CASOS DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Em Campinas, internações por cocaína e crack crescem e somam 61% do total

Busca por tratamento dessas drogas supera a de maconha, que equivale a 3%

Isadora Stentzler/ [email protected]
24/06/2022 às 09:29.
Atualizado em 24/06/2022 às 09:29
Tamires Custódio da Silva conheceu o álcool e a maconha aos 14 anos, mas foi a cocaína que a levou a procurar o acolhimento no Instituto Padre Haroldo, entidade que recebeu 180 pessoas com dependência química este ano (Ricardo Lima)

Tamires Custódio da Silva conheceu o álcool e a maconha aos 14 anos, mas foi a cocaína que a levou a procurar o acolhimento no Instituto Padre Haroldo, entidade que recebeu 180 pessoas com dependência química este ano (Ricardo Lima)

A busca por internações para tratamento de dependência de cocaína e crack tem crescido mensalmente em Campinas, representando 61,2% de todos os acolhimentos em comunidade terapêutica realizados de janeiro a maio deste ano. A procura dos usuários dessas duas drogas por tratamento é bem superior aos de maconha, que equivalem a apenas 3% do total. Mas a dependência química que ainda predomina é o álcool, com 35,2% dos internados na cidade este ano.

Dados da Coordenadoria de Prevenção às Drogas do município apontam que das 180 pessoas que buscaram internação de janeiro a maio deste ano, 31,1% eram usuários de crack, 30% de cocaína e apenas 3% de maconha. Segundo a responsável pela Coordenadoria, Marilda Martins, a predominância do crack e da cocaína pode estar relacionada aos impactos da droga no corpo e ao debate sobre uso medicinal da maconha. 

“Por ser o canabidiol uma substância da planta usada para tratamento medicinal, algumas pessoas estão entendendo, por equívoco, que a maconha como um todo não é prejudicial à saúde, mas ela tem outras substâncias prejudiciais. Então, as pessoas ainda estão muito equivocadas nesse sentido. Além disso, os malefícios da maconha demoram mais para aparecer em relação à cocaína, por exemplo, que tem efeitos visíveis a curto prazo”, esclareceu Marilda. 

De acordo com os dados apresentados, 1.077 pessoas buscaram algum atendimento devido à dependência química e foram encaminhadas a projetos do município. Desse total, 180 pediram acolhimento em comunidade terapêutica e foram internadas no Instituto Padre Haroldo, por meio do programa Recomeço.

Entre as substâncias usadas e apontadas pelos assistidos, a maioria, 35,2%, apresentou problemas com o uso de álcool. Marilda explica que o álcool sempre é a principal substância citada e vem associada às demais, ocorrendo o uso de até duas ou mais substâncias por uma mesma pessoa que busca tratamento. 

Nesse contexto, em números absolutos, das 180 pessoas que procuraram acolhimento, o uso de álcool foi apontado por 69 delas, o crack por 61, a cocaína por 59 e a maconha por apenas 6. Entre abril e maio, nenhuma pessoa buscou internação por conta do uso da maconha. 

Tratamento

Tamires Custódio da Silva, de 32 anos, conheceu o álcool e a maconha muito cedo, aos 14. Ela está acolhida no Instituto Padre Haroldo desde fevereiro deste ano. Mas o motivo, contou ontem à reportagem, foi a cocaína. 

Aos 19 anos, ela e o então companheiro, com quem estava há cinco anos, decidiram, juntos, provar cocaína pela primeira vez. A sensação de euforia trazida pela droga se tornou uma busca constante e, aos 22 anos, ela já se via usando diariamente. Na época, Tamires trabalhava como manicure e usava a droga durante todo o dia, inclusive para trabalhar. “E a gente não percebe que está se viciando”, definiu.

