Número de casos este ano - nos 5 primeiros meses - superou em mais da metade o total de 2021
Presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB,, Adriana de Morais: “É preciso ir atrás dos seus direitos” (Gustavo Tilio)
O número de denúncias envolvendo racismo nos cinco primeiros meses deste ano em Campinas é mais do que a metade do total registrado em todo o ano passado. Ao longo de 2021, o Centro de Referência dos Direitos Humanos e Combate ao Racismo e a Intolerância Religiosa de Campinas registrou 12 denúncias realizadas por moradores da cidade. Entre janeiro e maio de 2022 já são sete queixas.
Para a especialista em Direito e Relações Raciais e presidente da Comissão da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de Campinas, Adriana de Morais, o crescimento de registros se deve ao maior acesso das pessoas a informações sobre o que é o racismo e também ao encorajamento das vítimas, que recebem o apoio não apenas dos parentes e amigos, como de entidades, ativistas e militâncias que combatem o racismo.
“O apelo midiático, com orientações, ajuda muito. As pessoas que sofrem algum tipo de ataque racista ou injúria racial constatam que estão ocorrendo punições contra os infratores e vão atrás dos seus direitos”, disse Adriana. “É claro que ainda existem situações nas quais a vítima não leva a coisa para frente, muitas vezes por falta de provas. Porém, a orientação é a de que aquele que testemunha pode ajudar quem é alvo do crime. A primeira ação é a de registrar o ato, porque, na hora, a vítima fica com o emocional abalado e fica sem reação. Depois, procurar uma delegacia para registrar o ato”, orientou a presidente da Comissão da Igualdade Racial.
No último dia 9, o motoboy Juan William Penteado Carvalho, de 24 anos, morador de Artur Nogueira, foi alvo de injúria racial praticada por um cliente do restaurante onde ele trabalha como entregador. Após pedir uma marmita, o cliente enviou um áudio a um conhecido relatando o pedido e xingando o entregador de “macaco” e o comparando a um criminoso.
O áudio foi enviado por engano ao celular do restaurante e ouvido pelo proprietário, que ficou revoltado com a atitude do homem, repassando ao funcionário. “As palavras que ele (cliente) diz são muito fortes e agressivas. Não pensei duas vezes em mostrar para o Juan e orientá-lo a ir na delegacia”, disse o empresário Alan José da Silva.
Em abril deste ano, a analista em Recursos Humanos, Aline Cristina Nascimento de Paula, de 28 anos, viu a sua vida se transformar depois de ser atacada com palavras racistas por uma mulher, em um playground de um shopping de Campinas. A jovem acompanhava a filha de um amigo em um brinquedo quando uma mulher se recusou a ficar no mesmo ambiente que ela e passou a dizer palavras que até hoje a vítima não esquece.
“Ela estava com o filho na piscina de bolinhas e a filha do meu amigo me chamou para brincar com ela dentro da piscina. Decidi tirar a sandália e entrar para atendê-la. A mulher então pegou o filho e disse: ‘Vamos embora que aqui tá cheio de preto e preto não gosta da gente’. Na hora, não acreditei e fiquei sem ação. Falei que ela estava sendo racista e pedi para que ela fosse embora mesmo”, relembrou Aline.
“Fiquei muito chateada. Até chorei. Não queria falar para ninguém e chamei meu marido para ir embora. Os pais que testemunharam a agressão racial me apoiaram. Meu marido e amigos quando souberam foram atrás dela e gravaram a atitude dela. Depois, chamaram a polícia e fomos todos para a delegacia, mas ela pagou uma fiança de R$ 1,5 mil e está respondendo o crime em liberdade”, lamentou a jovem, que não consegue mais voltar ao shopping.
“Tenho medo que aconteça novamente. Eu gosto muito de lá, mas criou um bloqueio na minha cabeça. Por vários dias, achei que eu era culpada, mas, graças a Deus, e à ajuda de psicólogos, já superei bastante o trauma.”
Aline disse que não tem raiva da agressora, mas quer que ela responda e pague pelo crime.
O caso de Aline é acompanhado pelo Centro de Referência dos Direitos Humanos e Combate ao Racismo e a Intolerância Religiosa de Campinas e já tramita no Ministério Público (MP), mas corre em segredo de justiça.
“Recebemos muitas denúncias, seja por vítimas, ativistas ou militância. Algumas vítimas pedem ajuda para denunciar à Justiça, mas outras não, querem apenas ser acolhidas. Há casos ainda que não reúnem elementos substanciais que comprovem o ato”, esclareceu a gestora da entidade, Jacqueline Damázio.
De acordo com ela, cerca de 70% das ocorrências registradas no Centro de Referência são levadas para o Ministério Público e as denúncias realizadas junto à entidade são acompanhadas e a vítima e agressor, orientados. “Nossa função é a de reduzir os danos causados da melhor maneira. Aqui não existe punição. Somos um órgão de mediação e acompanhamento à vítima. Acreditamos que oferecer elementos para tratar o agressor é o melhor caminho, de modo que ele reveja suas atitudes, mude a sua postura racista e se torne um multiplicador da cultura africana. Racismo é crime e não é um problema entre negros e brancos, é coletivo. O combate tem que ser coletivo”, frisou Jacqueline.
OS NÚMEROS
2022
Racismo: 7
Discriminação religiosa: 4
2021
Racismo: 12
Discriminação Religiosa: 6
2020
Racismo: 12
Discriminação Religiosa: 6
2019
Racismo: 16
Discriminação Religiosa: 6