Em igual período, repasse do imposto para as prefeituras da região aumentou 89,25%
IPVA é calculado sobre o valor de mercado do veículo, o que leva em conta o ano de fabricação, potência, nível de equipamentos e acabamento; com aumento da frota, cidades tiveram repasse maior (Alessandro Torres)
O número de veículos das 20 cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) cresceu 34,24% na última década, o que resultou em um aumento de 89,25% no repasse do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para as prefeituras. A frota passou de 1,88 milhão de automóveis, motocicletas, ônibus, caminhões e outros modelos em 2013 para 2,53 milhões em março passado, enquanto a transferência do tributo saltou de R$ 521,1 milhões para R$ 986,18 milhões em 2022. Os dados constam de estudo feito pelo economista Gildo Canteli, assessor econômico e financeiro da Prefeitura de Vinhedo.
Com uma população estimada em 3,22 milhões de habitantes na RMC, o aumento da frota faz com que a média seja de 1,27 veículo por morador, superior a média nacional, que é 1,63, e até mesmo do Estado de São Paulo, de 1,41. Na última década, Hortolândia, que completou 32 anos na última sexta-feira, foi o município da Região Metropolitana com o maior aumento no repasse de IPVA, passando de R$ 14,61 milhões para R$ 41,79 milhões, alta de 185,7%.
Com 138.937 veículos emplacados, a cidade tem a 6ª maior frota da RMC, com média de 1,77 veículo/habitante.
A média é superior a registrada da RMC e do Estado, mas a frota de Hortolândia teve alta de 81,78% nos últimos dez anos. A taxa foi superior ao crescimento da população da cidade, que foi de 27,89%, passando de 192,69 mil pessoas em 2013 para 246,45 mil atualmente, de acordo com cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
FONTE DE RECEITA
Para Canteli, a expansão do número de veículos nas cidades ocorreu, principalmente, pelo interesse das prefeituras no repasse de 50% do IPVA. A partir da Constituição de 1988, os municípios passaram a receber metade do valor desse tributo arrecadado no município, que hoje está entre as quatro maiores fontes de receita tributária. Ele divide o ranking com os impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Predial e Territorial Urbano (IPTU).
“A partir de 1996, as prefeituras também passaram a investir na informatização das Ciretrans (Circunscrições Regionais de Trânsito) para agilizar a emissão dos documentos e incentivar os proprietários a manter os veículos na cidade”, disse o assessor econômico. Para ele, isso ajuda a explicar o fato de, proporcionalmente, Campinas ter registrado o menor crescimento na arrecadação com IPVA nos últimos anos na RMC. Entre janeiro e abril deste ano, Hortolândia recebeu R$ 33,3 milhões em repasse desse imposto, alta de 7.387,93% em comparação aos R$ 444,76 mil de todo o ano de 1996.
No mesmo período, o aumento em Campinas foi de 1.084,29%, saltando de R$ 29,25 milhões para R$ 346,62 milhões. A taxa do município foi inferior a média da Região Metropolitana (1.607,29%) e até mesmo do Estado São Paulo (1.132.64%). Nos 645 municípios paulistas, o valor arrecadado com o IPVA passou de R$ 792,48 milhões para R$ 9,77 bilhões. Porém, até mesmo o crescimento de Campinas superou a inflação acumulada de 2016 até o mês passado, que foi de 434,47%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE.
Vinhedo é a cidade da RMC com a maior média per capta na arrecadação do IPVA, valor que nos primeiros quatro meses de 2023 ficou em R$ 375,99. Holambra aparece na segunda colocação (R$ 363,90) e Valinhos está na terceira posição (R$ 346,66). Para o economista Gildo Canteli, a posição de Vinhedo está relacionada a renda população, que é líder na Região Metropolitana, com o valor médio de R$ 3.750,30, de acordo com o estudo Mapa da Riqueza no Brasil, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que leva os dados da declaração do Imposto de Renda Pessoa Física de 2020.