Aos 23 anos, ela ficou sem emprego e se uniu ao tráfico de drogas. Quando não tinha o que comer, lembra, usava a substância. “A cocaína era meu café, meu almoço e minha janta”, disse. “Quando você vê, você já está no meio. Vira um hábito. Fui perdendo contato com minha família, perdi emprego. Foi bem difícil. Tive três começos de overdose e nem isso foi suficiente para eu parar. Eu falava ‘eu adoro, eu amo cocaína’. E achava super normal. Falava abertamente para todo mundo.”

Foram alguns meses no tráfico até que Tamires decidiu se afastar do comércio ilegal, mas sem perder a dependência. Ela só começou a se dar conta que aquilo era um problema quando as contas começaram atrasar e o valor do aluguel passou a ser usado para compra da droga. Nesse período, ela buscou praticar Muay Thai para não estar em noite em casa, momento em que o marido chegava com a droga, o que não reverteu a situação. 

Eles se separaram há dois anos, momento em que foi despejada de casa. Sem lar, ela relutou a buscar ajuda e se juntou a duas amigas, mas como elas também eram usuárias, o fluxo não diminuiu. 

“Quando vi que realmente eu iria para a rua, que estava perdendo tudo, foi aí que falei para minha família que precisava de ajuda. Estava dando mais importância para o uso do que para minha vida. Foi aí que percebi que realmente era uma viciada”, conta.

Há quatro meses no tratamento, ela fala que hoje se reconhece numa nova pessoa. O distanciamento do uso da droga lhe permitiu voltar a sonhar e ocupar sua vida com outras coisas que antes eram dominadas pelo uso. 

A luta contada pela manicure se assemelha com a de Homero da Silva, de 52 anos, que também está acolhido na Instituição. Mas diferente da jovem, ele conheceu a droga aos 35 anos e não a associava à bebida ou à maconha. 

“Costumava jogar bola e um dia resolvi experimentar com os colegas de jogo, mas aí não parei”, conta. Silva tem três filhos e perdeu dois relacionamentos quando estava consumindo cocaína. Ele se recorda de um dia em que uma das companheiras gravou um vídeo dele, magro e atordoado devido à droga. 

Com 1,81m de altura, ele chegou a pesar 62 quilos e desenvolveu mania de perseguição. Acreditava em complôs contra ele e não aceitava que as pessoas estivessem se afastando. No seu caso, o uso ocorria dentro de casa, muitas vezes, sozinho.

A dependência o afastou da própria família e quando fala disso, ele chora. "Não quero esquecer quem eu fui. Na verdade, quero sempre lembrar para que, se eu pensar em usar de novo, saiba exatamente o que a droga faz comigo e a evite.”

Em um mês, Homero deve deixar a Instituição para voltar à família. Ontem, ele disse à reportagem que se sente apto a recomeçar sua vida. 

Tratamento multidisciplinar 

No Instituto, o tratamento dado aos assistidos conta com multiprofissionais que proporcionam não só acompanhamento psicológico, mas acolhimento e atividades em grupo. São ofertados cursos profissionalizantes que permitam que, ao deixar o Instituto, os acolhidos tenham capacitações para a inserção regular ao mercado de trabalho, ponto importante na luta contra a dependência.

Segundo o psicólogo Juliano Santos, gestor técnico dos Programas de Tratamento e Recuperação do Instituto Padre Haroldo, a dependência química precisa ser entendida como um problema biopsicossocial e tratada nessas frentes.

A busca por ajuda deve ocorrer sempre que necessário. Marilda explica que, em Campinas, ela pode ser obtida na Coordenadoria de Prevenção Às Drogas, vinculada à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, localizada na Rua Barreto Leme, 1.550, Cambuí. O horário de atendimento é das 9h às 17h.

“A dependência química é considerada uma doença e a pessoa com essa doença precisa de ajuda, de apoio médico, psicológico e da família, que é essencial para o tratamento. Então, a partir do momento que a pessoa se enxerga doente, é mais fácil ela conseguir estabelecer a saúde mental e a vida. E como é uma doença, não é preciso ter vergonha”, frisa Marilda. 

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