilio)

Neste momento em que os preços dos combustíveis são reajustados constantemente e o valor da cesta básica já supera o salário mínimo, a população precisa adotar as mais diferentes estratégias e recorrer à criatividade para conseguir sobreviver. Essa situação não é diferente nos estabelecimentos alimentícios, onde restaurantes mudam cardápios, oferecem diferentes buffets e até mesmo diminuem os ingredientes das refeições para não precisar repassar ao consumidor a alta frequente da inflação.

Um restaurante localizado perto da Catedral Metropolitana de Campinas, por exemplo, optou por oferecer dois buffets diferentes para não perder os clientes. Um deles, que custa R$ 14,90, tem arroz, feijão, legumes, saladas, frutas, sobremesa e até mesmo caipirinha à vontade. Outro, que inclui as carnes e massas, custa R$ 6,99 a cada 100 gramas colocados no prato. 

"Com isso, a gente consegue fazer um preço mais acessível à população campineira. A ideia é trazer esse conforto mesmo, fazer com que a população coma bem e consiga não gastar tanto. Até porque sabemos que a situação de ninguém está fácil. Encontramos esse caminho como forma de driblar as crises", afirmou o gerente do restaurante, Everton Dias.

Pouco mais para baixo, Wagner Brito de Oliveira, que é proprietário de um restaurante na região central, contou que teve que reajustar um pouco o preço das marmitas, mas que mesmo assim, hoje elas ganham no volume de vendas em comparação aos pratos servidos no próprio restaurante. Ele também fez diversas mudanças no buffet para não precisar repassar as constantes altas de preços ao consumidor.

"Tivemos uma diminuição de variedades, mas não de qualidade, mas tive que reajustar os preços. Antes eu tinha contra-filé, hoje é colchão mole. Anteriormente, fazia uma lasanha e usava muito mais frios nela, hoje tem que ser menos. Já ofereci peixe todos os dias, mas hoje mudei para três vezes por semana. Eu tinha três tipos de macarrão, hoje são dois, e assim vai. Mas não mandamos nenhum funcionário embora e disso também tenho muito orgulho. Alcançamos agora 70% do público que tinha antes da pandemia", contou.

Para Matheus Mason, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) da Região Metropolitana de Campinas (RMC), os restaurantes adotam como estratégias repassar uma parte da inflação ao preço do prato e também alterar a forma como a refeição é servida aos clientes, modificando tamanhos, diminuindo ou aumentando a proteína, verduras, legumes, etc.

"A inflação dos alimentos é muito impactante e está espremendo as margens de lucro. Os restaurantes não estão conseguindo repassar todos esses aumentos. É até aplicado um reajuste, mas em um valor abaixo da inflação mesmo. Então, os estabelecimentos vêm encontrando alternativas para não ficar somente no prejuízo, como por exemplo, pesar as proteínas separadamente do restante dos ingredientes do prato. Também mudaram o corte de carnes, como fraldinha e maminha, e antes era contra-filé", afirmou o presidente. 

Os preços mais altos dos restaurantes fazem com que algumas pessoas optem por comer um lanche, que sai em média por R$ 12, acompanhado de um refrigerante. Esse é o caso de dois amigos que pararam para almoçar em um carrinho de cachorro quente na Avenida Francisco Glicério. "O custo é mais baixo do que comer em um restaurante, é mais rápido também. Eu moro aqui pelo Centro e ele não, mas sempre que ele vem, optamos pelo lanche. Além do preço menor, também é gostoso, então, a gente acha que vale a pena em relação aos pratos de um restaurante", afirmou o produtor audiovisual de 26 anos, Lucas Rodrigues. 

Já para o vendedor Lucas Alves Mota, de 22 anos, comer sempre no shopping, seu local de trabalho, eleva o custo, então, quando tem a oportunidade de comer algo mais barato, como um cachorro quente, ele escolhe essa opção. "É uma maneira de pagar menos, de comer algo diferente. E com certeza comer em um restaurante hoje fica mais caro do que um lanche na rua", disse.

Olhar de especialista

A gastrônoma e consultora da área de alimentos e bebidas, Aline Vettori, afirmou que a criatividade e inovação são inerentes à gastronomia, da mais baixa à mais elevada. Se reinventar em tempos de crise faz parte do processo para nos mantermos em pé, seja conhecendo a sazonalidade dos produtos, entendendo o mercado sem perder a qualidade, para se manter oferecendo bons produtos ao consumidor final. 

"O que mantém a riqueza da área é justamente isso: conhecendo as bases técnicas, o 'se vira nos 30' acaba se tornando parte de nossa rotina. A surpresa com a alta dos preços não é somente para as contas em casa, mas também para os estabelecimentos que, além de aquisição de insumos, possui todos os gastos fixos como água, luz, aluguel e custos com equipe e o repasse do preço ao consumidor final nem sempre é tão simples", explicou.

Para Aline, o ponto crucial para qualquer adaptação de cardápio ou serviço é conhecer bem a praça e a clientela para continuar atendendo: a redução de opções no buffet pode ser uma alternativa, bem como a sua segmentação, mas nunca deixando de oferecer opções variadas ao cliente. "Com a alta do preço das proteínas, oferecer a opção de carnes à parte do valor de buffet parece uma boa saída, pois o próprio cliente acaba optando em seu dia a dia por reduzir o consumo. É uma das maneiras de não deixar de atuar, evitando altos gastos e possíveis desperdícios", analisou.

O mestre em Engenharia de Produção e professor de Economia Política e Mercados da Faculdade Arnaldo Janssen, Alexandre Miserani, afirmou que este seria um caminho natural, já que toda a cadeia produtiva tem se adaptado para não repassar no preço final os problemas causados pela inflação atual do País, além da própria crise de emprego.

"Como as empresas de alimentos readaptaram embalagens e diminuíram quantidades para tentar manter os preços dos produtos, os restaurantes também tiveram que se adaptar para fazer face à alta dos preços dos alimentos. Grande parte dos consumidores está no limite de seus orçamentos, então, não há como repassar de forma integral os custos altos dos alimentos e a reposição dos estoques dos restaurantes. Assim, a saída é remodelar as ofertas, distinguindo preços", analisou.

Além disso, o especialista também avalia na ótica do cliente e entende que pode haver uma precarização nos produtos ofertados. Ele alerta que, com a nova alta dos combustíveis, a situação não tem melhora em um horizonte próximo. Portanto, ou há uma readaptação do cardápio ou os preços das refeições vão voltar a crescer.

"Vejo que há certamente uma precariedade na substituição de produtos para tentar adaptar o aumento dos preços. Sabemos que isso tende a piorar com a alta dos combustíveis, uma vez que a distribuição de produtos tenderá a ficar mais cara. Isso resultará em mais aumentos de preços. Não há outra alternativa para manter os negócios senão readaptar cardápios, priorizar verduras e legumes da estação e buscar otimizar cardápios e preços", finalizou.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por