A cifra coloca o município no quarto lugar no Estado e em 11º em todo o País. O IPVA é calculado sobre o valor de mercado do veículo, o que leva em conta o ano de fabricação, potência e nível de equipamentos e acabamento. As alíquotas do imposto para veículos particulares novos e usados são de 4% para carros de passeio; 2% para motocicletas e similares, caminhonetes cabine simples, microônibus, ônibus e maquinário pesado; além de 1,5% para caminhões e 1% para os veículos de locadoras, registrados em São Paulo.
Do valor repassado para o município, 40% são verbas carimbadas, ou seja, têm destino certo. A legislação estabelece que obrigatoriamente 25% são destinados para edução e outros 15% para a saúde, o que garante um caráter social para o tributo e beneficia a população de menor renda.
Taxista Juliano Farias diz que em Campinas não se consegue rodar em muitos pontos no horário de pico (Alessandro Torres)
CONSEQUÊNCIAS
Porém, o aumento da frota também tem seus reflexos negativos. “Em Campinas, não se consegue rodar em muitos pontos no horário de pico. É preciso buscar rotas alternativas”, disse o taxista Juliano Farias, que atua na profissão há 29 anos. Ele aponta entre os locais problemáticos as ruas centrais; a Rodovia Professor Zeferino Vaz (o “Tapetão”), na altura do Vila Nova; a Avenida John Boyd Dunlop; e a Rodovia Jornalista Francisco Aguirre Proença (Campinas-Monte Mor). “O trânsito fica bem enroscado”, afirmou.
A gerente de loja Cristiane Nunes disse que evita dirigir entre 16 e 19 horas pelas ruas da cidade. “Somente saio nesse horário se for realmente necessário”, explicou. Já o autônomo Maurício Carmignotto disse que prioriza andar de motocicleta. “É muito mais eficiente, não fico preso no trânsito”, argumentou. Ele tira o carro da garagem quando tem que carregar pacotes maiores e descarta usar o transporte coletivo. “Perde-se muito tempo esperando ônibus”, justificou.
Para o engenheiro Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, especialista em trânsito, “mais carros nas ruas vão na contramão do que deveríamos estar pensando”. Ele considera que o uso maior do transporte individual é uma consequência dos erros no planejamento urbano, de mobilidade e de transporte. Consultor nessa área, ele apontou que a política de ampliar vias públicas e rodovias de acesso às cidades da RMC, principalmente Campinas, “apenas estimula as pessoas a usarem mais o carro e não resolve o problema” dos congestionamentos.
Segundo ele, o ideal seria investir em meios de transporte de massa, como faixas exclusivas para ônibus de grande porte entre as cidades, além de usar outros modais, como o ferroviário e o uso de bicicletas. Para o engenheiro, esses meios deveriam estar integrados para desestimular o uso de carros e motos. Mello Filho diz que, além de problemas para circular, o uso de transporte individual aumenta o número de acidentes de trânsito e a poluição atmosférica pela emissão do monóxido carbono gerado pela queima de derivados de petróleo.
De acordo com o especialista, o atual sistema de transporte coletivo da RMC é precário, o que acaba incentivando os meios individuais. Para a historiadora Maria do Carmo Andrade Gomes, autora do livro “Onibus: Uma história dos Transportes Coletivos”, o desequilíbrio urbano teve início nas décadas de 1950 e 1960, com a chegada dos ônibus a diesel, quando os interesses comerciais e empresariais determinaram o crescimento da cidade.
Segundo ela, na segunda metade de 1950, com o governo de Juscelino Kubitschek, foi feita a opção pelo transporte sob rodas e, desde então, a indústria automobilística passou a ter grande força e peso. “Daí chegamos ao modelo de hoje. As cidades não comportam mais carro e ônibus, um disputa espaço com o outro”, disse a pesquisadora.