Mulheres entrevistadas pelo Correio revelam que se sentem inseguras e defendem ações que ajudem a conscientizar a sociedade, desde a fase escolar, sobre o respeito ao segmento feminino
O casal Maria Angélica Pinheiro e Sérgio Aparecido: tema da violência doméstica precisa ser tratado desde cedo, nas escolas, para difundir o conceito de respeito (Rodrigo Zanotto)
Ana Maria (nome fictício), 68, recorda o dia em que estava em casa com o filho à espera do ex-marido. Seria um dia comum de fim de semana, não fosse o que estava por vir com a chegada do homem. Ana Maria terminaria o dia na delegacia, prestando queixa após ser agredida pelo companheiro com um bofetada no rosto, o que resultou em um ferimento na boca. "Ele chegou bêbado, drogado, e começou a me bater. Eu estava em casa, ao lado do meu filho", se emociona, ao descrever o episódio.
Ana Maria é uma entre cinco mulheres ouvidas pelo Correio Popular que afirmaram ter sofrido - ou ao menos conhecer uma vítima - algum tipo de violência motivada por sua condição de gênero. Neste grupo, todas são categóricas ao afirmar que se sentem inseguras. Face ao episódio narrado - e outros que preferiu não compartilhar - Ana Maria optou por viver o restante da vida sozinha, decisão que recomenda a outras mulheres.
Hoje já idosa, avalia que a sociedade precisa mudar significativamente sua cultura no que tange à sobrevivência e desenvolvimento da mulher. "A mulher não pode usar um vestido, um shorts, por quê?", questiona. "Mulher tem o direito de ir e vir, vestir a roupa que quiser, do jeito que quiser", continua.
Dados do Anuário Nacional de Segurança Pública, divulgados em julho, revelam que os feminicídios cresceram 0,8% no Brasil em 2023 em relação ao ano anterior. Foram 1.467 casos. Registros de violência doméstica tiveram um salto ainda maior, de 9,8%, totalizando 258.941 casos. Os números são ainda mais alarmantes quando se referem a crimes de violência sexual. O aumento foi da ordem de 48% para casos de importunação, por exemplo, um total de 41 mil denúncias.
Campinas encerrou o ano de 2023 com seis casos de feminicídio, um a mais que o ano anterior. Na Região Metropolitana, foram mais de 15 casos. Em 2024, já são cinco casos na cidade e 13 na região. Diante desse cenário, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, anunciou na sexta-feira (2) o lançamento da Campanha "Feminicídio Zero", que coincide com a campanha Agosto Lilás, voltada a conscientizar sobre a violência contra a mulher. Segundo a ministra, a campanha prevê parcerias com times de futebol, lideranças religiosas e empresas para coibir os casos de violência nesses ambientes.
Segundo mulheres ouvidas ontem pela reportagem, a questão chave que as incomoda ainda é a segurança - no caso, a falta dela. Para mitigar essa situação, as entrevistadas defendem medidas a curto e a longo prazo. Em um primeiro momento, uma expansão do arcabouço público voltado à denúncia e acolhimento. Para resultados futuros, indicam a educação preventiva nas escolas.
Ana Maria pensa que a educação é a chave para combater a "doença" sobre a qual foi vítima. "Educar homens e mulheres. Eles para que saibam se comportar civilizadamente, e elas para que conheçam seus direitos e denunciem".
Atendente em um restaurante, Eliane Martins, 34, não se sente 100% segura no trabalho e em nenhum outro ambiente. "Estamos vulneráveis em casa, na rua, no trabalho. A gente precisa de segurança, de acolhimento. Por onde andamos vivenciamos casos de assédios, roubos, cantadas, olhares", diz, destacando que já foi vítima de importunação sexual.
O casal Maria Angélica Pinheiro, 64, e Sérgio Aparecido, 65, também avalia que a questão central é a educação. "Esse assunto precisa ser tratado nas escolas desde cedo, para que os jovens em fase de infância e adolescência sejam introduzidos na sociedade com a consciência sobre o que é respeito. É na sala de aula que se corta o mal pela raiz", afirma Angélica. O marido concorda e acrescenta que o Estado "não tem como fiscalizar a violência dentro da casa das pessoas", motivo pelo qual é necessário preparar os jovens para a convivência afetiva.
A agente de educação Marília Figundio, 36, adota o "olhar 360" ao andar pelo Centro de Campinas, área da cidade que só frequenta quando é obrigada. "A maioria das mulheres está sempre se preocupando com o que vai acontecer em todos os sentidos. Sou muito desconfiada de natureza. Preferiria ir a um shopping, por exemplo, que vir ao Centro porque sei que há nesses espaços um segurança em cada corredor, com uma presença maior que o policiamento das ruas", reforça.
A advogada Thais Cremasco, do coletivo Mulheres Pela Justiça, avalia que o Estado tem um arcabouço de estruturas capaz de combater o problema da violência de gênero, porém, diz, "é necessário atuar na educação para promover uma mudança cultural".
"Campinas ganhou a Casa da Mulher Campineira que oferece apoio jurídico às vítimas de violência, através da Defensoria Pública e acolhimento psicossocial. Aliado a isso, temos as delegacias de Defesa da Mulher, que são duas na cidade. O que ainda é deficiente no conjunto de ações é a questão da educação, que precisa promover o debate acerca desse assunto, para que as mulheres saiam do ciclo abusivo. É necessária também uma educação compulsória para que o homem comece a tomar consciência sobre seu importante papel nesse cenário", elenca.
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