Jovens se exibem aos possíveis clientes no Jardim Itatinga: único bairro no país exclusivamente voltado à prostituição (Gustavo Tilio)
Seis adolescentes, com idades entre 14 e 16 anos, foram resgatadas este ano de situações de exploração sexual. Os dados são do Conselho Tutelar de Campinas e revelam que pelo menos uma vez por mês, em 2022, uma adolescente foi retirada dessa situação. Em todo o ano passado, o Conselho Tutelar de Campinas atendeu a 15 ocorrências. O crime é considerado uma das mais graves formas de trabalho infantil.
Segundo a conselheira tutelar Maria Stella Miranda Rodrigues, os casos que ocorrem no município se concentram na região do bairro Itatinga e na área central, onde pensões funcionam como locais para a prostituição de menores.
Ali, muitas jovens são mantidas em situação análoga a um cativeiro, quando são suprimidos documentos e telefones celulares, a fim de impedir que elas fujam. De acordo Maria Stella, o que ocorre, na maioria dos casos, é que as adolescentes, sobretudo do litoral do Estado (Praia Grande e Santos), são trazidas sob promessas de trabalho e alta renda e acabam sendo submetidas à exploração forçada. Geralmente, essas moças vêm de círculos sociais fragilizados, estão distanciadas dos pais, vislumbrando as oportunidades oferecidas.
“Nos atendimentos às vítimas, elas relatam que foram aliciadas pela rede social, trazidas de Uber, que foi prometido empregos como o de ser babá, modelo. Há sempre uma promessa de mudança de vida. Ao deparar com uma vida de escravidão nesses locais, além de outras formas de violência, acabam pedindo socorro”, aponta Stella.
As denúncias chegam ao Conselho Tutelar por meio do atendimento da Polícia Militar e da Guarda Municipal. O pedido de socorro ocorre, geralmente, quando há um afrouxamento da segurança das meninas, que conseguem pegar celulares de clientes ou vão a comércios fazer a chamada. Há também situações de denúncias de terceiros, que acionam as forças de segurança para resgatarem essas adolescentes.
Um dos casos atendidos pelo Conselho Tutelar e que chamou a atenção de Stella foi o de uma adolescente que veio de Santos, há cerca de um mês. A jovem deixou a cidade para ir ao Brás, onde faria compras. No entanto, o carro, que deveria conduzi-la a São Paulo, mudou a rota e, ao perceber que estava em uma cidade diferente, pediu para deixar o veículo. “Ela já estava em Campinas quando se deu conta de que aquele não era o caminho para o Brás. A adolescente conseguiu sair do carro e pediu a ajuda da GMl, que nos acionou. Talvez ela nem tivesse noção do tamanho do risco que estava correndo. E é nesses momentos que entra nosso trabalho de acolhimento.
Identificamos os parentes dessa adolescente e conseguimos localizá-los, mas apenas depois de quatro dias eles vieram buscá-la”, relembra.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP), um outro caso foi registrado, também no mês passado, no dia 23 de abril. Na ocasião, um casal, de 30 e 24 anos, foi preso em flagrante pelo crime de corrupção de menores.
O casal mantinha uma adolescente, de 16 anos em cárcere privado dentro de uma casa de prostituição. Os suspeitos foram autuados e encaminhados à cadeia. A SSP-SP informou que a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), onde o caso foi registrado, não comentaria sobre as investigações.
Resgate
Em toda situação de resgate, as vítimas são acolhidas pelo Conselho Tutelar e levadas a uma das 23 casas-abrigo que existem em Campinas. Ali é feito o contato com a família e a inclusão da vítima em uma rede de proteção, visando a assegurar a ela o suporte de atendimento médico, psicológico e educacional, garantindo a segurança dela. Caso os pais ou parentes não sejam localizados, a adolescente permanece no abrigo.
Em Campinas, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) também tem trabalhado nessa frente de forma intersetorial.
A promotora da Infância e Juventude de Campinas, Andréa Santos Souza, aponta que esse é um crime muito grave, mas que ocorre na esteira de outras situações de vulnerabilidade que precisam ser trabalhadas no momento do acolhimento dessas vítimas. Isso explica, por exemplo, os casos de reincidência. O Conselho Tutelar não citou quantos dos seis casos foram reincidentes, mas mencionou que havia entre eles situações assim. Nesse perfil, há o fator renda envolvido. “Mas não é só isso”, confronta a coordenadora geral da Proteção Social e Especial de Campinas, Maria Angélica Bossolani Batista. “Tem toda uma situação de violação de direitos, exclusão social… uma série de fatores que interferem na tomada de decisão dessa adolescente”, explica.
Fragilidade
A fragilidade do círculo familiar e a falta de uma base social segura acabam sendo situações determinantes nesse contexto. Para Stella, é uma utopia pensar na extinção desse problema, mas ela defende que medidas tomadas em conjunto com demais setores podem reduzir drasticamente esse índice.
“Dos casos atendidos, percebemos famílias dilaceradas por intensos conflitos, violência doméstica, com histórico de vulnerabilidade social e falta de oportunidades. Por isso a importância da articulação da Rede de Proteção, com a atuação de todos os órgãos e serviços, Segurança Pública, conselhos tutelares, Ministério Público, Vara da Infância, enfim, todos os atores atuando em conjunto para aprimorar o acolhimento a essas vítimas. E também a Justiça, para que ocorra a identificação e responsabilização desses aliciadores.”